O “Emotional one”
Mourinho teve dificuldades em conter as lágrimas face aos adeptos que por ele esperavam no centro de treinos depois de ser demitido da AS Roma. Qual é a diferença para o bloco de gelo de há 20 anos?
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Os dois anos e meio que José Mourinho passou na AS Roma, com resultados fracos na Série A italiana mas a conquista de uma Liga Conferência e a presença numa final na Liga Europa, acabaram ontem com a demissão por parte da administração e uma evidência do que mudou no treinador de Setúbal. O que mudou foi o Mundo que o rodeia. Quando foi a força motriz por trás de uma revolução no papel dos treinadores de futebol, no início do século, Mourinho era um inovador feroz na metodologia de treino, um tipo moderno nos planos estratégico e tático, um jovem “cool” para o exterior, que ao mesmo tempo agregava em seu redor as boas energias dos balneários que dirigia. O “Special One” revelou-se no Chelsea, mas já lá estava antes, no Benfica, na UD Leiria, no FC Porto... Em todos os clubes por onde passou, houve sempre quem ele empurrasse para debaixo do autocarro. Era o Sabry que demorava muito a apertar as chuteiras, foi o arraso coletivo em público depois de uma derrota por 3-0 que os dragões encaixaram contra o Belenenses no Restelo, o afastamento de Vítor Baía antes de um jogo importante no Bessa. Mas o resultado era sempre mais do que bom: era extraordinário. Os jogadores que escapavam à mediocridade que Mourinho denunciava de uma forma aberta nunca tinham trabalhado com alguém que desse treinos tão divertidos (era só bola...), que lhes entregasse dossiers tão detalhistas sobre os adversários, surpreendendo-os pelo enorme conhecimento num Mundo que ainda não era global, que entendesse o conceito de fadiga mental e a necessidade que eles tinham de se desligarem do futebol de quando em vez, que depois os convencesse de que eram capazes de ganhar a quem quer que fosse. Para fora, Mourinho parecia um bloco de gelo, uma espécie de “Agent Cooper” do FBI, mas construía grupos vencedores em cima da relação com os jogadores, que o viam como uma espécie de irmão mais velho e líder capaz de os conduzir à glória. A coisa era a tal ponto assim que se alimentava de vitórias debaixo de um efeito bola-de-neve que parecia imparável. O terceiro lugar no Natal na UD Leiria, duas Ligas e duas provas europeias no FC Porto... Mourinho já era um treinador que fazia da defesa a alma das suas equipas, mas era uma defesa corajosa, a “pressão alta” que ele ajudou a popularizar. Em Inglaterra, com adversários mais fortes, o Mundo começou a mudar. Ele ainda se distinguia pela relação especial que tinha com os jogadores, ainda a alimentava com vitórias – o primeiro título do Chelsea na Premier League em meio século, dois campeonatos italianos e uma Champions no Inter de Milão –, mas o seu futebol começava a parecer mais defensivo, menos corajoso. Ainda assim, a aura do sucesso permitia-lhe brincar com a situação, como fez na noite em que respondeu às acusações de ter estacionado o autocarro em frente à área, na eliminação do FC Barcelona, em Camp Nou, dizendo que o que levara para o campo não era o autocarro mas sim um AirBus, devido à enorme importância das duas asas na cobertura do espaço. Começa aí o segundo Mourinho, o Mourinho que ainda ganhou em Madrid – uma Liga em três anos –, mas que já tinha de correr atrás. Do outro lado estava Guardiola, seu antigo companheiro no balneário do Barça, de repente transformado na sua nemesis. Tal como Mourinho, Pep também era moderno, detalhista, obcecado – porque o Mundo vulgarizara a associação desse perfil ao sucesso. O que tinha diferenciado o português era agora património global. E a vida de Mourinho passou a ter como desígnio ganhar contra aquilo que distinguia Guardiola: a sua ideia de futebol. Terá havido em Mourinho, a partir da passagem por Madrid, uma sublimação da cautela face à coragem, que de certa forma era a única forma de combater aquele Barcelona – ou, depois, o poderoso City do mesmo Guardiola –, mas que, ao mesmo tempo, veio minar todo o resto do edifício mourinhista. O traço de personalidade que o levava a arrasar a mediocridade que por vezes o rodeava, viesse ela de jogadores, dirigentes, árbitros ou jornalistas, precisava de vitórias, de fanfarra, de coragem na batalha, para agregar as boas energias que sobravam. Se estas não surgiam, ou escasseavam – ele ainda foi campeão inglês com o Chelsea em 2015, ganhou a Liga Europa no Manchester United em 2017 –, tudo o resto parecia desenquadrado e Mourinho deixava de ser o Special One para se transformar apenas no Emotional One, no treinador que se especializava em desculpas esfarrapadas para os desaires. A entrada na AS Roma era uma oportunidade fantástica para mudar o foco, mas Mourinho acabou por perdê-la. Ganhou uma Liga Conferência, esteve numa final da Liga Europa, mas não foi além do sexto lugar da Serie A e ganhou apenas seis de 30 jogos contra os outros grandes de Itália, que não são tão poderosos como a armada invencível do Manchester City. Os adeptos adotaram-no como um deles, porque se reviam na sua forma de incarnar o ‘underdog’, mas o futebol de Mourinho continuou a saber a pouco – e, apesar dos gastos em quebra nos últimos dois anos de mercado, em contraste com o que tinham feito o Manchester United, o Tottenham ou até a AS Roma do primeiro Verão com Mourinho, o plantel giallorosso ainda é o terceiro mais caro da Série A. Ontem, nas dificuldades com que conteve as lágrimas à saída de Trigoria, onde foi confrontado com o despedimento, Mourinho consumou a passagem definitiva para o lado da emoção. Tem agora de aproveitar as emoções boas para voltar a ser Special. Aos 60 anos ainda não é tarde.
Abel onde está feliz. A renovação de contrato de Abel Ferreira com o Palmeiras por mais dois anos é do mais esperado que podia haver na carreira do treinador de Penafiel. Já o tinha dito quando se especulava com a possibilidade de Jorge Jesus vir a dar o salto para um clube de topo nas Big Five depois de ser campeão sul-americano pelo Flamengo em 2019: quando são portugueses a ganhar, estamos a sobrevalorizar a importância que o mercado internacional dá aos títulos conquistados na América do Sul. O último a entrar numa das cinco grandes Ligas após ganhar a Libertadores foi Carlos Bianchi, que venceu a competição pelo Boca em 2003 e foi contratado pelo Atlético Madrid em 2005. Depois disso, de Bauza a Gallardo, de Dorival a Rueda ou a Sabella, o máximo a que um vencedor da Libertadores tem podido aspirar é ao El Dorado do momento – Gallado lá seguiu para a Arábia Saudita – ou a uma seleção nacional no continente. No Palmeiras da Crefisa, Abel encontra o ambiente profissional que não teria, por exemplo, na CBF, caso admitisse ser selecionador brasileiro e viesse a enfrentar a oposição de um país que ainda não parece preparado para ver um estrangeiro no cargo, a começar pelos seus colegas de profissão. Além disso, encontra condições para ganhar reiteradamente e para continuar a matar a sede de conquistas profissionais que teria de colocar em segundo plano se optasse por um contrato milionário no Médio Oriente. Abel fica no Palmeiras porque ali é feliz.
Sempre o tempo útil. Os treinadores reuniram-se ontem na Liga e da reunião saiu a habitual conversa do tempo útil. Sim, o pouco tempo útil de jogo é um flagelo do futebol nacional. Sim, marcam-se demasiadas faltas. Sim, mostram-se demasiados cartões. Sim, os números estão a descer, o que é excelente e se reflete no aumento do tempo útil, mas fico com a ideia de que o mérito principal da coisa é dos árbitros, mais preocupados em deixar jogar e mesmo assim arrasados por treinadores que, depois, ao mínimo contacto não apitado, saltam dos bancos para protestar. É por isso que, a ouvir os treinadores falar do tema, me sinto transportado para um banco de jardim a jogar sueca com reformados que passam o dia a queixar-se do SNS, da habitação, da falta de segurança, da educação, da fuga ao fisco, de tudo e mais alguma coisa, mas que depois se contratam um canalizador ou um eletricista lá para casa ou levam o carro à oficina e lhes perguntamos se pediram fatura dizem que não, que nesse caso teriam de pagar o IVA. E que tal se começassem a reprimir nos vossos jogadores a tendência arreliante para se deitarem para o chão para ganhar faltas e faltinhas ao mínimo contacto? Isso é que era de valor.
E se o AVB hoje na apresentação trouxe-se uma bazuca? de nome JM ou será improvável, impossível? Impossível não seria já que as relações entre ambos estão muito melhores....