O dilema de Salvador
O SC Braga caiu em resultados e Carvalhal acaba contrato. Mas está a construir-se o futuro. O que pesa mais? O olho do presidente para escolher treinadores ou a noção de que lhe falta estabilidade?
Carlos Carvalhal já esteve esta época por um fio no comando da equipa do SC Braga, arrastado para o terreno pantanoso da incerteza pela regressão em termos de resultados e por uma série particularmente negativa, associada à proverbial falta de paciência de António Salvador com os seus treinadores. Tomando como comparação a posição à 19ª jornada, os bracarenses estão pela primeira vez fora dos três primeiros lugares desde 2017/18. Ora, sendo provável que em 2022 interrompam uma sequência de dois anos sempre a ganhar troféus – ainda lhes resta a Liga Europa ou a Liga Portuguesa, mas se uma não é coisa fácil, a outra complicou-se seriamente... – e coincidindo tudo isso com o fim do contrato de Carvalhal, que até tem mercado lá por fora, tudo se conjuga para que Salvador possa dedicar-se a uma tarefa que lhe é particularmente grata: encontrar-lhe um sucessor. O que nem é um drama. Mas é pena, que há ali trabalho que começa a frutificar.
A vitória do SC Braga em Alvalade frente ao Sporting fez as luzes da ribalta incidir no jovem Gorby, 19 anos, contratado para a equipa de sub19 em 2019 depois de ter sido dispensado pelo Nantes FC. Não fez um grande jogo – nem podia, que esteve em campo dois minutos, além das compensações – mas mostrou descaramento e capacidade técnica e de decisão no momento em que resolveu o jogo. E a diferença entre a entrada de Gorby em Alvalade neste sábado e a chamada de Roger, por exemplo, nos últimos minutos da Supertaça, no início da época, é que se aquela podia ter sido uma mera operação de cosmética e relações públicas, destinada a hastear a bandeira da formação e a justificar assim o desaire que naquele dia se desenhava, esta foi mesmo para ganhar o jogo e veio sancionar todas as anteriores. Não só as de Roger, que entretanto já fez 16 anos, mas já leva sete jogos (e três golos) na equipa principal, mas também a consolidação de gente como Vitinha, Bruno Rodrigues ou Francisco Moura, todos eles frutos da formação bracarense.
É inegável que este SC Braga piorou em relação aos das últimas épocas. É quarto colocado na Liga, com 35 pontos em 19 jogos, o que o deixa a 18 do primeiro lugar e, por enquanto mais importante, a 12 do segundo, que dá acesso aos milhões da Liga dos Campeões. Além disso, está fora das taças, quando há um ano se preparava para jogar a Final Four da Taça da Liga e ainda veio a ganhar a Taça de Portugal. Nessa altura, tinha também mais cinco pontos do que tem neste momento e era terceiro. Como era igualmente terceiro à 19ª jornada de 2019/20 – ano em que ganhou a Taça da Liga – ou de 2018/19. Desde 2014/15, a última vez que acabou uma Liga fora do Top-4 – foi quinto, com Sérgio Conceição, mas ainda jogou a final da Taça de Portugal – o SC Braga só teve um parcial à 19ª jornada pior do que o atual. Foi em 2019/20, quando aqui chegou com 33 pontos apenas. E nessa época os resultados já tinham custado a posição a Ricardo Sá Pinto, demitido após 14 jornadas para dar o lugar no banco a um certo Rúben Amorim.
António Salvador, que celebrará em Fevereiro 19 anos como presidente do SC Braga, já contratou 17 treinadores, além de uma mão cheia de interinos. Três desses técnicos – Carlos Carvalhal, Jesualdo Ferreira e José Peseiro – saíram e voltaram. Tudo somado, deixa Salvador com uma média superior a um treinador contratado por cada ano de presidência bracarense. E, mesmo assim, apesar de toda esta instabilidade, o SC Braga cresceu inegavelmente debaixo da liderança deste empresário da construção. Porquê? Há várias teses. Uma, mais favorável ao presidente, dirá que ele soube quase sempre escolher bem os técnicos: pelo SC Braga passaram, antes de ganharem títulos, Jesualdo Ferreira, Jorge Jesus, Sérgio Conceição, Abel Ferreira e Rúben Amorim. Só aqui, estão nove Ligas portuguesas, quatro Taças de Portugal, cinco Supertaças, sete Taças de Liga, três Copas Libertadores e um Brasileirão, ganhos por treinadores que até chegarem a Braga tinham no currículo zero títulos. E no lote não incluí Paulo Fonseca, que depois foi tricampeão ucraniano, ou Leonardo Jardim, que mais tarde foi campeão grego e francês, esteve numas meias-finais da Champions e alcançou uma Liga dos Campeões Asiática.
Carvalhal está a fazer um excelente trabalho em Braga e, como defensor da continuidade no trabalho, creio que o melhor para o SC Braga seria mesmo que ele continuasse. Resta saber se é isso que quer o treinador, que foi forçado a dar um passo atrás no Rio Ave depois da experiência em Inglaterra, mas que está a voltar a submergir e poderá sempre encontrar local para trabalhar com outras condições financeiras. Tal como resta perceber se é isso que quer Salvador, escudado no muito de bom que tem sido feito pelo SC Braga nas áreas do scouting e da formação. A verdade é que se Salvador pode apresentar em sua defesa o olho que tem para escolher treinadores, as condições que deu para o crescimento de jovens atletas no clube ou a qualidade da sua estrutura de scouting. Como se, com aquelas condições, qualquer treinador pudesse brilhar. Os que discordam da roda-viva que tem sido o comando técnico do SC Braga poderão apresentar argumentos contrários: “Imaginem o que seria se aqueles treinadores tivessem ficado mais tempo em Braga. Será que os títulos que conquistaram lá por fora podiam ter sido ganhos ali?” Esse é o dilema de Salvador.
Ao Braga falta um campeonato. Creio que já tem um arcaboiço que lhe permite ser campeão sem as dores de crescimento que, por exemplo, o boavista teve após ganhar o campeonato. Mas ainda vacila na hora da cobrança. E a diferença que se acentuou entre os três grandes e o resto das equipas também prejudica quem quer intrometer-se na luta do titulo. Nos anos em que um dos três está bem e quase não perde pontos é virtualmente impossível o Braga chegar lá. Porque o Braga ainda não chegou a esse patamar de não perder pontos. Neste cenário, precisava de um campeonato como aquele que foi ganho pelo Benfica de Trapattoni.
Sempre achei o Carvalhal bom treinador, comunica bem e acho que seria bom ele ficar e finalmente o Braga estabilizar e construir uma verdadeira equipa com alguns jogadores da formação porque já vimos que têm qualidade. Realmente é impressionante a quantidade de títulos que ganharam os treinadores que passaram pelo Braga. António Salvador realmente sabe escolher mas se calhar agora falta dar continuidade para ter algum sucesso. Cumprimentos