A reforma-Conceição no FC Porto
Este FC Porto é diferente do de 2020, que já era diferente do de 2018. Sérgio Conceição está a mostrar que as reconversões são a sua praia. E todas precisam de um ano zero antes de se imporem no topo.
Os seis pontos de avanço para o Sporting e as 14 vitórias consecutivas na Liga deixam o FC Porto numa espécie de velocidade de cruzeiro em direção à reconquista do título de campeão e mantêm a equipa de Sérgio Conceição na rota que a tem levado a ganhar uma em cada duas Ligas, sempre as dos anos pares. O favoritismo dos dragões não é surpreendente – eu até já o tinha anunciado no Futebol de Verdade de 6 de Agosto, antes de começar a Liga – mas a evolução da equipa já o tem sido, pela positiva. No dia em que ia dar-se o pontapé de saída do campeonato suportei a atribuição de uma maior dose de favoritismo ao FC Porto no facto de os dragões serem, entre os grandes, quem tinha mais potencial inexplorado. Mas a forma como têm sido capazes de concretizar essa margem de crescimento tem saído melhor do que a encomenda, mostrando que Conceição é, sobretudo, um treinador reformista, mas que as reformas levam tempo.
Claro que o FC Porto ainda não é campeão. Por mais notável que tenha vindo a ser o percurso até aqui, ele não dispensa a equipa de fazer uma segunda volta pelo menos quase tão forte como a primeira. Há dois anos, o Benfica de Bruno Lage chegou à 19ª jornada com 54 pontos, mais um do que tem neste momento, em igual número de jogos, o FC Porto de Conceição – e mesmo assim os campeões desse ano foram os azuis e brancos, em primeiro lugar porque se impuseram logo no jogo entre ambos, à 20ª ronda, reduzindo a desvantagem para quatro pontos. Na época passada, o Sporting de Rúben Amorim chegou à 19ª jornada com menos dois pontos do que os que tem este FC Porto (51), mas com mais quatro de vantagem para o segundo (tinha dez de avanço dos dragões), e mesmo assim ainda vacilou. A dúvida manteve-se no espírito de muitos, em parte porque o Sporting não tinha uma tradição recente de vitórias, o que levava a crer que podia tropeçar, e muito por ainda faltar um jogo entre ambos, no Dragão.
O FC Porto-Sporting do Dragão, marcado para 11 de Fevereiro, pode vir a ser decisivo na luta pelo título – sobretudo se os portistas dele saírem pelo menos com os atuais seis pontos de avanço. Mas corra o jogo como correr, já nada apagará o trajeto de reconstrução que tem sido percorrido por Sérgio Conceição. O treinador já tinha sido campeão em 2018, com uma equipa baseada na explosividade dos dois avançados – Marega e Aboubakar – à qual Brahimi dava criatividade e onde Danilo e Herrera mantinham a intensidade ao meio. Em 2020 repetiu a graça, já com um híbrido tático em 4x4x2 e o 4x3x3, muito por força das trocas posicionais entre os excelentes Otávio e Corona, as maiores figuras portistas desse campeonato. Em 2022, o FC Porto apareceu diferente, fundando a candidatura, primeiro, num Uribe sempre seguro e na capacidade de Díaz para resolver nos lances de um para um que a equipa lhe criava, e mais recentemente na condução de Vitinha a meio-campo e no crescimento de Evanilson na frente.
Este FC Porto, que continua a parecer curto de opções atrás, dificilmente se colocaria na ‘pole position’ que agora ocupa se não se tivesse reconvertido. A forma de jogar da época passada era insuficiente e isso levou à saída de dois elementos que podem até vir a ser felizes lá por fora, mas que no Dragão já não eram solução – Corona e Sérgio Oliveira. A capacidade para pôr tudo em causa foi, assim, a principal arma de Conceição. Corona tinha sido o homem do título de 2020, mas já não lhe servia. Oliveira foi decisivo na caminhada na Liga dos Campeões de 2021, mas a equipa só mudaria com Vitinha – e para isso o internacional, que até esteve na fase final do Europeu, teve de ser alvo de um sacrifício. As equipas são organismos vivos, evoluem em constante mutação. E desenganem-se os que pensam que as mudanças neste FC Porto se extinguem pelo sucesso que as 17 vitórias e dois empates até aqui registadas na Liga podem fazer adivinhar. Taremi, um jogador fundamental na ligação meio-campo-ataque e na capacidade defensiva que o FC Porto revela dentro do meio-campo adversário, está a perder o palco para Fábio Vieira, mais um criativo que aproximará o FC Porto do 4x2x3x1 e lhe dará um potencial larguíssimo nas trocas posicionais entre os mini-duendes que tem a magicar lances ofensivos.
A capacidade para fazer aparecer Diogo Costa, João Mário, Vitinha, Fábio Vieira ou Evanilson – só o brasileiro não foi campeão em 2020, mas os outros quatro somaram apenas um total de 602 minutos de utilização nas 34 jornadas dessa Liga – era a grande arma por explorar deste FC Porto. Esta não é uma equipa perfeita, como se viu, por exemplo, na eliminação da Liga dos Campeões. Vai provavelmente ter um calendário mais apertado do que os rivais, porque na Liga Europa tem mais condições para prosseguir em prova do que o Sporting e o Benfica na Champions. Tem carências atrás, que o mercado de Janeiro não lhe resolverá – até porque com Sérgio Conceição é difícil chegar e jogar de imediato. Mas a reconversão que está a ser conseguida na equipa para a tornar ganhadora mostra a capacidade do treinador para ser, sobretudo, um gestor de meios. Conceição não tem uma grande ideia exclusiva, não nos surpreende pela inovação, nem é treinador de hegemonias – termo que foi muito usado no futebol nacional na década passada. Mas olha para o que tem e, embora com tempo, chega à fórmula certa.
Dá como certa a permanência de SC no FCP, na próxima época. Olhe, que eu não dou. É que, para além de faltar muito campeonato - mais do que duas derrotas, três empates podem sempre acontecer -, a bola pode bater na trave. E, se ele nada ganhar esta época, então é que o projeto vai por água abaixo.