O dia da América do Sul
Começam hoje os quartos-de-final do Mundial e as atenções globais estão muito centradas no Argentina-Holanda que no Brasil-Corácia. Mas hoje é o dia da América do Sul dizer ao que vem.
Apesar das confusões que por cá continuam a existir em torno de Ronaldo, a alimentar horas e horas de emissões televisivas, Portugal é o parente pobre deste Mundial no que toca às atenções da imprensa internacional. Hoje volta a jogar-se, depois de dois dias de paragem, e o prato forte da jornada é o Holanda-Argentina, abordado na perspetiva do confronto entre dois treinadores tão diferentes como são Louis van Gaal e Lionel Scaloni, por exemplo no L’Équipe, de ser a repetição da final de 1978, por exemplo no El Mundo, ou do mítico golo de Bergkamp, em 1998, no The Daily Telegraph. Há também um Brasil-Croácia, que pode marcar a despedida de Mundiais de Modric, mas que nem por isso chama tanto a atenção global. E se o Portugal-Marrocos ainda está muito fora da atualidade, pois só se joga amanhã, isso não serve para colocar de parte o outro jogo de sábado, o Inglaterra-França. Ou não fossem os jornais ingleses e franceses dos mais representativos em termos de imprensa internacional no Mundial.
Mas os quartos-de-final começam com o Brasil-Croácia. A Fola de São Paulo, através da prosa de Cristiano Martins e Diana Yukari, acredita que Tite vai repetir o onze que desfez a Coreia do Suk em meia-hora e alerta para o facto de os jogadores do escrete terem alinhado, em média, menos 66 minutos na Copa do que os croatas. Na mesma edição, em vez de se centrar em Modric, Alex Sabino chama a atenção para o emergente defesa-central Josko Gvardiol, que venceu 70 por cento dos duelos nas partidas da primeira fase. E, na habitual Prancheta, Paulo Vinicius Coelho chama a atenção para o perigo de Kramaric, num grafismo de um texto construído em torno da importância que tem para a América do Sul o apuramento de Brasil e Argentina para as meias-finais. É que o Brasil de 2002 foi o último campeão do Mundo a sair de fora da Europa. E “de Arrascaeta foi o único jogador de um time da América do Sul a fazer um gol no Qatar”, escreve PVC. Vistas as coisas do lado europeu, o Brasil é olhado como uma potência atacante. Nos links abaixo, pode chegar a um texto de David Álvarez no El País, a contar a forma como Neymar viu ouro no garoto Vini Jr. e entendeu que com ele podia amejar a ser campeão do Mundo. E também o The Athletic, através de Phillip Buckingham, se centra na emergente figura do extremo do Real Madrid. E é o L’Équipe que, através da escrita de Hugo Guillemet, vai buscar a questão tática, abordando a forma como o Brasil consegue ter sempre cinco unidades muito subidas no campo para atacar a baliza adversária.
Mais à noite, o Holanda-Argentina é apresentado como um confronto de estilos. Não é só Jorge Valdano, que está no Mundial a comentar para a televisão mexicana Azteca TV e tem escrito a sua habitual coluna no El País – republicada em Portugal pelo jornal A Bola – que, em entrevista a Sid Lowe, publicada no The Guardian (há link mais abaixo), vem dizer que vê um Messi “liberado”. Hoje foi dia de vários perfis cruzados de van Gaal, um treinador dado como autoritário, e Scaloni, o libertador de Messi. O El País vai um pouco mais longe, e ainda que apresente o treinador argentino como “um relativista”, em texto de Lorenzo Calonge, deixa-nos uma interessante abordagem de Diego Torres ao confronto entre Messi e Frenkie de Jong, o médio que o argentino quis levar com ele para o Paris Saint-Germain. Há ainda espaço na edição de hoje do argentino Clarín para a habitual Pizarra de Falcioni, onde aquele treinador propõe a fórmula para superar a batalha tática proposta por van Gaal: “há que pressionar os dois médios centro e sacar a referência a Klaassen”.
Há ainda, sobretudo nos jornais ingleses e franceses, muito espaço para o França-Inglaterra de amanhã. Pontos fortes, pontos fracos, histórias... Já vos deixei alguns links para os textos mais interessantes abaixo, mas ao tema voltarei certamente amanhã. Então e Portugal? Ainda falta um dia para esse Portugal-Marrocos, mas o que mais se vê nesta viagem pela imprensa internacional é a valorização do percurso de Marrocos e a constatação de que o público árabe está com os magrebinos. Nick Ames dá nota dessa união árabe no The Guardian, o mesmo sucedendo com Ainda Alami e Vibian Yee, em peça no The New York Times. E numa análise tática escrita no The Athletic, Ahmed Walid explica que “Marrocos não chumbou no caminho até aos quartos-de-final”. “Watch-out Portugal”, adverte o autor, que decompõe o sistema de Walid Regragui com recurso a inúmeras imagens.
Conversas de Bancada
A Ler:
An alternative analysis of the World Cup, por Juanma Lillo, no The Athletic, é a visão deste Mundial do homem que era inspiração para Valdano e ajudou a construir o Manchester City de Guardiola.
El juego de las diferencias entre el entrenador más joven del Mundial e el más veterano, por Adrián Maladesky, no Clarín, é um perfil cruzado de Lionel Scaloni e Louis van Gaal, em dia de Holanda-Argentina.
How Memphis Depay fel for Louis van Gaal all over again, por Daniel Taylor, no The Athletic, mostra a forma como o treinador e a estrela ofensiva da seleção holandesa ultrapassaram as duas divergências antes deste Mundial.
You see the happiness Messi has – he’s been liberated, por Sid Lowe, no The Guardian, é uma entrevista a Jorge Valdano acerca do Mundial, de Messi, de Maradona, de futebolistas com um posicionamento político e até do lucro que o ego de Ronaldo gerou aos companheiros.
El cortejo de Neymar y Vini para assaltar Qatar, por David Álvarez, no El País, explica o modo como Neymar se aproximou de Vinicius Júnir depois de ver como este tinha beneficiado o jogo de benzema no Real Madrid.
Even tiny it was obvious that he was in a different league, por Henry Samuel, no The Daily Telegraph, é uam reportage em Bondy, a cidade onde nasceu e cresceu Mbappé, a descrever o percurso do francês até à grandiosidade.
Wenger: “C’est la final avant l’heure”, por Pierre Étienne Minonzio, no L’Équipe, é uma entrevista a Arsène Wenger, diretor de desenvolvimento na FIFA e consultor da beIN Sports, acerca do que viu e espera ver neste Mundial.
Un riojano del Athletic al mando de España, por Jon Rivas, no El País, é um perfil de Luis de la Fuente, o novo selecionador de Espanha, feito a partir do momento em que foi aprovado para jogar no Athletic Bilbau.
The cult of Luis Enrique: how Spain’s World Cup turned to shambles, por Dermot Corrigan e Pol Ballus, no The Athletic, faz as contas ao fracasso do Mundial espanhol a partir de uma ideia imutável do treinador.
Waving the flag of the World Cup’s unofficial team, por Tariq Panja, no The New York Times, explica o contexto em que a bandeira da Palestina tem sido vista nas bancadas e até nas celebrações de vitória de vários jogadores marroquinos.
Stadiums as high art in World Cup fantasyland, por Sarah Lyall, no The New York Times, faz a apresentação dos estádios inovadores deste Campeonato do Mundo.
A Ouvir
Durante este Mundial, tenho dado aqui pouca atenção aos franceses, mas começa a ser altura de corrigir essa injustiça, até porque o After Foot, da Radio Monte Carlo, é um dos melhores shows acerca de futebol disponíveis em podcast. Tem contra o facto de ser longo – são, regra geral, mais de duas horas, se contarmos a ponta final, com intervenção dos espectadores... –, porque nasceu para animar os serões televisivos e radiofónicos de um canal especializado. Mas a seu favor permanece a constatação de que, nestas coisas de futebol, os franceses têm muito mais abertura às realidades de outros países do que os ingleses ou os espanhóis, por exemplo. A emissão de ontem, conduzida por Nicolas Jamain, com a participação do anterior pivot, Gilbert Brisbois, teve em estúdio os habituais Rolland Courbis e Kévin Diaz. Discutiu-se muito o França-Inglaterra de amanhã, com comentários de Julien Laurens, jornalista francês radicado em Londres, e de Gérard Soler, autor do último golo francês aos ingleses no Mundial, em 1982, e a noção de que a obsessão inglesa por Mbappé pode beneficiar... Dembelé. Mas houve ainda espaço para se falar dos outros jogos dos quartos-de-final e um período sempre divertido que é o Libre Antenne, conduzido por Nicolas Vilas e Thibaut Giangrande, mas com a entrada em direto de espectadores. Ontem, entre outros, por lá passou Pedro, trabalhador no setor da distribuição, luso-descedente e adepto de Portugal, para dizer que tem a sensação de que “os jogadores da seleção portuguesa estão todos a jogar fora de posição”.
A ver
Croácia-Brasil, 15h, TVI e Sport TV1
Holanda-Argentina, 19h, RTP1 e Sport TV1