A instabilidade que trama o Vitória SC
Pepa foi demitido e, pela quinta época seguida, o Vitória SC perde a oportunidade de começar com o técnico do ano anterior. Será possível ter sucesso com tanta instabilidade?
O país futebolístico discutiu na semana passada se era justo proteger as equipas que vão jogar as pré-eliminatórias das competições europeias no sorteio da Liga, mas esqueceu-se de uma coisa. Tendo em conta o hábito nacional, quase mais valia debater as formas de as proteger de si próprias. A uma semana da estreia na fase de apuramento para a Liga Conferência, em jogos com os húngaros da Puskás Akademy, o Vitória SC demitiu a equipa técnica liderada por Pepa, o que não será seguramente bom para as perspetivas da equipa. Ao mesmo tempo, a saída da equipa técnica confirma que o Vitória SC é um dos clubes mais instáveis da nossa elite, uma das razões pelas quais continua sem confirmar em resultados o imenso potencial que tem.
Não posso, naturalmente, dizer aqui quem tem razão no diferendo que afastou o treinador Pepa e o presidente António Miguel Cardoso. Os treinadores não podem dar como certo que os presidentes lhes garantam todos os meios de que precisam, da mesma forma que, do outro lado, os presidentes não podem esperar que os treinadores aceitem ser simples verbos de encher, com a missão de espalhar cones pelo campo e soprar no apito nos treinos. Isto para dizer que, tanto como a saída de Rochinha, o capitão de equipa que recentemente trocou o Vitória SC pelo Sporting e terá sido a gota de água que fez transbordar o copo, o que estará aqui em causa é a forma como essa saída se processou, ao que tudo indica sem conhecimento do treinador ou do diretor desportivo, Rogério Matias, em decisão solitária do presidente. Em função disso, João Teixeira, “Moreno”, o bombeiro de serviço, lá terá de pegar mais uma vez nos cacos e tentar colá-los à pressa de forma a garantir que o Vitória SC possa continuar na Europa.
E é pena que assim seja, porque o Vitória SC merecia um projeto mais consolidado. Mesmo com o último jogo à porta fechada, o Vitória SC foi, a seguir aos três grandes, quem mais gente meteu no seu estádio na época de 2021/22: fechou a Liga com uma média de 10.768 espectadores por jogo em casa, quase mais três mil, por exemplo, do que o SC Braga. E não foi um caso isolado: isso já acontece há pelo menos dez anos – e não verifiquei mais para trás. Neste momento, em termos de seguimento popular, de interesse da comunidade/cidade/região no seu clube, o Vitória SC é o quarto grande do futebol português. E no entanto, quem ocupa essa posição na classificação há cinco anos consecutivos é o SC Braga. Mais. Nos últimos dez anos, só por uma vez o Vitória SC acabou nos quatro primeiros lugares da classificação: foi em 2016/17, com Pedro Martins.
Será a instabilidade nos treinadores uma justificação para este insucesso permanente? É bem possível, pois nesses mesmos dez anos, o Vitória SC foi dirigido por 13 treinadores. Apesar de um início de decénio estável, com Rui Vitória, que esteve quase quatro épocas completas, entre 2011 e 2015, seguiram-se-lhe Armando Evangelista, Sérgio Conceição, Pedro Martins, José Peseiro, Vítor Campelos, Luís Castro, Ivo Vieira, Tiago Mendes, Bino Maçães, João Henriques e Pepa, além de Moreno, que já teve de assegurar mais um interinato. Há aqui muito boa gente – dois campeões nacionais, um campeão da Ucrânia, um campeão da Grécia, um campeão do Egito, com vitórias na Taça de Portugal e na Taça da Liga... – mas depois quem morde os calcanhares aos grandes é o SC Braga. Só que, apesar de mais períodos de estabilidade, os próprios bracarenses também tiveram 12 treinadores neste decénio: José Peseiro, Jorge Paixão, Jesualdo Ferreira, Sérgio Conceição, Paulo Fonseca, Jorge Simão, Abel Ferreira, Ricardo Sá Pinto, Rúben Amorim, Carlos Carvalhal e agora Artur Jorge Amorim, aos quais há que somar o interinato de Custódio Castro. Também muito boa gente, mas com a nuance de só Abel Ferreira e Carlos Carvalhal terem uma vez transitado de uma época para a seguinte.
É claro que do lado da presidência haverá a tentação de olhar para estes dados e concluir que, mais treinador, menos treinador, a coisa vai sempre dar ao mesmo. E de apontar outro tipo de instabilidade, que é a diretiva. É que o SC Braga é uma espécie de feudo pessoal de António Salvador, que decide tudo há muito tempo, enquanto que só nestes dez anos o Vitória SC teve a dirigi-lo três homens diferentes: Júlio Mendes, Miguel Pinto Lisboa e, agora, António Miguel Cardoso. Não será ainda estranho a essa discussão que o período áureo dos vimaranenses tenha sido debaixo da liderança férrea de António Pimenta Machado, que decidia tudo, punha e dispunha e ainda se arrogava ao direito de dizer que “o que hoje é verdade, amanhã é mentira”. Salvaguardadas as devidas diferenças – que não há pessoas iguais, nem em estilo nem em caráter –, uma espécie de Salvador na forma como assumia o clube em nome próprio. Só que os tempos mudaram. Jogadores, técnicos, árbitros, adeptos, jornalistas são hoje diferentes do que eram em 1980, quando Pimenta Machado acedeu à presidência do Vitória SC.
O próprio Salvador, que nessa altura tinha dez anos de idade, já o entendeu.
Ontem, pode ter-lhe escapado:
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