O circo dos tubarugas
Já viu um tubaruga? Já, de certeza. Pode é não o ter reconhecido como tal. Porque além de misturar o olfato pelo sangue do tubarão e o apetite para o sugar da sanguessuga tem coisas de camaleão.
Há uma coisa comum a todos os tubarugas: nunca desenvolveram um pensamento estruturado acerca da atividade em que estão envolvidos. Não são incapazes de o fazer. Simplesmente não lhes dá para aí. A sua natureza é diferente, é a do tubarão que tem um apurado olfato para farejar o sangue e o deteta a enormes distâncias. Quando cheira o alimento, o tubaruga é implacável e prepara o ataque com astúcia e inteligência, qualidades que ajudam a entender que se não faz nada de construtivo não é porque não seja capaz. É mesmo porque não quer. Um tubaruga que não seja inteligente e astuto não sobrevive na selva do futebol, porque é disso que falamos: passa à história como criatura irrelevante após as primeiras intervenções. O mesmo acontece a um tubaruga que não seja fiel à sua natureza e resolva comer a carne e limpar o terreno das carcaças em decomposição. O verdadeiro tubaruga é um ser próximo da sanguessuga: chupa o sangue, rejubila com ele, mas não só não ajuda a resolver os problemas como necessita que eles continuem a marcar a agenda para crescer. O futebol português está cheio de tubarugas – e isso é grave. São aqueles intervenientes que não falam do jogo e que, mais, até acham que essa mania que alguns de nós temos de ainda falar do jogo é uma excentricidade. “Lá vem este com as táticas e as dinâmicas, com as palavras caras, as transições e as organizações”, gozam, ora atribuindo esta escolha de entender e explicar o jogo a um romantismo desfasado da realidade ora até a uma inconfessável e vergonhosa vontade de mascarar os reais problemas do setor. Os tubarugas são aqueles agentes que, tendo percebido para onde a realidade sócio-cultural conduziu o país – três clubes grandes que querem ser hegemónicos e que, ao longo de um século, educaram os seus apaniguados para a convicção de que se o não são é porque alguém está a subverter o sistema – se movem nesse pântano da manipulação da opinião pública com uma admirável capacidade para nunca sucumbirem às areias movediças. Só assim continuam com a cabeça de fora, a ditar sentenças, sempre cheias de razão prática e moral. É aí que está o sangue? Então é aí que eles estão. Mas se o que é preciso é acabar com esta realidade, deixar de dar palco às manipulações em cima das quais eles flutuam, não contem com eles, que entretanto, com tanto que fazer, se esqueceram de aprender a nadar e haveria o risco de se afundarem. Já viu um tubaruga? Pode achar que não, mas já viu de certeza, que eles andam aí. Simplesmente a evolução genética da espécie já os aproxima também do camaleão e deu-lhes a capacidade de se mascararem de outras coisas. São os jogadores simuladores transformados em mártires massacrados com faltas. São os treinadores incapazes de alinhar duas ideias coerentes que depois justificam o insucesso com as arbitragens ou os dirigentes que não lhes deram o que prometeram. São os árbitros que se defendem e apitam ao primeiro sopro de vento que faça cair um futebolista, com receio do tribunal popular dos frames que nos enche o espaço mediático. São os dirigentes incapazes de aceitar que o adversário, por vezes, possa ser melhor e atribuem cada desaire a erros de arbitragem e cada campeonato perdido a benefícios concedidos aos rivais. São os comentadores ou comunicadores contratados por estes dirigentes para propagarem as teses que lhes permitem manter-se à tona sem ver questionadas as suas próprias escolhas ou atitudes. São os jornalistas que perceberam em que é que se transformou o país e o Mundo e perdem horas preciosas em busca do que pode ser viral em vez de se preocuparem com o que pode ser importante e relevante. São os adeptos que não perdem dois minutos a falar de futebol jogado mas depois ficam agarrados a cada novela manipulatória e monocromática debitada aos gritos, com palavras como “escândalo”, “roubo” ou “vergonha”, desde que os descanse acerca da pureza dos seus ideais e da enorme malvadeza de quem se lhes opõe. O futebol português está transformado num circo de tubarugas. E, como bem disse Cristiano Ronaldo ontem, assim não vamos lá.
O lucro do Benfica. Tal como esperado, a SAD do Benfica apresentou lucro nas contas relativas a 2022/23. E, tal como esperado também, esse lucro, que interrompe dois anos seguidos com perdas – assumidas como aposta consciente no fortalecimento do plantel – foi relativamente baixo: 4,2 milhões de euros. Nada de dramático, que as SAD não são empresas destinadas a gerar resultados financeiros estratosféricos ou a distribuir dividendos: têm como objetivo as conquistas desportivas, necessariamente sem perderem dinheiro, de forma a não porem em risco a sua atividade no médio e no longo prazo. E, nesse aspeto, valeria a pena refletir sobre o papel dos passivos, cuja dimensão os adeptos dos maiores clubes continuam a esgrimir. O passivo cresceu, mas o ativo também e não vejo ninguém na administração preocupado com isso. A única fonte de problemas que vejo ali é a constatação de que a atividade global – e não é só do Benfica, é do futebol português em geral – continua a ser amplamente deficitária. Estas contas refletem a venda de Enzo Fernandez – tal como as anteriores incluíam a de Darwin e nem por isso deixaram de mostrar prejuízo – bem como 74 milhões de euros de Liga dos Campeões. É certo que também já la está a compra do passe de Kokçu, mas é impossível não projectar a preocupação na temporada de 2024/25, em que vai apertar-se a porta de entrada nacional na Champions e pode não haver uma grande venda a animar. Cheira a sangue. Aí vêm os tubarugas.
E se eles não pagam? A saída de Godwin, um belíssimo atacante que marcou o trajeto ascensional do Casa Pia no futebol nacional nestes últimos anos, deve ter posto um ponto final nas movimentações portuguesas para o mercado saudita. E agora o palco abre-se à questão que se segue: e se eles não pagam? Este mercado de Verão viu transações de jogadores da Europa para a Arábia Saudita no valor total de cerca de 800 milhões de euros – e o valor ainda pode aumentar para os mil milhões se o Liverpool FC aceitar vender Salah para o Al-Ittihad antes do fecho do mercado, que será hoje. Mesmo que isso não aconteça, o fortalecimento da Liga saudita já valeu 11 por cento das receitas extraordinárias dos clubes europeus, o que levou a ECA (Associação dos Clubes Europeus) a manifestar junto da FIFA a sua preocupação quanto à falta de maneiras de assegurar o cumprimento dos contratos. É que a UEFA impede a inscrição nas suas competições de clubes endividados, dessa forma garantindo um incentivo às boas contas. Mas a UEFA, ali, não tem jurisdição. E até hoje nunca um player de fora da Europa se mostrara tão pujante.