O primeiro desafio de Schmidt
O primeiro desafio de Schmidt não são as quatro finais de Agosto para chegar à Liga dos Campeões. É romper com uma lógica de atuação no mercado que tem levado o Benfica a estagnar.
O FC Porto e o Sporting terão certamente as suas animações de Verão, mas em nenhum local as coisas prometem aquecer tanto como no Benfica. Roger Schmidt já foi confrontado com a necessidade de ter a equipa a render rapidamente, porque em Agosto ela terá de responder à altura a quatro finais absolutamente decisivas na Liga dos Campeões – as duas da terceira pré-eliminatória e, correndo estas bem, mais duas do playoff. Como no ano passado o alemão fraquejou nesta fase, com o PSV Eindhoven – eliminado precisamente pelo Benfica de Jesus – e, por razões conjunturais, as equipas portuguesas dependem muito mais do dinheiro da Champions do que as neerlandesas, já há quem lhe apresente este como o primeiro desafio a enfrentar na Luz. Mas não é. O primeiro desafio é fazer uma equipa com 50 a 60 jogadores: os 23 que transitam do plantel deste ano, os doze que regressam de empréstimo, a dúzia dos Bês e dos campeões europeus de sub19 que “exige” espaço e a dúzia que ele e a estrutura do Benfica querem contratar.
Não vai ser moleza, mas é aqui que se joga o sucesso da nova época do Benfica. Não será nas ideias “revolucionárias” do treinador, na capacidade que ele em princípio não terá para pegar em jogadores pouco intensos e transformá-los em máquinas de pressão. Como certamente não será na troca da grande maioria dos futebolistas que o Benfica tem sob contrato por uma camioneta de alvos de mercado, vistos pelos adeptos e pelos vendedores de ilusões que os vão alimentando como a cura de todos os males. O Benfica já contratou dois jogadores – e dois bons jogadores. Mas nem o sérvio-bósnio Ristic nem o croata Musa parecem ser resposta aos problemas, o primeiro porque não é verdadeiramente um upgrade para Grimaldo – é um jogador diferente, mais físico, mas sem o mesmo pedigree técnico e criativo –, o segundo porque, sendo um dos bons pontas-de-lança da Liga portuguesa, vem para uma posição que Schmidt já tinha preenchida com Darwin, Gonçalo Ramos, Yaremchuk, Seferovic e Rodrigo Pinho e na qual urge deixar espaço para que Henrique Araújo possa ter uns minutos de vez em quando.
Claro que muito da próxima época do Benfica se jogará nas saídas. E aqui há dois caminhos. Um, que tem sido o seguido nos últimos anos, manda vender em alta ou segurar quem não pode garantir esse tipo de operação, mesmo que não sirva os propósitos, coisa difícil quando se fala de um plantel que não ganha nada há três anos – e que se calhar também não ganha nada há três anos por isso. Darwin tem mercado – ainda que para chegar aos números de que se fala precise mesmo de uma daquelas distorções de mercado de que vos falava aqui. Talvez se encontre colocação sem perder muito dinheiro para Weigl, Yaremchuk ou Vlachodimos, talvez exista uma saída para Seferovic – que até é o mais pressionante de todos os avançados do Benfica –, mas jogadores como Rafa, Everton, João Mário, Taarabt, já para não falar em Gabriel ou Pizzi, são muito mais dificilmente marquetizáveis. E isso pode levar o Benfica ao segundo caminho, que é o de assumir que se perde dinheiro, mas que isso permitirá ao treinador construir sem limitações o seu plantel, um plantel capaz de corresponder às ideias que ele defende.
Porque há duas coisas inegociáveis na constituição do plantel do Benfica de 2022/23. Uma é que o treinador deve avaliar os jogadores que tem, entre os que estiveram no plantel e os que regressam de empréstimo – e estes são Tomás Tavares, Ebuehi, João Ferreira, Ferro, Florentino, Pizzi, Gabriel, Chiquinho, Tiago Dantas, Nuno Santos, Tiago Araújo e Samuel Pedro, já que Carlos Vinícius, Conti e Yony González continuarão nos seus atuais clubes e é provável que o Celtic acione a opção de compra por Jota. A outra é que Schmidt deve perceber depressa quais são os que lhe servem e abdicar dos que não lhe servem, seja em empréstimos – que como são jogadores caros obrigarão o Benfica a continuar a pagar os salários – ou até em cedências a custo zero. Importante é que eles não fiquem preservados em clorofórmio no Seixal só para evitar que desvalorizem e facilitar a tarefa a quem procura dar-lhes caminho, porque isso só vai impedir o alemão de conseguir aquilo de que precisa.
E do que é que ele precisa? A meu ver, de duas coisas. A primeira são quatro ou cinco reforços, cirúrgicos – eu diria um guarda-redes forte no jogo com os pés, um central rápido, um defesa-esquerdo criativo (se sair Grimaldo), um médio com grande capacidade de cobertura de terreno e, eventualmente, um 10/segundo avançado mais cerebral do que os que tem, mas com golo. Alguns dos alvos de que se fala para o Benfica são excelentes, mas não vêm para estas posições, que são as de que o plantel mais precisa. A segunda é ter um plantel de, no máximo, 23 jogadores. Só assim se garante que, em alguns momentos da época, por indisponibilidade de quem está acima, gente como Diego Moreira, Martim Neto, Henrique Araújo ou até Tomás Araújo e António Silva terão espaço para se mostrarem. E uma coisa é certa: se esse espaço existir, um ou dois vão ser titulares no final da temporada. Não entender isto é não entender o futebol e as pessoas.
PS - Este é o último Último Passe antes de férias. A minha crónica matinal vai estar suspensa entre 1 de Junho e 17 de Julho, tal como o Futebol de Verdade, que faço diariamente no meu canal de YouTube, às 12h30. Nesse período, o meu Substack continuará a ter artigos, à cadência de um ou dois por dia, mas apenas para subscritores Premium. Quero que sejam dois artigos por dia, mas não tenho a certeza de conseguir. Vou continuar a publicar a série F80, com uma cromobiografia diária, e juntar-lhe-ei a série Reis da Europa, contando a aventura dos diversos campeões nacionais na época que está a terminar. A ideia é, se possível, haver um Reis da Europa por dia, mas não posso ainda garantir isso. É para pode mesmo parar uma semana, depois dos jogos da Liga das Nações (que vou comentar na RTP) que preciso de suspender já o Último Passe e o Futebol de Verdade. Preciso de ganhar “avanço”. Mais uma vez obrigado por estarem aí desse lado. E recordo-vos que podem tornar-se subscritores Premium, apoiar o meu trabalho e garantir que não perdem pitada neste link.
Ter 6 pontas de lança no plantel e ir buscar mais um que, tendo em conta o lote que existe, não é para chegar e somar é só ridículo.
Mesmo o defesa esquerdo só me parece que terá alguma hipótese se Grimaldo sair mesmo e se tal acontecer será que terá metade do valor que o espanhol acrescentava à equipa?
Até começar a verdadeira limpeza não se vai perceber o pensamento do alemão mas diria que o início não está muito promissor, para já.
Votos de boas férias António.
Estamos juntos.
O mais fácil será dizer que vai tudo correr bem, mas, perante tamanho desafio, fica a dúvida: com tanta instabilidade interna, o mínimo percalço será fatal? E Schmidt aguentará até ao natal?