O Benfica e a formação
A goleada na final da UEFA Youth League não quer dizer que se repitam os ciclos de 2017-19 ou 2019-22 e estes miúdos venham a ser campeões em 2024 ou 2025. Mas o Benfica deve tentar que isso suceda.
A equipa de sub19 do Benfica conquistou ontem com justiça a UEFA Youth League, impondo uma estrondosa goleada de 6-0 ao Red Bull Salzburgo na final e lançando para a discussão pública nomes como os dos defesas-centrais Tomás Araújo e António Silva, do médio Martim Neto, do extremo Diego Moreira e do ponta-de-lança Henrique Araújo, autor de um hat-trick, que até já fez um golo pela equipa principal. Roger Schmidt, o treinador que se supõe possa vir substituir Nélson Veríssimo na próxima época, já vai chegar com a incumbência imposta de dar espaço a estes miúdos – e isso é o mínimo a que aconselha a inteligência, porque faz pouco sentido estar a formar para depois desaproveitar. Mas no meio da euforia, há que ter a cabeça no lugar e perceber que nada se impõe por decreto e que o caminho destes miúdos ainda está longe de se completar.
Que todos têm qualidade, é inegável. Que os cinco que citei acima têm uma dimensão muito acima da média, também me parece quase indiscutível. Se vão chegar ao patamar a que todos ambicionam, já depende. E basta olhar para a lista de vencedores desta competição criada em 2013 pela UEFA para o entender. A primeira final, jogada em 2014, opôs FC Barcelona e Benfica e, dos 25 jogadores em campo nessa tarde, só cinco chegaram a jogar pelo menos uma vez na equipa principal dos seus clubes. Aconteceu com Kaptoum, Mounir e Traoré nos catalães e com Gonçalo Guedes e Nuno Santos nos encarnados. Hoje, entre todos, há três a jogar numa das cinco grandes ligas mundiais – Mounir no Sevilha FC, Traoré de volta ao Barça e Guedes no Valência CF. Depois há mais dois que trabalham numa das dez maiores Ligas da Europa – os benfiquistas Rochinha no Vitória SC e Nuno Santos no Sporting – e outros dois em campeonatos importantes da América – Kaptoum no New England Revolution, da MLS, e Rafael Ramos no Corinthians, do Brasil. E há muita gente perdida em divisões inferiores de Espanha ou em Ligas absolutamente insignificantes, da Geórgia à Finlândia.
O fenómeno foi-se repetindo ao longo dos anos. O Chelsea ganhou as finais de 2015 e 2016 e, embora ao contrário de Benfica e FC Barcelona, tenha dado pelo menos uma oportunidade a 12 dos 20 miúdos que utilizou nessas duas decisões, só cinco deles fizeram pelo menos 20 jogos: Christensen (160), Mount (155), Loftus-Cheek (117), Abraham (82) e Tomori (27). Por isso mesmo são os que estão melhor na vida neste momento, os três primeiros ainda a jogar nos blues, Abraham na AS Roma e Tomori no Milan. O Benfica finalista de 2017 já deu pelo menos uma oportunidade a oito dos 14 finalistas – Rúben Dias (137 jogos), Diogo Gonçalves (77), Gedson (63), João Félix (43), Jota (34), Florentino (32), José Gomes (5) e David Tavares (2). E cinco deles – Dias, Gedson, Félix, Jota e Florentino – foram campeões de seniores dois anos depois. A história quase se repete no FC Porto. Nove dos 15 jogadores utilizados pelos dragões na final ganha ao Chelsea em 2019 jogaram pelo menos uma vez na equipa principal – Fábio Vieira (74 jogos), Diogo Costa (66), João Mário (59), Vitinha (55), Diogo Leite (51), Romário Baró (34), Fábio Silva (21), Tomás Esteves (3) e Gonçalo Borges (2), sendo que pelo menos cinco (Vieira, Costa, Mário, Vitinha e Borges) estão na linha para serem campeões de seniores três anos depois.
O que estes números nos mostram é que, tal como há jogadores que progridem muito até uma determinada idade e depois estagnam, seja por falta de estímulo competitivo, de uma boa oportunidade ou até de profissionalismo, também há outros que só começam a crescer mais tarde. E que há clubes que trabalham melhor e clubes que trabalham pior, tanto numa primeira fase, de formação, como numa segunda, de definição de política desportiva, na qual haja espaço de progressão para aqueles cuja formação lhes custou investimento. O natural crescimento da UEFA Youth League também tem levado os clubes a levarem mais a sério estas gerações vencedoras. Por exemplo, o FC Barcelona já testou ao mais alto nível muito mais gente da equipa vencedora de 2018 do que da de 2014, ainda que dessa final já só Mingueza e Puig estejam na calha para serem craques ‘blaugrana’ – nessa equipa estava, por exemplo, o atual braguista Abel Ruiz, que também pôde fazer um jogo pela equipa principal mas precisou depois de encontrar em Braga o espaço para crescer e chegar à seleção espanhola. A imposição dos campeões europeus de sub19 não é garantida nem decretável, mas será sempre lesivo dos interesses de um clube o que sucedeu com Ruiz ou até com Miranda, defesa-esquerdo dessa equipa catalã de 2018 que nunca chegou aos crescidos e depois se fez internacional com a camisola do Betis.
Ainda que as histórias de 2017/19 e 2019/22 possam prenunciá-lo, a vitória do Benfica na UEFA Youth League de 2022 não quer necessariamente dizer que os encarnados tenham de ser campeões nacionais de 2024 ou 2025 e que dessa equipa venham a fazer parte uns cinco ou seis elementos que ontem golearam o Red Bull Salzburgo em Nyon – podem ser os que referi mais acima mas também outros quaisquer. Schmidt não tem de encarar a próxima temporada com a obrigação de pôr a jogar os miúdos, mas o clube deve sentir a urgência de definir uma clara política desportiva em que eles sejam mais do que bibelots rapidamente transformáveis em estrupícios quando passam de moda. Promover estes miúdos à pressão e por decreto ou em busca de benefícios de marketing mas depois demonstrar falta de confiança neles preenchendo o plantel com uns três ou quatro consagrados para cada posição é o mesmo que dizer-lhes que o melhor é tentarem a sorte noutro local. Porque se é verdade que aquilo a que se chama “aposta na formação” é treta – qualquer treinador aposta nos melhores, sejam eles da formação ou não – não deixa de ser um facto que a formação não acaba no momento em que os jogadores saem dos sub19 e se fazem seniores como a carruagem da Cinderella se transforma de novo em abóbora.
Conforme tentei explicar aqui, muitas vezes sem ser compreendido – sobretudo por quem não leu e se limitou a inferir o que lá estaria – esse é o caminho que o Benfica precisa de aprender a trilhar. Porque ter estado em metade das finais da UEFA Youth League – quatro em oito – já jogadas até hoje e ter levado lá um total de 55 jogadores, alguns deles mais de uma vez, tem de ter reflexos na capacidade competitiva do escalão acima. E não é isso que se vê neste momento, em que o clube assinalará em Agosto três anos completos sem qualquer troféu. Três anos desde a Supertaça ganha ao Sporting (5-0), com cinco miúdos formados em casa em campo.
Excelente texto 👏👏👏 4 finais em 8 e onde andam ? Isto só vem mostrar que a mudança de política na estrutura com a chegada de JJ só piorou as coisas, aliás para mim é o principal motivo destes 3 anos sem troféus. Meite, Randonijc, Lázaro são exemplos disso, vieram acrescentar ? Bola !! como dizia o JJ.
É que poupasse dinheiro e ganham-se em muitos casos bons jogadores.
Parabéns aos miúdos, foi um regalo ver o jogo, muita qualidade mesmo. Destaco André Gomes e como dizia o Blessing Lumueno ontem na RTP, " se o André Gomes não tiver oportunidades no Benfica num futuro próximo então fechem a escola de GR do Seixal" Claramente 😅 Que GR !!
Foi chocolate em Genebra 🍫
Abraço
João Lopes, há mais vida para lá do Fcp. E nem tudo o que acontece no mundo tem a ver com o seu clube. Não sei, sei lá, se calhar um bocadinho de cinema lhe fizesse bem. Que tal Manoel de Oliveira, nascido na Cedofeita. Ou um bom livro. Talvez O Crime Capital, já que o Crime no Estádio será forte de mais para a sua sensibilidade azul. Acho que ia gostar do Jaime Ramos.