Franco, Salazar e os Belenenses
O Benfica ganhou a Liga, o Sporting impôs-se no campeonato de Portugal. Mas o que ficou do ano antes da reforma do futebol foi a recusa de três belenenses fazerem a saudação fascista na seleção.
Ao quarto campeonato “das Ligas”, o último antes da reforma que, no Outono de 1938, clarificou a hierarquização do futebol português, com a criação do Nacional da I Divisão e a transformação do Campeonato de Portugal em Taça de Portugal, o Benfica levou o terceiro troféu. Lipo Herczka, o treinador húngaro que já vencera a Liga anterior, manteve a base da equipa que fez tricampeã às custas de um setor defensivo e de um meio-campo sólidos e das proezas atléticas de Espírito Santo, um avançado-centro chegado de Angola, que aos 18 anos já despertava paixões e fazia olvidar o cerebral cabeceador Vítor Silva. Respondeu o Sporting com a conquista do pentacampeonato de Lisboa, a vitória na final do Campeonato de Portugal e a introdução no seu ataque de um jogador que marcaria a década seguinte: Peyroteo, outro jovem angolano, autor de 43 golos em 20 jogos que fez entre a Liga e a prova a eliminar – e de mais onze em dez partidas no regional lisboeta. O FC Porto vivia uma época conturbada, marcada por indisciplina, goleadas encaixadas em Lisboa e por uma necessidade urgente de reorganização, a partir do momento em que o seu treinador, o austríaco Gutkas, se deixou levar pelas preocupações do Anschluss nazi. E a prova de que a realidade geopolítica interferia no nosso futebol encontra-se ainda no facto de a seleção ter aproveitado a supremacia que os nacionalistas começavam a fazer vingar na Guerra Civil espanhola para voltar a jogar. A celebração do fascismo, feita em Janeiro de 1938, nas Salésias, com a participação da Falange Espanhola e da Legião Portuguesa, só não contava mesmo com a recusa dos internacionais belenenses, que ali no momento de saudarem a tribuna deixaram bem claro que o futebol não estava para se alinhar com políticas.
A seleção não jogara durante toda a temporada de 1936/37, porque não podia passar-se em segurança por um território espanhol assolado pela guerra. Voltou a fazê-lo em Novembro de 1937, defrontando em Vigo precisamente uma equipa da metade franquista de Espanha. O jogo andava a ser combinado há muito, que embora Madrid ainda resistisse, os nacionalistas estavam a empurrar as tropas fiéis ao governo de esquerda cada vez mais para o seu último reduto catalão. A 11 de Novembro, face à existência de duas federações espanholas, ambas reclamando legitimidade para representar a nação, o Comité Executivo da FIFA foi claro: o jogo era autorizado, mas não lhe seria reconhecida a “designação de encontro internacional”. Por muito que o tema tenha sido mais tarde levantado pela FPF, que pugnou pela inclusão do resultado nos registos da sua equipa mais representativa, nunca isso foi uma possibilidade. De qualquer modo, Portugal queria estar na fase final do Mundial de 1938, que ia realizar-se no final da Primavera seguinte em França, e tinha de se preparar para a qualificação, que seria jogada com a Suíça. Por isso, mas também porque havia afinidades políticas entre o governo de Salazar e o dos nacionalistas, foram combinados dois jogos, um em Vigo e outro em Lisboa. Para o desafio de Vigo venderam-se excursões de três dias, com tudo incluído, a 120 escudos para quem fosse de autocarro, 290 ou 350 escudos de comboio, consoante se viajasse em segunda ou em primeira classe. Os espanhóis juntaram uma equipa sem vários jogadores que eram importantes, acima de todos o guarda-redes Zamora, e com muitos outros privados de competição há muito. Alguns abandonaram mesmo as trincheiras dias antes, para poderem jogar a partida.