A gestão do leão
O jogo com o Sturm só não foi perda de tempo porque permitiu manter o ritmo entre os mais utilizados e rodar os menos vistos. Mas adensou incertezas acerca do rendimento de alguns jogadores.
Foi curiosa a gestão de jogo feita por Rúben Amorim, ontem, contra uma equipa do Sturm Graz que diz muito do nível do atual futebol austríaco: estavam a levar três de um Sporting que nunca teve mais do que cinco titulares em campo em simultâneo e a baixar para fechar a baliza de Scherpen, porque no outro jogo o Rakow também estava a apanhar da Atalanta e a UEFA iria premiar aquele que apanhasse menos com uma vaga na Liga Conferência. O jogo foi o mais próximo que podia haver de pura perda de tempo – a primeira parte, então, chegou a ser exasperante, tão pouco foi o futebol mostrado pelos dois lados –, mas para o Sporting terá servido para dar minutos a quem tem jogado menos, testar alternativas menos vistas e até confirmar certezas preocupantes. Se Israel não chegou sequer a ser posto à prova, pelo que continuamos a não saber se está ali uma hipótese credível para render Adán, se a passagem de Essugo pela ala direita deixou boas sensações mas não deve repetir-se tão depressa e a de Pedro Gonçalves a extremo-esquerdo, em 4x2x4, será mesmo só para usar contra adversários que abdiquem de atacar e para igualar a pressão face a quem faz saída a quatro, pôde ver-se que Esgaio continua num nível baixo, pela constante perda de passes em início de manobra ofensiva, que Neto não dá garantias em construção e, sobretudo, que Trincão se afunda cada vez mais no turbilhão de incertezas em que transformou a sua carreira. O futebol miudinho, muitas vezes centrado no seu próprio mundo, do internacional que o Sporting resgatou ao FC Barcelona, começa a ser um problema, até por contrastar cada vez mais com os sprints feitos de potência e de ataque a espaços largos de Fatawu no Leicester City. As redes sociais estão a encher-se de adeptos que partilham as imagens do ganês, convencidos de que acima dele, no futebol atual, não haverá muita gente, mas ainda que o futuro possa vir a dar-lhes razão – e isso ainda está longe de acontecer – creio que a decisão tomada, com os dados que havia, foi a correta. Se Fatawu tivesse ficado no Sporting jogava em vez de Edwards? Não me parece. Ainda ontem, jogando meio tempo em ritmo de passeio, o inglês voltou a confirmar que é o talento mais diferenciado da equipa. Jogava em vez de Catamo? Talvez, se ele quisesse baixar no campo, mas isso equivaleria a dizer que não se teria revelado o moçambicano. Fatawu seria um bom suplente de Edwards, podendo mexer com alguns jogos? Hoje percebe-se que sim. Mas ficar com ele, recusar a proposta de empréstimo com cláusula de compra de 17 milhões de euros, oito milhões e meio por metade do passe que custara dois milhões, equivaleria a deitar ao lixo os dez milhões pagos por metade do passe de Trincão, que assim teria de dividir com o ganês o estatuto de suplente do avançado-direito e teria ainda menos oportunidades para justificar o investimento. Pode gerir-se uma equipa de futebol de acordo com esta ideia quase contabilística? É obrigatório, ainda que não prioritário. A gestão de uma equipa não se faz só de folhas de Excel com orçamentos nem apenas de dados recolhidos pelos GPS para saber quem precisa de minutos e a quem é aconselhado repouso. Faz-se da soma das duas vertentes. Fazer uma equipa de futebol não é só acumular talento: é gerir esse talento de modo a que lhe sejam dadas ocasiões para se expressar. Fazer uma equipa de futebol num mercado como o português, que depende de mais-valias em transferências, envolve por um lado a capacidade para potenciar talentos e por outro a de gerir a escassez, porque a abundância nunca permitirá a revelação de novos craques. Pelo caminho, cometem-se erros. E cabe a Trincão encontrar o talento que anda escondido dentro dele para nos convencer a todos de que a sua contratação não foi um erro. O jogo de ontem complicou-lhe a tarefa.
O Mundial de clubes. FC Porto e Benfica estão mesmo seguros no Mundial de clubes de 2025. Ontem, no Futebol de Verdade, levei-vos ao engano – e por isso peço desculpas. O ritmo a que as coisas funcionam aqui é acelerado e entre a pergunta, deixada pelo Bruno Silva no meu servidor de Discord, e a resposta que lhe dei no programa não tive tempo para fazer mais do que ler alguns artigos online. Em nenhum desses artigos vi a explicação oficial dos critérios que levarão à escolha dos 12 europeus que vão jogar o primeiro Mundial com 32 equipas, o que se deveu a uma razão muito simples: ela ainda não existe. Segui o caminho oficioso que me pareceu fazer mais sentido entre os três que havia apontados pelas diversas fontes que consultei. Só ao final da tarde consegui falar com gente da FIFA, de onde me disseram que os critérios serão anunciados no dia 17 (é no domingo) – e não, não serão aqueles que eu assumi como válidos. É estranho que os critérios de apuramento para uma prova tão importante como um Mundial sejam definidos com o período de qualificação em andamento. É um pouco como a Liga Portuguesa dizer apenas que vai apurar duas equipas para a Liga dos Campeões “por critérios desportivos”, mas reservar o direito a revelar que critérios são esses só lá mais para a frente – e podiam ser o total de pontos, o maior número de golos marcados, o menor total de golos sofridos... Tudo caberia no chapéu dos “critérios desportivos” e permitiria ao organizador escolher os clubes que lhe dessem mais jeito. Era esta componente interesseira que eu temia e é para evitar essas suspeitas que tudo será clarificado já no domingo. O que se passou foi que o processo teve de ser negociado entre a FIFA e a ECA, a Associação Europeia de Clubes, tendo-se decidido que o Mundial de 2025, o primeiro no novo formato, vai ter um modelo de qualificação diferente dos que se seguirão. Para este primeiro Mundial, sabendo-se que não haverá mais de duas equipas por nacionalidade a não ser que sejam campeãs da Europa, apuram-se os quatro vencedores da Champions (de 2021 a 2024) e as oito melhores equipas num ranking que eu assumi ser o ranking da UEFA... mas não é. Serão adotados só os pontos ganhos na Liga dos Campeões – e não na globalidade das competições europeias. E isso deixa a certeza de haver dois clubes portugueses no contingente europeu, que terá os vencedores das quatro Champions – Chelsea, Real Madrid, Manchester City e quem ganhar em 2024 – bem como as oito melhores equipas nesse ranking, descontando outros ingleses e o terceiro espanhol. Seguros no Mundial estão, assim, o Bayern, o Inter, o Paris Saint-Germain, o FC Porto, o Benfica e a Juventus. RB Leipzig e Borussia Dortmund lutarão ainda pela segunda vaga alemã, Atlético Madrid e FC Barcelona pela segunda vaga espanhola. Se o campeão da Europa for um dos que já ganhou nos últimos três anos, entra o RB Salzburgo. Se for a Lazio ou o SSC Nápoles, salta fora a Juventus. Se for a Real Sociedad caem Atlético Madrid e Barça. Vai ser oficial no domingo.
Um insulto a Messi. A nomeação de Leo Messi entre os três finalistas para o Prémio The Best, a distinção para o melhor jogador do Mundo para a FIFA no período entre 19 de Dezembro de 2022 – o dia a seguir à final do Mundial – e 20 de Agosto de 2023, começa por ser um insulto a Christophe Galtier e à generalidade do plantel do Paris Saint-Germain. Os parisienses tinham no grupo dois dos três melhores jogadores do Mundo – o outro era Mbappé – e mesmo assim fracassaram na Liga dos Campeões e só foram campeões franceses por um ponto, à frente de um RC Lens que, na melhor das hipóteses, contaria com alguns dos melhores jogadores que iam com regularidade passear e fazer compras à Bélgica, que ainda havia os do Lille OSC para competir com eles nessa categoria. Mas é, sobretudo, um insulto a Messi, ao Messi que tem lá em casa uma série de distinções destas, ganhas quando ainda estava um patamar acima dos demais. Creio que Messi não vai ganhar, que quem subirá ao palco será Haaland – e sobre isso escreverei se e quando se verificar – mas por muito que esta escolha possa apontar outro caminho, o do fair-play de Messi, que ao contrário de outros não se importará de abrilhantar a cerimónia sem levar o prémio para casa, é importante que se diga que ela não faz sentido. Messi é um dos maiores de sempre. No auge, não terá havido cinco tipos melhores de que ele na história do futebol. Eu, assim de repente, só me lembro de dois, Pelé e Maradona. Mas ele já não está lá e por isso mesmo foi gozar a vida para Miami, à procura de um contexto mais simpático para continuar a competir. Se a ideia é mantê-lo preservado em formol por razões de marketing, mais vale avisarem desde já, que se passa a cerimónia para o History Channel.
Potter e as casas de malucos. Graham Potter é um tipo extraordinário. Vale a pena conhecer a história do trabalho que fez no Ostersunds FK, na Suécia, onde passou oito anos antes de ir treinar o Brighton & Hove Albion – com uma curta passagem pelo Swansea City pelo meio. Em Setembro de 2022, quando Todd Boehly decidiu que estava farto da tendência conflituosa e da personalidade assim a puxar para o sonso de Thomas Tuchel, foi contratado para comandar o Chelsea dos milhões. Fracassou e, depois de um mercado de Janeiro que mais parecia o Grande Bazar, em Abril já estava despedido. Agora, quando parece que a única coisa que falta ao Manchester United para despedir Erik Ten Hag é haver alguém com poder para tomar a decisão – os Glazer já não mandam, Radcliffe ainda não entrou – é dado como uma das mais sérias possibilidades para entrar em Old Trafford. Uma vez pode ter sido azar ou deslumbramento. Mas ir duas vezes seguidas trabalhar para casas de malucos já será seguramente uma tendência. Se virem este homem, avisem por favor as autoridades...
Excelente texto. Faltou ali o nome do Tuchel, mas pelos adjetivos usados dá bem para chegar lá 🙂