Mostra o que fazes mal
O apuramento do Benfica partiu da exploração da incapacidade do Rangers para saber o que fazer à bola. A eliminação do Sporting da identificação pelo adversário das zonas mais frágeis para pressionar.
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Quando olhamos para os jogos do Benfica e do Sporting, ontem, é inevitável que olhemos para momentos, para a capacidade que os vencedores tiveram de os explorar. O contra-ataque com o qual o Benfica meteu a aceleração de Rafa na cara de Butland para resolver a passagem aos quartos-de-final ou o cruzamento de Ederson que ninguém desfez até chegar a Lookman, do outro lado, aos 35 segundos da segunda parte, tirando ao Sporting a possibilidade de jogar com a vantagem na eliminatória, foram isso mesmo: momentos. Mas são também a realidade das duas equipas. O que os vencedores de ontem fizeram para seguir em frente foi forçar que as incapacidades dos derrotados viessem à tona. Benfica e Atalanta entraram em campo e logo disseram algo como: “Ora mostra lá o que é que fazes mal!” Toda a gente sabia que este Benfica é uma equipa que cresce com o espaço nas costas da última linha adversária – e o segredo do apuramento de ontem foi esse mesmo, manter a solidariedade posicional atrás e entregar a bola aos escoceses, para que eles próprios percebessem que não sabiam assim tão bem o que fazer com ela. O Benfica deu a ideia de que estava a permitir que o jogo entrasse na dimensão física que conviria ao Rangers, com mais bolas longas, mais cruzamentos, mas o que ficou à vista de todos aí foi a demonstração de total incapacidade da equipa de Philippe Clement para criar o que quer que fosse que não implicasse manter a bola no ar. Podia ter corrido mal? Podia. Mas não era fácil, tendo em conta a diferença abismal na qualidade dos executantes que vestiam as duas cores. E, no final, o que o golo de Rafa fez foi esfregar na cara dos homens do Rangers que não valia sequer a pena continuarem – ou foi física a razão da “desistência” que eles patentearam na última meia-hora, em que já nem pelo ar chegaram à área de Trubin? Física, quando são eles que estão mais habituados a estes ritmos alucinantes? Não creio. Ali, nesse momento do golo – um momento que até podia ter chegado na primeira parte –, o que se viu foi uma equipa do Rangers consciente de que aquilo que tinha de fazer para reentrar na eliminatória era precisamente o que fazia pior: chocar de frente com um bloco, sem capacidade para o iludir. E também já se sabia que este Sporting sofre golos em jogos que aparenta ter controlados, como o que encaixou logo a abrir a segunda parte da partida com a Atalanta à conta de uma sucessão de erros que vai muito para lá de um caso de desconcentração: há o espaço dado a Ederson para cruzar, o posicionamento de Diomande, demasiado afastado de Inácio para desfazer o lance, o corte falhado de Saint Juste em frente à baliza e a falta de agressividade de Esgaio, que se deixou antecipar por Lookman no segundo poste, tudo de enfiada, mas antes disso há a perda da bola na sequência do lançamento lateral, por encolhimento face ao adversário. Por mais importante que esse golo tenha sido – e foi – não é só com essa sucessão de erros que se explica a derrota leonina. A não ser quando esteve em desvantagem na eliminatória – e daí a importância desse golo –, a Atalanta nunca quis ir ganhar a bola na saída, porque se o fizesse se expunha à capacidade dos dois médios leoninos para receber orientado e gerar desequilíbrios mais à frente. Não. Aí, Gasperini estaria a convidar o Sporting a fazer aquilo que faz bem e o mais certo seria levar mais um golo. O que ele fez foi dizer ao Sporting aquilo que Schmidt tinha dito ao Rangers: “Ora mostra lá o que é que fazes mal!” E o que o Sporting fez mal, ontem, foi encolher-se na dimensão física sempre que a bola vinha da linha de trás e não entrava nos dois médios, nos alas nem em Gyökeres, mas sim nos dois atacantes que colocava entrelinhas, incapazes de dar seguimento se recebiam de costas para a baliza adversária. Trincão e Edwards perdiam duelos por falta de comparência sempre que contra eles vinha um rival mais assanhado e criavam ali o ambiente necessário à abertura de espaços em transição dentro do bloco leonino. Foi aí que os leões perderam o jogo.
Leonardo e Edwards. Que Marcos Leonardo e Edwards são dois jovens talentosos, ninguém tem dúvidas. Que ontem estiveram muito abaixo dos mínimos é também evidente. A questão começa por ser física, pela forma como recorrentemente se deixam cair sempre que a eles se chega um duelo mais impactante, do qual não conseguem fugir com uma simulação, com o ato puro e simples de esconder a bola. Mas é também mental, de falta de vontade de engolir o jogo em vez de se deixarem engolir por ele. É aquilo a que a minha avó chamava “espertina”, sempre que me via mais ativo logo de manhã. Marcos Leonardo saiu ao intervalo do jogo de Glasgow porque os seus tempos de reação até nos momentos em que a equipa tinha a bola eram demasiado longos. Quando ele se fazia à bola já ela lá não estava. Foi o que se viu na forma como tentou – tarde – desviar um remate torto de Di María ou como não chegou sequer a um passe feito pelo argentino, forçando Rafa a finalizar de uma posição menos favorável. Edwards ficou em campo por 90 minutos, provavelmente porque sem Pedro Gonçalves e com Trincão também em défice, Amorim terá pensado que ele era o menos castigado dos da frente e que então mais valia espremê-lo até ao fim. Ainda teve nos pés um par de situações que podiam tê-lo transformado em herói, mas o que ele traz de Bergamo é mesmo a necessidade de começar a olhar para os jogos com outra proatividade se quer cumprir os desígnios que o seu talento promete.
E agora o sorteio. Há nos sete adversários possíveis para o Benfica no sorteio dos quartos-de-final da Liga Europa (hoje ao meio-dia) dois que são praticamente intransponíveis, um terceiro que convinha evitar e quatro com os quais será perfeitamente possível dividir a eliminatória. O Liverpool FC e o Leverkusen, pelos jogadores que têm mas também pelo que jogam, são os adversários a evitar. O Milan tem talento de sobra para jogar mais do que tem feito na Serie A. Mesmo os outros quatro, poderia separá-los entre dois mais chatos, que são a Atalanta e a sua dimensão físico-estratégica e uma AS Roma ofensivamente renascida com a entrada de De Rossi, e dois mais acessíveis, que são o West Ham e o Olympique Marselha, curiosamente duas equipas em crescendo nesta fase da época. Os londrinos recuperaram da crise de Janeiro e Fevereiro quando Paquetá e Antonio voltaram de lesão. Os franceses recuperaram a crença com a troca de Gennaro Gattuso por Jean-Louis Gasset, o ex-selecionador da Costa do Marfim que ganhou os primeiros cinco jogos no cargo e perdeu ontem em Villarreal a gerir os 4-0 da primeira mão. Já não há ali equipas fáceis, mas continua a haver umas mais difíceis do que as outras.
Equipas de treinador. Resumir o Liverpool FC ou o Leverkusen ao poder financeiro que lhes permite sacar ao Benfica craques com Darwin ou Grimaldo seria um erro. Em Anfield Road mora uma equipa a viver um momento único, de despedida a Jürgen Klopp, um treinador com o qual fez uma simbiose próxima da perfeição ainda ontem à vista na forma como, mesmo a rodar e com quatro golos de vantagem trazidos da primeira mão, meteu o pé no acelerador e marcou mais quatro a um impotente Slavia Praga nos primeiros 14 minutos. Do Leverkusen, já muito se disse e se escreveu acerca da forma como joga (e até fiz um Report sobre o futebol do agora provável campeão da Alemanha), mas aquilo que a eliminatória com o Qarabag FK mostrou foram dois aspetos suplementares. Primeiro, a crença no processo, que levou a equipa a não desesperar nem sequer quando, já em período de compensação, estava ainda em desvantagem. Depois, a forma como Xabi Alonso mantém ligados até os jogadores que são menos relevantes. Patrick Schick, suplente de Boniface enquanto este esteve apto, fez os dois golos, aos 90+3’ e aos 90+8’ que permitiram, primeiro, manter a invencibilidade desta época (são 32 vitórias e cinco empates a pouco mais de dois meses do fim da época) e, depois, evitar o prolongamento, que mesmo contra dez mais não seria do que o dispêndio de energia que começa a fazer falta.