Da crise à oportunidade
O Benfica tem desenhado à sua frente um trilho perfeito para voltar ao caminho certo. Aqui se fala de tática, de estratégia, mas também de verificação de factos e de auto-ajuda. Porque tudo conta.
Palavras: 1138. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
Não é nada habitual, mas desde que a Clara Osório me perguntou, ontem à noite, na RTP3, se a vitória (3-0) do Benfica sobre o SC Braga, na segunda meia-final da Taça da Liga, até pela forma concludente como foi construída, podia equivaler a “um ponto final na instabilidade” que a equipa vinha revelando nos últimos desafios, fiquei cheio de vontade de me transformar num daqueles ‘coaches’ de auto-ajuda especializados em palestras motivacionais e de utilizar aquele cliché que diz algo como que, em chinês, a palavra ‘crise’ é a mesma que se usa para dizer ‘oportunidade’. Depois, porém, ainda que isso esteja a cair cada vez mais em desuso, fui fazer a verificação dos factos e percebi que esse é um raciocínio abusivo, porque ‘crise’ diz-se ‘wei-chi’ e ‘oportunidade’ diz-se ‘chi-hui’, o que é parecido, tem sons comuns, mas não é de todo a mesma coisa. Ainda assim, há na atualidade do Benfica um trilho perfeito, desenhado por causalidade para permitir que a equipa reentre no caminho certo para atingir os objetivos a que se propõe. Depois de perder sucessivamente com Sporting e SC Braga na Liga, apanha por ordem inversa com SC Braga e Sporting na Taça da Liga. A oportunidade está lá e, há que dizê-lo, as indicações de ontem foram boas no que respeita à saída da crise.
É claro que nem a vitória na Taça da Liga deixará o Benfica mais perto de Sporting e FC Porto na tabela do campeonato, que no domingo chegará a meio caminho, com a conclusão do jogo dos dragões com o Nacional, na Choupana. Mesmo que erga o troféu, a equipa continuará a três pontos dos leões e a dois, três ou cinco dos dragões, consoante o resultado que estes tragam da Madeira no dia seguinte. Mas um eventual sucesso no sábado exorcizaria desde já os fantasmas que as duas derrotas nas duas últimas rondas acordaram com estrondo. E, como bem disse Bruno Lage depois do jogo de ontem, para o fazer, o Benfica precisa “de aprender” com o que fez mal. Embora, tal como na história das palavras chinesas, isso nos leve também para duas dimensões, a que o Benfica controla e a que é controlada pelos adversários. “A ideia era entramos em jogo e o adversário [o SC Braga] sentir que estava a jogar a segunda parte do Estádio da Luz e esse é o mote para a final: entrar em campo e o Sporting sentir que está a jogar contra nós na segunda parte do Estádio de Alvalade”, explicou Lage na conferência de imprensa de ontem. Como discurso de motivação faz sentido, mas na adesão à realidade tem algumas falhas. A começar pelo facto de a afirmação plena do Benfica no jogo de ontem se ter baseado sobretudo numa forma de fazer as coisas muito diferente da que utilizara nessas duas segundas partes, em que tinha sido territorialmente dominador mas criara pouquíssimas situações de golo.
O discurso de Lage remete-nos muito mais para o que os adversários possam sentir, é certo. Não se sabe como o Sporting vai encarar o jogo de sábado, nem tática nem estrategicamente, e é verdade que o maior erro de Carlos Carvalhal na partida de ontem foi ter ficado tão iludido com a artilharia de pólvora seca com que o Benfica o bombardeara na segunda parte da Luz (15 remates, com um índice de golos esperados total de 0,69, o que dá uma probabilidade média de golo por cada um de quatro por cento), que tentou repetir a ideia e deixou a equipa muito atrás. Foi um erro. Porque o Benfica foi diferente – e isso viu-se, entre outras coisas, nas suas finalizações. Na primeira parte de ontem, os encarnados remataram dez vezes, para um xG total de 1,53, o que dá uma probabilidade média de golo de 15 por cento por cada tiro. O SC Braga não mudou, manteve o 5x4x1 defensivo, em bloco baixo, as tentativas de trazer Bruma para o corredor central em momentos de transição atacante, mas o Benfica estava bem diferente, a começar pelo facto de nessa zona definida como “a explorar” pelo mais perigoso dos atacantes adversários, ter passado a ter Florentino e não Kökçü. Lage replicou o estado de espírito da segunda parte do jogo da Luz, mas não os processos, que mudou com as três alterações que fez no onze.
Com António Silva em vez de Bah, desviando Tomás Araújo para a lateral-direita – e devo dizer que tinha muitas dúvidas acerca desta, mas que o treinador viu bem... – libertou Carreras das tarefas de início de construção, soltando-o para explorar o lado esquerdo. Não só o espanhol foi um importante acrescento mais à frente, como o central português ontem convertido em lateral teve ainda a energia para se associar a Di María e construir lances como o do golo de abertura. Depois, com Florentino em vez de Barreiro – e, sobretudo, com ele mais atrás – conseguiu obstruir os caminhos de Bruma e soltar o turco para criar. É verdade que Kökçü ainda baixava bastante em momento ofensivo, para presidir à construção, mas fazia-o com à-vontade, sabendo que tinha as costas protegidas. E aqui está a contradição com a intenção de no sábado repetir a segunda parte de Alvalade (dez remates, para um xG total de 0,60, o que equivale a uma probabilidade média de êxito de seis por cento por cada um). É que a segunda parte de Alvalade jogou-se com Kökçü atrás de Aursnes e Barreiro, na tentativa – aliás, bem-sucedida na altura – de ver estes dois diminuir a influência de Hjulmand e Morita com bola. Só que o que isso fez também foi secar a criação encarnada. Por fim, com Schjelderup em vez de Akturcoglu, o Benfica ganhou capacidade de definição em espaços curtos aquilo que perde na relação com o golo. O norueguês foi importante na criação de desequilíbrios na esquerda a um ponto que o turco nunca será e certamente beneficiará de mais continuidade. O que isto tudo somado quer dizer é que ao Benfica se apresenta aqui uma oportunidade de ouro para meter, não um ponto final, mas um ponto e vírgula na instabilidade, mas que para o conseguir tem, sim, que apreender com o que fez mal e não prolongar duas segundas partes que não foram, nem de perto nem de longe, como Lage quer fazer-nos crer quando, também ele, resolve aproveitar a chance para se transformar em coach de auto-ajuda.
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