Há aí boas equipas
Não vai ser assunto no meio do ruído, mas esta jornada mostrou que há boas equipas na metade inferior da Liga Portuguesa. O FC Vizela e o Gil Vicente são disso excelente exemplo.
Há vida na Liga Portuguesa além dos grandes. Foi isso que nos mostraram duas belíssimas equipas, uma, a do FC Vizela, a criar muitas dificuldades ao Benfica antes de sucumbir em casa por 2-0, a outra, a do Gil Vicente, a ganhar ao FC Porto no Dragão por 2-1, é verdade que com meio jogo contra nove, mas a encostar o campeão nacional às cordas antes disso – aliás, até o fez melhor antes disso, que depois pareceu algo entorpecida com aquela que era uma situação nova e inesperada. “Como assim, temos dois a mais? E agora o que fazemos?” E, no entanto, FC Vizela e Gil Vicente estão na metade inferior da tabela, com 26 pontos, quatro a mais que o Estoril, que hoje visita o Sporting em Alvalade e é o primeiro emblema acima da linha de água. Mas muito bem tinha de andar a Liga para que equipas como este FC Vizela de Manuel Tulipa ou este Gil Vicente de Daniel Sousa descessem. Porque tanto um como o outro fizeram o fundamental quando entraram nos clubes: mantiveram a identidade, aquilo que estava a ser bem feito por Álvaro Pacheco e Ricardo Soares. Isso foi bastante mais difícil no caso do Gil Vicente, que perdeu muitos jogadores da equipa que empatara (1-1) no Dragão faz precisamente hoje um ano, reduzida a dez homens desde os 3’. Desta vez foi o FC Porto que ficou no lado errado da folha disciplinar, perdendo João Mário aos 35’ e Uribe aos 52’, mas o jogo foi muito semelhante. No Gil Vicente que ontem fez história no Dragão restavam somente sete dos quinze homens que ali tinham empatado em 2022, mas estava lá a mesma capacidade para jogar apoiado e atrair o adversário ao corredor central antes de o surpreender nas alas, sobretudo através de Murilo, um quebra-cabeças para o elo mais fraco dos dragões, que foi Wendell, ainda por cima privado do tampão em que, apesar de tudo, se transformou Galeno. O FC Vizela que fez por merecer um melhor resultado frente ao Benfica teve também muito da equipa que, na primeira volta, só perdeu com os três grandes com golos no período de compensação. Lá estavam a mesma solidez nascida da junção das linhas no momento defensivo e a mesma contundência, tanto no ataque furioso de Osmajic à profundidade como na habilidade de Kiko Bondoso e Nuno Moreira para alternarem a busca das entrelinhas com a procura do espaço nas costas dos laterais. Convencionou-se em Portugal que a análise aos jogos em que os três grandes não ganham tem de ser feita a partir deles – e às vezes é assim mesmo. Mas nem sempre o facto de terem muito mais meios lhes permite serem melhores. Neste fim-de-semana, o Benfica não foi melhor do que o FC Vizela e o FC Porto não foi melhor do que o Gil Vicente. E, mais do que por erros próprios, isso ficou a dever-se muito a virtudes alheias.
Liga fechada? Nem por sombras. A verdade é que, feitas as contas, o Benfica ganhou e o FC Porto perdeu. A distância entre ambos aumentou assim para os oito pontos. Ficou fechada a Liga? Não me parece. Primeiro, porque há SC Braga – o dérbi do Minho, hoje, em Guimarães, ganhou todo um novo significado, porque pode permitir aos arsenalistas chegarem ao segundo lugar. Depois porque, sendo verdade que é da capacidade para ganhar jogos em que não se é melhor que se fazem os campeões, ainda há doze jornadas por disputar e um Benfica-FC Porto na Luz que, em Abril, em vésperas do arranque dos quartos-de-final da Champions, poderá, ele sim, ser definitivo. Roger Schmidt disse antes da partida de Vizela que ao Benfica faltavam 13 jogos para poder ser campeão. Agora faltam doze. E o maior erro do Benfica poderá ser o menosprezo de um adversário que já deu em diversas ocasiões mostra de que é capaz de se reerguer quando menos se espera. Esse é o lado bom do caráter sempre combativo do perfil portista.
Porque não dançar? Houve quem não gostasse de ver Erik Ten Hag dançar com os jogadores do Manchester United depois de ganhar a final da Taça da Liga ao Newcastle United, por 2-0. “Ah, é só uma Taça da Liga, um troféu menor”, dizem aqueles que entendem que festejar uma conquista tão irrelevante é diminuir a dimensão de um clube que é gigantesco. Mas faz em Maio seis anos, desde um certo José Mourinho, que o United não ganhava rigorosamente nada. Nessa época, garantiu a Taça da Liga e a Liga Europa. O desprezo pela competição, a menos importante de todas as que foram disputadas pelo clube esta temporada, Ten Hag simulou-o depois, ao esquecer a taça na mesa em que deu a conferência de imprensa, só para voltar atrás, num sprint que teve o seu quê de encenado, a dizer “Até podia deixá-la aqui, que esta já contou”. Porque o que contou, de facto, foi a vitória em campo, a demonstração de que o trilho encetado no início da época estava correto. Um golo de Casemiro, a adição de peso que Ten Hag fez ao meio-campo, e outro de Rashford, o ponta-de-lança que é muito mais do que um improviso, chegaram para uma equipa que também está a fazer o seu caminho e onde Saint-Maximin ainda foi capaz de tirar o melhor de David de Gea, depois de deixar Dalot atordoado com uma finta espantosa de rapidez de execução. Mas atenção a este Manchester United, que vai voltar a fazer falar muito dele e das suas conquistas.
Voltaram os patrões. Escrevi no sábado acerca do milagre que está a ser a época do Union Berlin, provavelmente mesmo a tempo, antes do regresso à normalidade na Bundesliga. Três golos em 15 minutos chegaram ao Bayern para arrumar os desafiantes e assinalar o regresso dos patrões a casa. Também ontem, mas mais tarde, foi a vez do Paris Saint-Germain, na visita a Marselha. Venceu pelos mesmos 3-0, com Messi e Mbappé a desfazerem a defesa de uma equipa do Olympique que, face aos sucessivos soluços do líder, chegou a achar que podia imitar as proezas recentes de AS Mónaco e Lille OSC e ganhar a Liga francesa. Está cada vez mais difícil. Os patrões podem até andar entretidos com outras vidas, nomeadamente com a Liga dos Campeões, mas no dia em que resolvem ir a casa, têm geralmente o poder de acabar com as discussões. Isto ainda não acontece em Inglaterra, em Espanha ou em Itália? É verdade. Mesmo em Portugal, como vimos, há sempre possibilidade de orçamentos menores se oporem aos mais ricos? Sim, ela existe. Mas será cada vez mais rara. E continuo convencido de que o erro de Agnelli, Laporta e Florentino, os ideólogos da Superliga, não estava na ideia mas sim na forma de a executar. O ex-presidente da Juventus falou bem, sexta-feira, ao De Telegraaf. “Se o futebol continuar tão previsível, as pessoas vão afastar-se cada vez mais dos estádios”, disse, antes de piscar o olho a eventuais apoiantes, alguns deles esquecidos no modelo original da competição que tentou lançar: “O sistema atual não dá hipóteses a equipas históricas, como o Anderlecht, o Celtic, o Benfica, o Panathinaikos ou o Estrela Vermelha”. E o maior problema não é esse, não é deixar sem hipóteses as equipas históricas, presumivelmente as que têm mais adeptos e, por isso, mais mercado. É deixar de fora quem não pode superar a barreira do dinheiro a não ser em casos muito pontuais.
Ao Benfica, não faltam agora foze jogos, mas sim dez.
Mesmo que o Braga hoje vença, fica a sete pontos!
O que dá, fois jogos para poder deitar fora.