Guerra, refugiados e uma revolução
A guerra na Europa conduziu Portugal ao isolamento, mas também à chegada ao nosso país de um grupo de refugiados que mudaram a face das competições. Três deles fizeram do FC Porto bicampeão.
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Em Setembro de 1939, ainda o futebol nacional recuperava da incerteza da época anterior e não tinham sequer começado os jogos de pré-época, Adolf Hitler invadiu a Polónia e lançou o Mundo todo numa guerra devastadora. Portugal ficou fora, protegido pela neutralidade, e o nosso campeonato não chegou sequer a parar, mas as consequências do conflito atingiram o futebol nacional de mais do que uma forma. Primeiro, apesar de ter sido a última equipa a deslocar-se a França antes de os tanques nazis terem contornado a linha Maginot, no final da Primavera de 1940, a seleção nacional abriu em Janeiro um período de isolamento que só podia combater jogando contra a Espanha. Mas o maior efeito da guerra no futebol português acabou por ser positivo, graças à chegada de talentos extraordinários que fugiram de França logo em 1939 e que não só mudaram o equilíbrio competitivo interno como todo o futebol que por cá se jogava. As incorporações do húngaro Andrasik e dos croatas Kordniya e Petrak transformaram a equipa do FC Porto num campeão nacional avassalador, com 17 vitórias em 18 jogos, algo que não se previa por altura do Natal. E a entrada dos argentinos Scopelli, Tarrio e Tellechea no Belenenses, o primeiro como treinador-jogador, tornou os azuis na primeira equipa nacional a adotar convictamente o WM que Herbert Chapman introduzira no Arsenal 15 anos antes e que viria a marcar o jogo no Mundo por mais um par de décadas.
Leia aqui o texto sobre 1938/39:
Dos três estrangeiros que transformaram o FC Porto, o último a chegar foi Bela Andrasik, um guarda-redes que à data era húngaro mas hoje seria eslovaco e que veio resolver de vez as dúvidas entre Rosado e Soares dos Reis nas balizas portistas. Não lhe permitiram logo que se inscrevesse, manobra que o FC Porto chegou a atribuir à vontade da Federação Portuguesa de Futebol impedir que ele pudesse jogar contra o Belenenses e o Benfica, em desafios que se apresentavam como as maiores dificuldades da altura para a liderança azul e branca, mas que na verdade teve que ver com o visto de turista que ele tinha no passaporte – algo que, em finais de Abril, após a derrota com o Sporting no Lumiar, a única cedida pelos dragões no campeonato, ainda lhe custou umas horas de detenção policial. Andrasik não teve, por isso, a influência de Slavko Kordniya, um avançado-centro que chegou do FC Sochaux por alturas do Natal e se estreou na primeira jornada do campeonato, com um hat-trick nos 11-0 ao Vitória FC. Kordniya fechou a época com 37 golos em 25 jogos, substituindo com vantagem Costuras, o melhor marcador da Liga anterior, que emigrara para o Ultramar. Não chegou, porém, a fixar raízes em Portugal, pois ao fim de mais um ano voltou à sua Croácia, chegando mesmo a jogar pela seleção axadrezada durante o período de controlo nazi, em 1942 e 1943. Quem por cá ficou foi Franjo Petrak, um extremo esquerdo que já tinha sido internacional jugoslavo e que chegava do Excelsior de Roubaix, também em França. Petrak estrou-se no último jogo do campeonato regional do Porto, a 24 de Dezembro de 1939, marcando o golo de um empate do FC Porto com o Boavista que redundou na perda do primeiro título regional desde 1918. Aliás, o terceiro lugar portista nesse regional, atrás do Leixões e do Académico do Porto, nem sequer teria valido a qualificação para o Nacional da I Divisão, não tivesse a FPF deliberado o alargamento de oito para dez participantes. Gerou-se durante muitos anos a narrativa de que o alargamento foi à medida para acomodar os então campeões nacionais e permitir-lhes que defendessem o título em campo, mas na verdade não foi assim. O FC Porto foi, até, o único clube a votar contra o alargamento – até porque, como veremos, de início a marosca não o beneficiava...