F80 (199): A primeira Liga do Benfica
Mais uma vez, em 1936, o futebol português dividiu as honras. O Benfica estreou-se como campeão da Liga, mas o Sporting ganhou o Campeonato de Portugal. E o FC Porto cometeu “hara-kiri" com Szabó.

A primeira edição da Liga, em 1935, foi um enorme sucesso. Fizeram-se contas e concluiu-se que, afinal, o sonho era possível. E, tendo em conta a emoção que a prova proporcionou, a Federação Portuguesa de Futebol meteu tanto afinco na repetição do seu novo campeonato por jornadas que foi ao ponto de, em início de 1936, chamar à sua sede representantes dos oito clubes que se apuraram para a segunda edição e de lhes dizer que, com exceção dos que iam ter desafios da seleção nacional, os domingos entre 12 de Janeiro e 3 de Maio estariam reservados para os “campeonatos das Ligas”. A segunda edição coroou o Benfica, que fez a festa a uma semana do fim, impondo a sua lei em mais um “derby” com o Sporting, mas os leões – que já tinham vencido o campeonato de Lisboa – vingaram-se depois com o sucesso no Campeonato de Portugal. Fora das decisões ficou o FC Porto, que era o campeão da Liga anterior, mas que acabou por esticar demasiado a corda com o seu treinador, o húngaro Josef Szabó.

A época de 1935/36 foi marcada por muitas novidades no futebol português. Uma delas foi a chegada de verdadeiros reforços do Brasil, muito em consequência da realidade geopolítica europeia. Jaguaré, Vianinha e Fernando vinham do Brasil para ir jogar em Itália, mas como os italianos tinham entrado em guerra com a Etiópia, por causa da Abissínia, no Outono de 1935, os três acharam muito mais prudente ficar a meio da viagem. E foram inscritos pelo Sporting, que viria a aproveitar sobretudo o pontapé forte e longo de Vianinha, um defesa-esquerdo que até era o menos cotado dos três mas que foi o único a impor-se verdadeiramente. Portugal estava à beira de se transformar num oásis para futebolistas-refugiados: isso já se notava na chegada de sucessivos internacionais das potências centro-europeias, muitos deles a fugir das ambições expansionistas dos regimes nacionalistas e anti-semitas que começavam a impor as suas leis, como a Alemanha de Hitler ou a Itália de Mussolini. Nesta época, por exemplo, o Sporting contratou Vilmos Possak, um internacional romeno que tinha jogado no poderoso Vasas de Budapeste e chegou a Lisboa para ser, ao mesmo tempo, jogador e treinador. E o sucesso de Possak no Campo Grande levou o FC Porto a tentar repetir o truque, chamando o húngaro Ferenc Magyar para a segunda metade da temporada.
Leia aqui sobre 1934/35:
Magyar, contudo, não teve nos azuis e brancos o mesmo efeito que tivera Possak. Nem em campo nem como treinador. Até porque o FC Porto chorava ainda – mesmo que sem o saber – a saída de Josef Szabó, o também húngaro que tinha comandado a equipa até à vitória na primeira edição da Liga. Szabó, cuja chegada a Portugal, em 1925, integrado na comitiva do Szombathely, já tinha sido referida neste texto, começara por se deixar seduzir pelo clima da Madeira e pela oferta de uma posição no Nacional, tendo-se ocupado depois do Marítimo. Já estava no FC Porto desde 1928 e tinha sido instrumental na construção da equipa que ganhara a Liga de 1935. Só que um processo disciplinar que lhe foi instaurado pela direção do clube na sequência de um conflito com um vice-presidente – que ele resolveu a soco, diga-se de passagem – levou-o a bater com a porta e a ir-se embora em Fevereiro de 1936, acabando a época no SC Braga, a jogar a II Liga. O húngaro voltaria a ter a possibilidade de entrar no FC Porto um ano depois, quando chegou a ser marcada uma Assembleia Geral para o readmitir – procedimento repetido 40 anos mais tarde com José Maria Pedroto – mas nessa altura foi o Sporting quem se antecipou, recrutando-o como líder no processo de construção da equipa que veio a ficar na história como dos “Cinco Violinos”. A esse tema, porém, voltarei em textos futuros. Para já estamos em 1935/36, ano em que o Benfica fez valer a estabilidade como arma para se impor como melhor equipa do futebol português: manteve Vítor Gonçalves como treinador, apostou praticamente no mesmo grupo de jogadores, somando-lhe apenas o guarda-redes Cândido Tavares (ex-Casa Pia), e acabou a Liga com apenas uma derrota, o que lhe valeu o primeiro de três títulos seguidos – os outros dois já foram ganhos com Lippo Herczka como treinador.