Então afinal não presta?
Fico abismado com o clima à volta de Roger Schmidt. Não por parte dos adeptos que há um ano o viam como um Eriksson reencarnado, mas dos responsáveis que já olham para ele como empecilho.
Ainda estamos em Outubro e o Benfica já perdeu tantas vezes esta época como nos dez meses da temporada anterior: quatro. O empate com o Casa Pia, no sábado, com estádio muito perto da enchente, foi a ocasião julgada ideal pelos caçadores de soundbytes. Uma câmara e um microfone à saída, à espera de gente frustrada pelo resultado, não podia senão gerar os vídeos virais que se viram depois, o do “Picanhas” e do “Cepo” ou o do adepto que dava dois milhões da sua fortuna pessoal para ajudar a juntar os 27 milhões de euros necessários para correr com o treinador. É normal, acontece em todo o lado. Anormal é que depois as notícias venham dar algum caráter de seriedade à intenção de boa parte dos dirigentes afastarem o treinador, que de acordo com algumas fontes estará dependente dos próximos resultados e terá no dérbi com o Sporting, no dia 12 de Novembro, depois de FC Arouca, GD Chaves e Real Sociedad, o teste do algodão. Então Roger Schmidt não era a oitava maravilha do Mundo, uma espécie de Eriksson reencarnado, que tinha vindo revolucionar o futebol português? Não, não era. Não acredito em homens providenciais e sempre fiz o possível para negar essa ideia. Schmidt é um dos mais credenciados representantes de uma escola que pode parecer contrastante com a do futebol que mais se joga em Portugal, a do Gegenpressing, mas que até é a preferida de gente como Sérgio Conceição, três vezes campeão nacional nos últimos seis anos. O alemão mostrou ser um treinador competente, mas nunca revolucionou coisa nenhuma, nem aqui nem na China – literalmente, porque também já lá trabalhou. Teve a inteligência de entender muito bem o contexto em que entrou e tomou uma série de decisões que, por mais duvidosas que nos parecessem a todos, foram boas. É disso exemplo a renitência que ele mostrou há um ano em promover a rotação do plantel, acabando por consolidar melhor um onze que lhe fez grande parte do sucesso. O Benfica de Schmidt jogava sempre da mesma maneira, saía sempre com quatro homens, era forte em contra-pressão, na reação à perda, em virtude da concentração de unidades no quadrante da bola enquanto atacava, metia muita gente no corredor central, a favorecer as ligações interiores, e com isso ganhou. Piorou depois de Janeiro, porque perdeu Enzo Fernández, o único médio total que aquele plantel tinha, e porque os adversários já iam entendendo melhor as forças e fraquezas daquele Benfica. Teve o mérito enorme de gerir bem os meios que lhe foram colocados à disposição, mas nem ele era uma espécie de Messias milagreiro quando ganhou nem é agora um aselha imprestável por causa de uma série de maus resultados, sobretudo na Liga dos Campeões – que na Liga interna está em cima do líder, com os mesmos pontos, ainda que com um jogo a mais. Tal como há um ano não achei que fossem só os méritos de Schmidt a justificar a transformação do Benfica perdedor das últimas temporadas num coletivo conquistador, agora também não creio que tenha sido o treinador a perder a mão. O que mudou foi o contexto. Então mas não tem este ano um plantel melhor? É discutível. Tem um plantel mais profundo, sim, mas o onze é pior. Não tem um médio total como Enzo, porque se a dupla formada por Florentino e Neves é curta ofensivamente, a composta por Kokçu e Neves é curta no trabalho defensivo. Não tem um lateral esquerdo capaz de adicionar criação desde trás como Grimaldo – e se se olha para Bernat e se vê um jogador com futebol mas sem pernas, olha-se para Jurasek e vê-se alguém que tem pernas mas não tem futebol. E não tem um ponta-de-lança como Gonçalo Ramos, ao mesmo tempo finalizador de área, elemento de ligação, primeiro atacante à profundidade e primeiro defesa após a perda. Ao mesmo tempo, passou a ter mais opções, o que o obriga a rodar mais o onze – há que gerir o grupo... – e pode retardar a consolidação de ideias, prova de que muitas vezes é mais fácil gerir a escassez do que a abundância. Este plantel do Benfica é diferente do da época passada, parece menos adaptável às ideias do treinador – e aí pode estar o grande erro, dele ou da estrutura. A indisponibilidade de Schmidt para mudar pode ser um problema, mas é muito bizarro que seja razão para pôr em causa a renovação feita há uns meses. Porque nem Schmidt era o Eriksson reencarnado nem agora é um Koeman ou um Quique Flores sem noção.
Ancelotti e outras coisas. Olha-se para a equipa do Real Madrid e não há como não ver os defeitos, como se olha para a equipa do Manchester United e eles estão lá, perfeitamente às claras, para todos avaliarmos. O que faz com que um se imponha quase do nada no El Clasico de Montjuic, depois de ter sido dominado pelo FC Barcelona, e o outro seja atropelado pelo City no dérbi de Manchester não é uma diferença de grandeza. É Bellingham, autor dos dois golos madridistas em Barcelona? Dá uma ajuda, sim. O médio inglês, 13 golos em 13 jogos pelos merengues, nove dos quais a valerem pontos, tem aquela intuição para estar no sítio certo na hora certa que não lhe valerá a Bola de Ouro na cerimónia de hoje à noite mas que muito provavelmente fará dele o jogador mais decisivo do atual futebol mundial e lhe abre portas à consagração futura. Só que também o United tem gente de qualidade, a começar por Bruno Fernandes, cujo inconformismo permanente e até um bocadinho irritante é apontado como razão para que Roy Keane, um histórico capitão em Old Trafford, defenda que é altura de lhe retirarem a braçadeira de capitão. “Está sempre a queixar-se, a abrir os braços. Isso não é comportamento de capitão”, disse o irlandês. Entende-se, parece que o português está a endereçar todas as responsabilidades do mau momento aos outros, sempre a por-se fora da equação. Mas depois aparecem-nos os vídeos com a flash-interview de Gundogan, acabado de chegar da metade ganhadora de Manchester ao sol de Barcelona, a apontar publicamente a falta de revolta no balneário do Barça como razão fundamental para que a equipa não cresça em momentos de perfil elevado. “Gostaria de ver mais raiva e desilusão. Tem de haver mais emoção quando se perde. Não vim para Barcelona para perder estes jogos”, comentou o médio alemão. Digo muitas vezes que o futebol não nos confronta com verdades absolutas, mas há uma coisa que funciona sempre, que é a transformação da experiência em capacidade para saber como enfrentar cada momento e escolher sempre a melhor solução. E lembro-me do Ancelotti sorridente e aos abraços com Xavi Hernández antes de começar o jogo e, depois, do Ancelotti absolutamente inexpressivo, que nem se dignou a virar a cara quando foi, dando as costas à situação, tirar Vinicius Júnior de um diálogo acalorado junto ao banco adversário. Ancelotti não é, nunca foi, um génio da tática, como é Guardiola, por exemplo, mas sabe muito de uma coisa bem mais importante: sabe de pessoas. E é por isso que muito provavelmente Bellingham nunca vai ter de acrescentar ao seu gigantesco manancial de soluções a raiva e a desilusão.
O molde Martínez. Li a entrevista de Roberto Martínez ao Record e vi a que ele concedeu à RTP e vou contar-vos uma coisa: na semana passada, acabei uma conversa com o jornalista Alexandre Santos, que ia conduzir a conversa transmitida ontem no Trio de Ataque, a dizer-lhe o que tinha a convicção de que Martínez ia responder às perguntas que ele ia fazer-lhe. Feita a entrevista, o Alexandre respondeu-me por mensagem: “Linha e bingo!” O selecionador nacional tem as prioridades bem definidas. Interessa-lhe gerir o grupo que está a formar e, depois, interessa-lhe fazer poucas ondas fora dele. É por isso que, ainda que só os 24 ou 26 do costume lhe mereçam a chamada, há três grupos que lhe arrancam sempre os mais rasgados elogios: os jogadores que ele vê como fatores de agregação interna, como Ronaldo ou Pepe; os jogadores que ele vê como catalisadores da simpatia popular, como João Neves; e os jogadores que estão à beira do grupo, que nunca são chamados, mas a quem também não regateia agrados no discurso, como Pote ou Bruma. Martínez também parece saber muito de pessoas – como já sabia Fernando Santos, e por isso mesmo foi campeão da Europa. E até acho que é taticamente mais forte do que o antecessor e do que Ancelotti. Mas deve entender uma coisa: é que, não sendo eu possuidor de uma inteligência rara, da mesma forma que eu previa o que ele ia dizer, há a séria possibilidade de os jogadores também começarem já a antecipar-lhe todas as explicações públicas, o que lhes retirará o efeito pretendido. É por isso que às vezes convém juntar um bocadinho daquele Guardiola que dá um arraso aos jogadores mesmo quando ganham. Acredito que Martínez o faça em privado, no balneário, mas há uma diferença enorme entre o trabalho de selecionador e o de treinador de clube. É que este tem controlo permanente de todo o ambiente e aquele é o treinador dos 26 com quem partilha o balneário, mas também de todos os outros que lhe completam a lista de 82 que observa mas com quem não fala regularmente. E esses não lhe convém perdê-los.
A barbárie não é paixão. Há quem confunda muito as coisas. Há quem quase legitime casos de barbárie pura e simples, como a que levou um grupo de idiotas mascarados de adeptos do Olympique Marselha a emboscar o autocarro do Olympique Lyon e a atingi-lo com objetos contundentes, como bolas de pelota basca, pedras ou canecas de cerveja, partindo-lhe o vidro lateral e ferindo o treinador visitante, Fabio Grosso. Há quem diga – acertadamente – que isto não é futebol, é o estado da sociedade, e que se não fossem os clubes de futebol a servir de rastilho para estas coisas seriam outros fenómenos quaisquer, mas isso não quer dizer que o futebol deva ou sequer possa lavar as mãos e seguir em frente. Há quem se queixe de que o futebol de mais alto nível está a afastar-se da paixão popular, porque está a tornar-se muito caro e quase um privilégio das elites, o que empurra as classes mais desfavorecidas em zonas onde elas abundam, como a de Marselha, para estas manifestações de trogloditismo naqueles raros momentos em que conseguem aproximar-se para mostrar que amam as suas cores. Não tenho resposta para este problema, mas tenho a certeza de que ele tem de ser abordado com urgência. Porque a paixão não é barbárie.
Sobre o Benfica, eu como adepto entendo os resultados em comparacom a época passada.
Para mim o mal está que desde Abril que esta equipa não apresenta nenhum futebol ao jeito do nivel do plantel que têm e para mim isso é trabalho de casa mal feito.
As exibições na champions foram as 3 más demais para esta equipa.