É uma equipa ou uma seleção?
Dani Alves está sem clube e há mais de um mês sem jogar, mas Tite incluiu-o na lista de 26 do Brasil para o Mundial. Razão para nos lembrarmos que uma equipa e uma seleção são coisas diferentes.
Dani Alves, 39 anos, sem clube e sem jogar desde 24 de Setembro, que foi quando o Pumas foi eliminado do campeonato do México, está na convocatória do Brasil para o Mundial. Como sempre, a discussão é estéril. Merece? Não merece? É irrelevante. As convocatórias para as seleções não são feitas por merecimento, não são feitas porque este menino se portou melhor do que aquele. Não são feitas em nome daquilo que os jogadores fizeram – são feitas em nome daquilo que os selecionadores acham que eles podem fazer e podem levar a equipa a fazer naquele mês que conta, naquele mês em que tudo vai decidir-se. O máximo que posso dizer é se eu levaria o Dani Alves. E, tendo em conta todas as opções que, vistas daqui, o Brasil tem para a direita da defesa – até Pepê... – digo que não, não o levaria. Mas eu não conheço todas as dimensões desta questão nem sei exatamente o que Tite espera de Dani Alves na fase final do Mundial.
No caso do Brasil e de Dani Alves, daquilo que me parece uma seleção cheia de atacantes e com alguma falta de gente para o meio-jogo, o que está em causa nem é só o facto de o lateral estar sem jogar há mês e meio. É o facto de ter sido dispensado do FC Barcelona no Verão e recusado pelo Athletico Paranense depois disso, antes de encontrar refúgio no México, tudo após uma tentativa de regresso à Catalunha saldada pelo fracasso, em Janeiro de 2022. Dani Alves ainda fez quatro assistências e um golo em 17 jogos, mas quando Joan Laporta e Xavi Hernández se lembraram, no anterior mercado de Janeiro, de ir buscá-lo, não estariam à espera de grandes números. Esperariam, sim, que ele ajudasse a virar uma temporada que o Barça já tinha estragado antes da chegada do treinador. Xavi, que jogou com Dani Alves quando os dois eram mais novinhos, terá achado o mesmo que Tite achou agora – e aqui já estou a adivinhar... Que Dani Alves podia ser importante no equilíbrio do balneário, que há coisas que ele traz que vão muito para lá do rendimento em campo. Que o seu empenho e profissionalismo na luta contra o declínio natural da idade era algo que não só mereceria o reconhecimento como pode contagiar todo o grupo.
A expressão “seleção” implica, de facto, a escolha dos melhores, mas é curioso que ela quase só seja utilizada em português. Os espanhóis levam o “equipo nacional”, os franceses uma “équipe nationale”, os ingleses a “national team”, os italianos têm a “squadra azzurra” e os alemães a “nationalmannschaft”. Nós, portugueses, e os brasileiros por arrasto, tínhamos de ser melhores e não nos chega levar a equipa nacional. Temos de levar a seleção. Mas o facto de um Mundial ser jogado por seleções não implica que tenham de lá estar os que são individualmente melhores em cada posição. Têm de estar, isso sim, os que melhor fazem equipa, porque o futebol é um desporto coletivo e o termo fulcral aqui é “equipa”. Era em nome dessa questão que, quando isso era possível, antes da globalização, surgiam blocos de um mesmo clube. É ainda por isso que há casos de jogadores que, sendo individualmente superiores a outros, não entram no onze, ou até nos 26, seja porque não encaixam em vários parceiros na convivência social diária ou no tipo de futebol que o treinador tem em mente. E aqui é fácil dizer que o papel do técnico é fazê-los encaixar. Difícil, para não dizer impossível, é encontrar um futebol que sirva ao mesmo tempo as caraterísticas de gente que se expressa melhor de formas tão radicalmente diferente nos seus clubes.
Já assumi o compromisso de fazer, aqui, neste mesmo espaço, na quinta-feira de manhã, a minha escolha de 26 jogadores portugueses para este Mundial. Qualquer adepto de futebol em Portugal que se dê a esse trabalho, que pegue numa esferográfica e comece a pôr nomes num papel, terá uma lista de sua própria autoria. A minha será seguramente diferente da de Fernando Santos em pelo menos cinco ou seis nomes – e atenção que já a completarei tendo em conta uma ideia de jogo e a capacidade que cada jogador terá, na dimensão competitiva, de a preencher, não me limitando a escolher os melhores para cada setor em abstrato, como fazem muitos adeptos. Faltar-me-á sempre, porque os jornalistas e os adeptos estão cada vez mais longe daquilo que é o quotidiano das equipas, a dimensão social, o efeito que cada um tem no balneário. E aqui, tal como fizemos para justificar a escolha de Dani Alves, podemos até deitar-nos a adivinhar. Que, por exemplo, os miúdos que chegam à equipa nacional se sentem motivados pela presença de Ronaldo e por isso rendem mais. Ou então que se sentem limitados pela presença de Ronaldo, que se julgam obrigados a passar-lhe a bola, e por isso, tendo as decisões condicionadas, rendem menos. Ou ainda que é Ronaldo quem dá o visto bom a este e o visto mau àquele, influenciando de forma inaceitável as escolhas do treinador. Ou que, se o faz, até é normal que o faça, na qualidade de capitão de equipa. Que esta equipa seria melhor sem Ronaldo ou que, pelo contrário, só terá aspirações a ganhar seja o que for com ele, pelo que ele ainda significa no panorama global do futebol. A vossa opinião, aqui, é tão válida como a minha – e ainda ontem, na sexta Live do Mundial Vai ao BAR, o marroquino Hassan Nader, antigo avançado do Farense, do Benfica e da sua seleção nacional, mostrava alguma revolta por ter visto os portugueses assobiarem Ronaldo.
A convocatória de Dani Alves para o Mundial, no entanto, vem recordar-nos de uma coisa: entre todas as opiniões, a que vale mais é mesmo a do treinador de cada equipa nacional. Até porque será ele a responder pelos resultados no final do Mundial. Se o Brasil fracassar no mês que aí vem, Tite será responsabilizado, entre outras coisas, por ter ocupado um lugar com um jogador aparentemente acabado. Se ganhar o Mundial, podemos continuar a discordar dele, mas mesmo que o veterano desempregado acabe por nem jogar, teremos de admitir que, se calhar, alguma razão ele teve para o convocar.