A maior arma do Benfica
O aspeto mais usado para diminuir a equipa de Schmidt, que é o facto de marcar acima das expectativas, é o que mais me convence de que esta equipa é especial e poderá sobreviver a uma eventual quebra.
Com 20 golos marcados nos últimos quatro jogos, o Benfica parece imparável. Ainda ontem passeou pelo Estoril, onde impôs uma goleada de 5-1 a uma equipa que só sofrera 10 golos nas primeiras onze jornadas da Liga, nas quais já recebera Sporting, FC Porto e SC Braga. “Não é fácil jogar contra nós”, sentenciou no final da partida Roger Schmidt, elencando uma série de fatores que, suceda o que suceder no domingo que vem, na receção ao Gil Vicente, com a qual vai encerrar a primeira parte da época, fazem da sua equipa indiscutivelmente a melhor deste arranque de campeonato. E todos os anos digo a mesma coisa: desses fatores, o que mais me convence é a capacidade que o Benfica demonstra para se tornar uma “equipa de golo fácil”. “A chave foi o primeiro golo e a forma como usámos o ‘momentum’ para fazer logo o segundo”, disse ainda Schmidt.
Esta é uma caraterística que os adeptos não gostam nada de ver destacada, porque acham que dá a entender que os seus prediletos afinal não são assim tão arrasadores. Que não jogam “o triplo”, como ainda ontem um de vós me perguntou no YouTube, em comentário à última edição do Futebol de Verdade. A ver se nos entendemos: nenhuma equipa joga o triplo nem relativamente ao adversário nem àquilo que jogava quando definhava, como sucedeu com o Benfica nos últimos anos. Mas uma caraterística indispensável às equipas vencedoras é essa capacidade de fazer golos acima das expectativas que o Benfica tem vindo a mostrar nestas últimas partidas. Todos os anos, quando se deteta esta característica numa equipa e os seus adeptos reagem à bruta, como se estivesse a menorizá-la, digo a mesma coisa: não, isso não é uma coisa má, não é sintoma de uma equipa que joga pouco, é sintoma de uma equipa que marca muito. É sintoma de uma equipa que toma boas decisões em zona de criação, de uma equipa cujos elementos têm capacidade técnica para não vacilarem face às redes, que têm a frieza mental e o descaramento de não temerem o encontro com a finalização.
Mas afinal de contas que conversa é essa? O Benfica não cria situações de golo? Cria. Claro que cria. Mas marca acima das expectativas. Nos últimos quatro jogos, os tais nos quais fez 20 golos, o índice de Golos Esperados (xG) do Benfica na GoalPoint foi de 11.1. Isto é, quase duplicou a quantidade de golos que as situações de jogo desenvolvidas fariam crer que podia fazer. Nos mesmos quatro jogos, o FC Porto fez onze golos para um xG apenas ligeiramente inferior, de 10.8, e o Sporting, que está com problemas evidentes de criação antes de os ter na finalização, marcou cinco golos para um xG marginalmente superior, de 5.2. Uma equipa de golo fácil não é só aquela que ganha por 1-0 não criando o suficiente para isso. É também aquela que ganha por cinco golos quando só justifica dois ou três. E mais. Para recorrermos ao aspeto que Schmidt classificou como “a chave” do desafio do Estoril, é preciso fazermos a nós mesmos uma pergunta: qual é a vantagem a partir da qual um jogo fica, regra geral, decidido? Em segurança, podemos dizer que é o terceiro golo, mas é raríssimo uma equipa grande deixar de ganhar um jogo no qual tem dois golos de vantagem. Assim sendo, de que xG é que o Benfica precisa para marcar os primeiros dois golos? Contra a Juventus foi 1.0, contra o GD Chaves 0.2, ante o Maccabi 0.7 e face ao Estoril 0.9. Pode ler os dados no quadro abaixo.
A Liga Portuguesa não via um líder tão forte como este Benfica ao fim de doze jornadas desde que o Sporting de Marinho Peres arrancou com onze vitórias seguidas em 1990/91, cedendo os primeiros pontos em Chaves, à 12ª ronda, com um empate (2-2). Depois disso, quem mais se aproximou foi o Benfica de Bruno Lage, que em 2019/20 seguia, à 12ª jornada, com onze vitórias e uma derrota, menos um ponto do que tem agora a equipa de Schmidt. O primeiro sinal, não vou dizer de alerta, mas de travão à euforia, é que nenhuma destas equipas acabou campeã nacional. O Sporting de 1990/91 foi terceiro, a 13 pontos do Benfica campeão – e seriam 21 com a pontuação atual – e o Benfica de 2019/20 foi segundo, a cinco pontos do FC Porto. O Benfica de Schmidt, na verdade, tem apenas mais dois pontos do que tinham, há um ano, o FC Porto e o Sporting, ou do que tinha, há dois anos, a equipa leonina com a qual Rúben Amorim interrompeu o jejum de títulos em Alvalade. E nem num ano nem no outro tivemos verdadeiramente campeão a não ser mais perto do final da época.
Da Luz, no entanto, vêm sinais muito positivos. O comportamento da equipa na Europa é um deles. Não tanto por ter ficado à frente do Paris Saint Germain na fase de grupos da Liga dos Campeões, mas sobretudo por ter tido o descaramento de querer ficar à frente do PSG na fase de grupos da Liga dos Campeões. O facto de Schmidt ter dado uma lição a toda a gente na forma como esticou os seus titulares, pois conhecia por experiência própria os efeitos de uma longa interrupção a meio da época dos seus tempos na Bundesliga é outro – veremos se a lição se alarga à segunda metade da época. Mas a mim nenhum me convence tanto como o facto de este Benfica ser uma equipa de golo fácil. É que isso significa que mesmo que venha a ter uma quebra na criação continuará a marcar golos. E é disso que se fazem as grandes equipas.