A concessão de Pepe
A serenidade de Pepe no momento de reconhecer que fica complicado pensar no título depois da derrota em Arouca foi tão evidente que quase permite pensar que ele não ficou surpreendido.
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Tantas vezes visto como um monstro competitivo, que vai para lá do recomendável e é capaz de soltar a frustração dos maus momentos em cima de quem lhe aparecer à frente, Pepe estava espantosamente tranquilo ontem, na altura de conceder que o FC Porto dificilmente chegará ao título de campeão esta época. São os 40 anos, quase 41 (que completa no final deste mês) a trazer-lhe esse aporte de calma? Ou é a experiência de futebol de mais alto nível a dizer-lhe que, por mais que tenha reencontrado a identidade neste 4x3x3 que adotou desde os 4-0 no Estoril, a 9 de Janeiro, neste onze a que, em seis jogos, Sérgio Conceição fez apenas uma alteração, por castigo de Nico González, na receção ao Moreirense, o FC Porto continua curto para manter o andamento da dupla de líderes? A verdade é que, minutos antes da conversa críptica do seu treinador – e ele próprio advertira de véspera que o que diz, na verdade, pode querer dizer “imensas coisas” –, e na sequência de um final de jogo tenso e nervoso, com onze minutos em busca do golo do empate que nunca chegou, o capitão do FC Porto reconheceu que “fica obviamente muito complicado” continuar a pensar em ser campeão naquela que, mesmo desafiando todas as leis da longevidade, pode ser a sua última época. E fê-lo com uma estranha serenidade, de uma maneira que quase faz o observador achar que ele, na verdade, não estava surpreendido com a concessão dos seus. No jogo de ontem, o FC Porto revelou vários defeitos – passividade na pressão nalguns momentos, incapacidade para tirar da frente a organização defensiva adversária, montada num 4x4x2 de bloco médio-baixo e linhas curtas, noutros, falta de ritmo ofensivo noutros ainda, incapacidade para impedir que os médios-ala adversários conduzissem contra-ataques para as costas dos seus laterais... O FC Porto podia ter ganho o jogo? Podia. Talvez lhe tivesse bastado transformar em golo uma das finalizações que teve com o jogo empatado a uma bola, nenhuma delas tão flagrante como a perdida por Nico para fazer o 2-2, já na segunda parte, pouco antes do terceiro golo do FC Arouca. Mas a vitória também assentou bem à equipa de Daniel Sousa, que assim deixou o FC Porto a sete pontos de Sporting e Benfica, sendo que os leões têm um jogo a menos e podem alargar essa distância. Enquanto o não jogam – e a coisa pode demorar – é aqui que se aplica a famosa frase de Sérgio Conceição: “já perdi campeonatos com sete pontos de avanço e já os ganhei depois de ter sete pontos de atraso”. É verdade. Mas em ambos os casos a corrida foi a dois, sempre entre o FC Porto de Conceição e o Benfica de Bruno Lage. O que dificulta a repetição dessa história é o facto de, hoje, para ser campeão, o FC Porto precisar de recuperar esses sete pontos a dois adversários. Não são sete pontos, são 14. Podem ser 17, se o Sporting ganhar em Famalicão. O FC Porto tem a vantagem de receber os dois rivais no Dragão – e há um clássico de tudo ou nada com o Benfica já no primeiro fim-de-semana de Março. Sabem os azuis e brancos que os encarnados também vivem um momento de algumas dúvidas, que se refletiu no empate feliz que levaram de Guimarães. E que, além de também terem de os visitar, os verde e brancos ainda enfrentarão mais sete deslocações nesta ponta final de campeonato. A questão é que, como acontece com todas as equipas que mudam para melhor – e foi o caso do FC Porto desde o início de Janeiro –, a de Sérgio Conceição começou por viver um estado de graça nas novas dinâmicas antes de ser confrontada com a realidade, nascida do facto de os adversários também terem olhinhos, perceberem o que mudou e serem capazes de criar mecanismos que os contrariem. O título ficou muito difícil, quase impossível, para o FC Porto depois da derrota em Arouca. Mas a única coisa certa é mesmo que até a qualificação para a pré-eliminatória da Liga dos Campeões dependerá de um percurso sem falhas nas 13 rondas até final da época. E para isso é preciso manter a serenidade.
A importância de Cristo. Não tivesse sido ele a dar o pontapé-de-saída, aquele momento que é tão irrelevante que até podia ser protagonizado pelo presidente do clube, e bem podia dizer-se que a intervenção mais brilhante de Cristo González no jogo de ontem se tinha dado antes mesmo de o espanhol ter tocado na bola. A coisa explica-se assim. Cristo deu a bola de saída atrás, para David Simão. O médio rodou sobre si mesmo e entregou a Pedro Santos, que logo lateralizou, em direção a Weverson. O defesa-esquerdo descobriu Sylla, o seu médio-ala, bem encostado à linha, ainda no seu meio-campo. O guineense atrasou para Montero, que alongou ainda mais o passe, para o guarda-redes De Arruabarrena. Nisto passaram-se 15 segundos. O guardião uruguaio jogou curto no outro central, Bambu, que fez ali um breve compasso de espera, a ver se a pressão do FC Porto chegava. Não chegou. Quem dele se aproximou, em apoio, foi Pedro Santos, que recebeu e abriu na direita em Tiago Esgaio. E vão 25 segundos. Galeno aproximou-se então do lateral, forçando-o a verticalizar o passe em direção a Cristo, que atraíra com ele Wendell, Nico González e Varela. E foi aqui que se deu o momento. Cristo nem tocou na bola, simulou que ia mas deixou-a seguir, fazendo meia-volta para dar linha de passe mais à frente, pela direita. E com a finta tirou todo o lado esquerdo e todo o meio-campo do FC Porto da jogada. Quem recolheu o passe foi Jason, que tabelou com o próprio Cristo e deu depois em Sylla, colocado entre linhas no corredor central e criando a situação de três para três com que o FC Arouca entrou nos últimos 30 metros. O médio-esquerdo lançou Cristo na direita e este cruzou para o único dos onze jogadores do FC Arouca que ainda não tinha participado na jogada, Mujica, marcar de cabeça o 1-0. Tinham-se jogado 36 segundos e o FC Porto ainda nem sequer tocara na bola. A jogada, coletivamente brilhante, serve para chamar a atenção para o facto de nem sempre as derrotas dos grandes se deverem aos seus erros. Elas estão muitas vezes ligadas à capacidade que os outros têm de os provocar. Todo o jogo do FC Arouca, ontem, tinha como base a observação da forma como o FC Porto envolvia os laterais e os médios nos momentos de pressão. Quando é que saía e quando é que ficava. Foi por ter descodificado esses momentos na perfeição, que Daniel Sousa tantas vezes conseguiu soltar os seus quatro atacantes em contra-ataques com superioridade ou paridade de números. E foi aí que ganhou o jogo.
Duas semanas e acabou. Primeiro foi o vermelho a Milik, no jogo em casa contra o modesto Empoli. Vlahovic ainda marcou, mas os visitantes empataram e a Juventus ficou à mercê do Inter, que até tinha um jogo a menos, por causa da Supertaça na Arábia Saudita. A vitória dos nerazzurri, no dia seguinte, na difícil deslocação a Florença, significou que a cimeira pelo topo da Serie A se disputaria com hierarquia invertida: Inter um ponto à frente da Juventus. Veio o jogo de San Siro e o Inter ganhou. 1-0 e quatro pontos, com um jogo em atraso. A ajudar, veio a lesão de Vlahovic. O Inter manteve a cadência e ganhou no sábado em Roma, por claros 4-2. Ontem, a Juventus claudicou. Recuperou Chiesa e, num festival de golos perdidos, perdeu em casa com a Udinese, fruto do único remate enquadrado dos visitantes, nascido de um corte incompleto de Alex Sandro. A sete pontos e com um jogo a mais, a Juventus já viu que não conseguirá aproveitar o ano de ausência forçada das provas da UEFA para se focar por inteiro no campeonato e ganhar o scudetto. Ter-lhe-á pesado demasiado na mente a derrota no clássico e já olha para trás, para a aproximação do Milan. Se acerca do Paris Saint-Germain já havia poucas ou nenhumas dúvidas, este fim-de-semana parece ter sido decisivo na coroação de Real Madrid, Leverkusen e Inter como campeões dos seus países. Resta a Premier League para animar todas as conversas acerca das Big Five.
O regresso da Champions. E resta a Champions, pois então. A competição mais entusiasmante do futebol de clubes em todo o Mundo regressa hoje, com os dois principais favoritos a jogar fora. O Manchester City enfrenta o que parece ser uma deslocação de recreio a Copenhaga e fá-lo em modo “exterminador”, com dez vitórias seguidas (e 29-5 em golos) desde que foi a Jedá ganhar o Mundial de clubes. Pela frente têm uma equipa dinamarquesa que até ganhou ali ao Manchester United, mas tem estado a preparar-se no Algarve e não compete desde o 1-0 ao Galatasaray, a 12 de Dezembro. São dois meses... E o Real Madrid visita um RB Leipzig que pode ser mais desafiante, sobretudo porque Ancelotti vai à Alemanha sem três dos seus quatro centrais, sem o guarda-redes titular e provavelmente sem poder usar Bellingham, todos lesionados, mas tem pela frente uma equipa para a qual 2024 não tem sido simpático: só uma vitória e 11 golos sofridos em cinco jogos desde o recomeço da Bundesliga. O que se pode esperar? Eu não arriscaria surpresas.