Duas vitórias tão diferentes
É possível olhar para os jogos e criticar a falta de consistência do Sporting ou o domínio por vezes estéril do FC Porto. Mas ambos ganharam bem e com grande componente estratégica.
Há muitas formas de se ganhar um jogo de futebol e, no fim, todas valem o mesmo, que são três pontos, pelo que nenhuma delas é melhor do que as outras. E mesmo a forma mais conservadora e tradicionalista de se olhar para as vitórias ontem obtidas por Sporting e FC Porto na Liga dos Campeões, achando que os leões, que ganharam por 4-1, nunca tiveram o jogo sob controlo, ao passo que os dragões, que se impuseram por um magro 1-0, deram sempre a ideia de que iam ganhar, pode ser desmentida pela dimensão estratégica de cada partida. Conforme já se viu em threads em voga no Twitter, por vezes, a tentação de ver mais além, de descobrir verdades escondidas, pode ser contrariada por quem seja capaz de ver mais além ainda.
Sporting e FC Porto bateram o Besiktas e o Milan, recuperando a esperança até nas contas da qualificação para a fase seguinte da Liga dos Campeões, porque foram melhores do que os adversários naquilo em que definiram que queriam sê-lo. Não escolheram argumentos iguais, porque além de os jogos, os adversários e as circunstâncias serem diferentes, as suas próprias equipas também o são, recomendando por isso planos de ação diferentes. Olhando para os jogos depois de eles terem acabado, é sempre possível ver o copo meio cheio ou meio vazio, consoante a nossa natureza seja otimista ou pessimista. Não há vitórias sem defeitos – como não haverá derrotas sem virtudes – e a escolha do foco é nossa, de quem analisa, mas a ela não deve ser alheia a opção estratégica de quem preparou tudo antes de acontecer. E é aí que devemos fazer a pergunta: o que aconteceu, aconteceu por acaso, ou tudo foi preparado para acontecer assim?
É possível olhar para os 4-1 no Sporting ao Besiktas e criticar a forma como os leões deixaram os turcos chegar com tanta facilidade à área de Adán ou os espaços descobertos por Pjanic e companhia à frente dos dois alas de uma equipa que vai sendo mais interior à medida que vai crescendo e, por isso, pode ser mais vulnerável na largura. Mas também se pode elogiar a capacidade de criação de uma equipa que soube frequentemente deixar o trio da frente em situações vantajosas e que, tendo feito quatro golos, podia ter marcado mais ainda. Como é possível olhar para o 1-0 do FC Porto ao Milan e criticar o facto de, com tanto domínio, os dragões só terem ganho vantagem a meio da segunda parte, depois de uma avalanche de futebol maioritariamente de pólvora seca. Mas também se pode elogiar a forma como a equipa portista tirou do jogo o Milan através de uma exibição afirmativa e controladora de tudo o que era iniciativa. Isto tem explicação? Tem!
O jogo de Istambul foi, de todos os que o Sporting fez esta época, aquele em que os leões tiveram menos bola: 39 por cento, apenas, contra 43 em Dortmund e 48 em casa com o Ajax, só para usar exemplos da Champions. Na Liga Portuguesa, em contrapartida, só em Braga (46%) e em casa com o FC Porto (48%) é que os campeões nacionais não acabaram acima dos 50%. E por que é que o Sporting teve tão pouca bola em Istambul? Porque este foi o jogo em que teve menos acerto no passe: segundo o Goal Point, a eficácia de passe do Sporting situou-se nos 69%, a primeira vez nesta época que baixou dos 70%, quando até aqui só por duas vezes ficara abaixo dos 80, em Arouca (79%) e em Braga (78%). No entanto este também foi o jogo em que o Sporting produziu mais situações de golo. Não apenas porque só tinha feito mais do que os 20 remates de ontem em duas situações (25 ante o Marítimo e 26 contra a B SAD), mas sobretudo porque nunca tivera tantos Golos Esperados. O índice xG do Sporting contra o Besiktas foi o mais alto dos leões esta época, elevando-se aos 4,9, o que quer dizer que produziu situações suficientes para, em situação normal, marcar 4,9 golos. Até aqui, só por uma vez acabara acima dos 3,0, no jogo em casa com a B SAD. Mesmo tendo em conta a propensão “kamikaze” da equipa do Besiktas, é difícil imaginar que Rúben Amorim tenha dito aos jogadores para perderem a bola de propósito. Mas já se admite que tenha preparado o jogo na perspetiva de ceder a bola e o controlo, de forma a explorar o adiantamento do opositor em sucessivas situações de três para três no meio-campo ofensivo.
Por sua vez, no Dragão, o jogo do FC Porto foi um pouco nos antípodas do feito pelo Sporting. Os dragões tiveram mais posse de bola (52%) do que em qualquer partida da Champions esta época (tinham tido 44% em Madrid e 35% em casa com o Liverpool FC) e, até tendo em conta o discurso de Sérgio Conceição a seguir à goleada sofrida na jornada anterior, a tentação mais normal seria a de achar que a grande diferença tenha sido a agressividade. Mas não. Se contra o Liverpool FC o FC porto tinha feito dez faltas apenas, ontem ficou-se pelas 14, muito aquém das 21 cometidas no empate em Madrid, por exemplo. A eficácia de passe também não foi assim tão diferente (75% contra os ingleses, 76% ontem), o que desde logo nos remete para fatores externos, como a qualidade do adversário. A questão é que tanto no jogo de ontem como frente ao Liverpool FC, o FC Porto produziu apenas para o golo que marcou – teve um índice xG de 1,0 na segunda jornada e de 1,3 ontem, sempre abaixo dos 1,9 de Madrid, por exemplo. A diferença foi a produção ofensiva do adversário: se o Liverpool FC acabara o seu jogo no Dragão com um xG de 4,0, o Milan não foi além do 0,2, valor só negativamente suplantado nesta edição da Liga dos Campeões pelos 0,1 do VfL Wolfsburgo em Lille e do Young Boys em Bergamo. A grande diferença esteve na capacidade que o FC Porto mostrou para impedir o adversário de jogar, não através da falta, mas do local onde colocava o foco defensivo: foram 18 ações defensivas no meio-campo adversário ontem, contra oito no desafio com o Liverpool FC e apenas cinco em Madrid.
É fácil olhar para os jogos de ontem e dizer que o Sporting não foi consistente ou que o FC Porto não criou situações suficientes para tanto domínio. Mas muito do que se passou foi só estratégia. Foi assim porque foi pensado para ser assim.