Duas faces da moeda
Os líderes da Liga são as duas faces de uma moeda. Um produz mais do que colhe, mas esconde-se face às dificuldades. O outro tem sido mais pobre, mas mostra uma mentalidade indestrutível.
Temos quatro equipas separadas por dois pontos no topo da classificação da Liga e as quatro vão defrontar-se em dois jogos, na próxima jornada. Alvalade vai assistir ao confronto entre dois líderes que são faces opostas da mesma moeda. De um lado, um Sporting que considerei a equipa mais forte do primeiro terço de campeonato, mas a quem, depois, a incapacidade para ganhar jogos de perfil mais elevado custa a presente situação. Do outro, aquele que me parece a mais pobre das sete equipas montadas por Sérgio Conceição no FC Porto, mas que mesmo assim consegue estar lá em cima, em igualdade com o primeiro – e até pode sair de Lisboa, na segunda-feira, isolado no comando pela primeira vez desde que foi campeão, em Maio de 2022. Olhar para as épocas de Sporting e FC Porto é um pouco como fazer aquele exercício em que tanto podemos ver o copo meio cheio como meio vazio. É fácil alegar que é improvável que os leões continuem a deixar escapar resultados como em Braga, na Luz ou agora em Guimarães, em jogos nos quais estiveram em vantagem, sempre por erros próprios em momentos de panne coletiva. Se na Luz perderam a possibilidade de ficar com seis pontos de avanço para o segundo, sofrendo dois golos em três minutos, na compensação, agora, em Guimarães (e há Flash com comentário ao jogo para ver aqui), foram incapazes de controlar um jogo em que tiveram 70 por cento de posse de bola e levaram sempre golos logo a seguir aos dois que lá marcaram. A questão é que também é possível juntar esses momentos de eclipse ao histórico recente de incapacidade para vencer clássicos – já lá vão dez sem vitória – e alegar que uma equipa que não consegue impor-se nestes jogos é o exato oposto de um campeão. Começa, aliás, por ser o exato oposto da que Amorim montou em 2020/21, quando jogava menos do que agora, mas ganhava porque era mentalmente forte. Ora a mentalidade de campeão é exatamente o que favorece a candidatura do FC Porto, que tem sido de uma pobreza confrangedora em boa parte dos desafios – tem o oitavo ataque mais concretizador da Liga – mas está lá em cima, com os mesmos 31 pontos dos leões, porque os ganha. Basta ver a diferença entre os jogos que ambos fizeram em Guimarães, onde os leões começaram a ganhar mas perderam por incapacidade de controlo e os dragões começaram a perder mas ganharam, muito graças ao guarda-redes absolutamente superlativo que foi Diogo Costa. É fácil dizer que isso é o famoso “estofo” de campeão a funcionar, aquilo a que muitos chamam a “estrelinha”, mas tal como no caso do Sporting também podemos alegar que a questão está na impossibilidade de fazer campeã uma equipa com as debilidades que este FC Porto tem mostrado, porque não tem os argumentos criativos do da safra de 2022 ou os explosivos dos da safra de 2018. O clássico da próxima segunda-feira deixará as duas equipas separadas, no máximo, por três pontos, com mais de meio campeonato por disputar, mas vai ser muito mais importante do que os efeitos na tabela dizem. Porque, num momento definidor como este, a derrota suportará a visão dos que olham para o copo e o veem meio vazio.
Espelho meu, espelho meu. Rui Costa fez (quase tudo) o que tinha de fazer e, um dia depois das inacreditáveis reações das bancadas da Luz às substituições feitas por Roger Schmidt e da igualmente difícil de explicar resposta do treinador, a convidar os adeptos a ficarem em casa, veio garantir que é com o alemão que o Benfica vai continuar em busca dos objetivos. Ter-lhe-á faltado ser tão assertivo na crítica à resposta dada pelo técnico como foi na reprovação do arremesso de objetos e líquidos contra o tipo que não submete cada substituição à votação do público, mas até isso se entende, pois o que ele queria mesmo era serenar os ânimos e não comentar a atualidade com independência e distanciamento. Da mesma forma, ter-lhe-á faltado garantir que os prevaricadores iriam ser identificados, o que me leva a suspeitar que lhes acontecerá o mesmo que aos sócios que perturbaram a tristemente célebre Assembleia Geral do FC Porto, no mês passado – na próxima estão lá outra vez. Não alinho com aqueles que sempre que veem lenços brancos na bancada acham que o presidente tem de vir clarificar de que lado está, mas aceito que a intervenção de Rui Costa tenha sido “forçada” pelo próprio Roger Schmidt, quando este admitiu, num tom irónico que nunca se lhe vira, que se calhar já está ali a mais. O presidente pôs água na fervura, fez o possível para que, da próxima vez que se irritarem, os malcomportados bebam a cerveja em vez de a atirarem ao treinador, mas não terá chegado ao ponto de pô-los a pensar como ele. Porque, como bem dizia o poeta, não há machado que corte a raiz ao pensamento. E achar que, só porque o presidente o defendeu publicamente, os contestatários vão passar a achar que Schmidt mexe bem na equipa é um ato de fé tão pueril como julgar que esses mesmos contestatários criticam as substituições feitas pelo treinador porque há meia dúzia de comentadores na televisão a sustentar que ele é mau nessa parte do seu trabalho. A famosa “campanha” é uma mistificação: não preciso de ser “do Sporting ou do Porto” para achar que no dérbi lisboeta o Benfica obteve um resultado melhor do que a exibição, da mesma forma que não preciso agora de ser “do Benfica” para sustentar que no jogo com o Farense os encarnados fizeram uma exibição a justificar os três pontos (e há comentário Flash do jogo para ver aqui). A forma excessiva como se trata tudo o que é Benfica, pelos media, pelos adeptos, por toda a gente, não é fruto de uma campanha, nem quando a equipa ganha nem quando ela empata ou perde. É fruto da implantação social extraordinária do clube, é a manifestação do complexo da Rainha Má, que perguntava ao espelho mágico se havia no reino alguma mulher mais bela do que ela. “Espelho meu, espelho meu, há alguma equipa mais maravilhosa do que a minha?”, perguntam os adeptos do Benfica com regularidade. Quando ganham, tudo é maravilhoso. O António Silva é o Beckenbauer, o João Neves é o Matthäus e o Roger Schmidt é o Eriksson. Se calham a perder ou a empatar, pode acontecer-lhes o mesmo que ao espelho se lhe ocorre responder que a Branca de Neve, enfim... estão a ver, não é?
Um jogador de sistema. Rodrigo Gomes, tal como Guitane, Holsgrove ou Mateus Fernandes, é uma das maiores diferenças entre um bom ou um mau Estoril. Ontem, com dois golos e um par de assistências, roubou o palco nos 4-0 com que os canarinhos despacharam o GD Chaves e terá deixado muita gente a pensar que já está pronto para voltar a Braga, à equipa-mãe, que o tem emprestado na Amoreira. Mas Rodrigo é um exemplo do mais claro que pode haver de um jogador de sistema, que parece desenhado para ser ala, mas que em contrapartida pode não ser tão desequilibrador como extremo ou tão fiável como defesa-lateral. Rodrigo Gomes foi feito para o sistema do Estoril, provavelmente seria titular no Sporting, o único dos quatro candidatos ao título que joga com três centrais, mas não tenho a certeza de que seja capaz de dar ao SC Braga de Artur Jorge a aceleração e a definição que lhe dão Djaló ou Bruma na frente ou a ainda assim muito aceitável capacidade de fechar dentro e de garantir solidez atrás de Victor Gómez. Vamos ver se o SC Braga não tem aqui o seu Fatawu, o jovem ganês que hoje deprime os adeptos do Sporting sempre que faz alguma coisa no Leicester City, mas acerca do qual depois se pergunta: “Mas ele, aqui, jogava onde?”
O Girona da Catalunha. O dérbi da Catalunha, esta época mais do que nunca, já não opõe o Barça ao Espanyol, mas sim ao Girona FC. Foi ontem, os de Michel saíram por cima, com um 4-2 que lhes permitiu assumir a liderança isolada da Liga Espanhola e, acima de tudo, banalizar de tal forma a linha defensiva blaugrana que Eric García pode ter deixado Montjuic a achar que, afinal de contas, ali, jogava de caretas e até de olhos vendados. Ao fim de 16 jornadas, este Girona FC já é bem mais do que um epifenómeno, e se parece demasiado otimista achar que pode ganhar a Liga, já uma presença na Champions é hoje encarada quase como uma inevitabilidade. Ficamos todos a assistir de cadeirinha ao embaraço que vai ser para a UEFA, face aos 47 por cento do capital do clube que pertencem ao City Group e à porção relevante que está nas mãos de Pere Guardiola, o irmão do treinador do Manchester City. Tragam as pipocas, se fazem favor.