Duas equipas honestas
Sporting e FC Porto foram do mais honesto que podiam ser na Supertaça, pois na tentativa de ganhar argumentos ofensivos deixaram bem à vista as debilidades que ainda têm. Sobretudo a defender.
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Se um jogo tem sete golos, se uma equipa chega com facilidade aos 3-0 mas ainda perde por 4-3, é fácil de inferir que se esteve perante onzes com debilidades defensivas preocupantes. O Sporting-FC Porto de Aveiro não foi diferente. Houve méritos na saída de bola face à pressão e na definição no último terço dos leões na forma como chegaram aos 3-0 em 24 minutos, mas também aí se viu alguma impreparação dos dragões para uma estratégia tão corajosa como a que estavam a pôr em campo. Houve capacidade anímica e estratégica dos azuis-e-brancos para darem a volta a um jogo que parecia perdido, chegando aos 3-3 no final dos 90’ e a um quarto golo no prolongamento, mas também aí se viu que os verde-e-brancos foram perdendo a tal definição na frente e, sobretudo, mantiveram as imprecisões atrás que foram a base dos erros que permitiram a reviravolta. Nas horas após o jogo, os adeptos centraram-se na pergunta sacramental: houve mais mérito do FC Porto ou demérito do Sporting? A isso ninguém pode responder. O que é possível, sim, é entender o que cada um fez bem e mal, de forma a decidir.
O início do jogo foi marcado pela coragem pressionante do FC Porto face à saída baixa que já se sabia que o Sporting iria pôr em prática. Rúben Amorim trouxe ao jogo a saída de bola em 1+4, isto é, com Kovacevic a ser chamado a participar, e Morita a meter-se entre Debast, uma espécie de patrão daquele momento, e Inácio, que nessa altura abria na lateral, como o fazia Quaresma do outro lado. A ideia era atrair a pressão portista para, superando essa linha mais agressiva, ganhar espaço nas costas da última linha do adversário para os ataques feitos por Gyokeres à profundidade. Essa ultrapassagem da primeira linha de pressão, à partida, iria ser feita de uma de duas formas: ou por fora – o que conseguiu fazer sempre melhor no eixo Morita-Inácio do que no lado de Debast e Quaresma – ou com uma ligação direta a Trincão e Pedro Gonçalves, que procuravam receber de frente, posicionando-se como avançados mais interiores, dando a largura a Quenda e Catamo. Vítor Bruno foi corajoso e tentou ir morder a saída baixa dos leões, com Nico e Namaso a pressionarem o central em posse (um deles) e a condicionarem a entrada no outro central (o outro) e com Gonçalo Borges e Galeno a terem a dupla missão de apertar o lateral que recebesse a bola e de fechar a linha de passe para os tais avançados interiores. Como Morita baixava para a primeira linha, Hjulmand ficava muitas vezes só no meio, suscetível de ser pressionado por Grujic, o que tornava esta ligação interior mais complicada para os leões.
Ainda assim, há dois dados a extrair desta situação. O primeiro é que o FC Porto recuperou muitas bolas no seu terço ofensivo. O segundo é que não soube tirar proveito delas, por falta de qualidade na definição. Uma delas, uma perda de Debast com Kovacevic fora da baliza, pois tinha sido ele a vir recuperar a bola atrás da última linha, em controlo de profundidade, deixou Namaso com a possibilidade de marcar, ainda nos 0-0, mas o chapéu do inglês saiu alto demais. E nas vezes em que o risco leonino se pagava e a equipa conseguia sair fazia-o com muito mais hipóteses de ferir. Claro que o 1-0 chegou de bola parada – um canto que Pedro Gonçalves ia marcar mas que depois foi batido, curto, por Hjulmand, que chegou da linha de fundo e soltou o colega para um cruzamento com uma trajetória diferente da que a defesa portista esperava. E o 2-0 veio da transformação de uma transição ofensiva em contra-ataque devido à rapidez de raciocínio de Morita e à impossibilidade de Zé Pedro travar Gyokeres em campo aberto e com 50 metros atrás das costas. Mas não é exato dizer que o FC Porto, nesse lance, pagou um excesso de risco na sua organização defensiva, porque se os dois centrais estavam abertos foi porque a equipa tinha a bola. O que se viu ali foi a dificuldade de Grujic integrar a circulação de bola sob pressão, o que certamente abre a discussão da posição para quando voltar a haver Pepê e possa ser recomendável baixar Nico. O sérvio jogou para ajudar nas bolas paradas mas não chegou para impedir que o Sporting marcasse de canto e, depois, com bola, é mais frágil do que Nico e até do que Eustáquio e Vasco Sousa.
A saída de bola do FC Porto foi, tal como a do Sporting, em 1+4, com intervenção do guarda-redes e centrais abertos, de maneira a dar alguma projeção aos laterais. Mas nunca o FC Porto tentou fazê-la tão baixo no campo como o faziam os leões, o que reduzia o risco de perda – dá sempre a hipótese de rodar por trás. Rúben Amorim não terá dado ordens aos seus médios-ala para pressionarem tão intensamente os laterais portistas, porque sabia que o esforço de construção do FC Porto passava muito pela constituição do tal retângulo virtuoso entre Varela, Grujic, Nico e Namaso. Os dois avançados baixavam para se disponibilizarem para ligar com os dois médios, levando a que fossem os dois médios-ala, Galeno e Gonçalo Borges, quem ia dar profundidade. O FC Porto começava a atacar em 4x2x2x2, com os dois da frente abertos nas faixas, por se saber que o Sporting recorre nesta fase do jogo a referências defensivas individuais. Na época passada, Amorim disse várias vezes que a sua equipa tinha de se habituar a jogar em três para três atrás, mas o que se viu muitas vezes neste jogo foi os dois laterais – Catamo e Quaresma – em dois para dois com os extremos portistas, pois os centrais eram atraídos pelos movimentos de apoio dos avançados adversários. É certo que Quaresma e Catamo não se saíram mal destes um-para-um defensivos, mas estas subidas em pressão de Debast e Inácio podem muito bem ter estado na origem de uma última linha leonina descoordenada – o que ainda se tornava mais complicado de gerir quando se sabia que aquela última linha se estava a habituar à realidade de defender a quatro.
Tem gerado alguma diferença de opiniões o alinhamento defensivo do Sporting. É a quatro? É a cinco? Mudou ou está igual ao da época passada? Só Rúben Amorim poderá dizer o que pediu aos jogadores, mas da observação dos jogos com o Athletic Bilbau (pela TV) e com o FC Porto (no estádio e, depois, pela TV), a minha opinião é que mudou. Na época passada, os leões começavam a defender a quatro e acabavam invariavelmente a cinco, com a inclusão do ala mais ofensivo. Isto é: no início da organização defensiva, mais alto no campo, um dos alas (Catamo ou Nuno Santos) encostava à linha da frente, levando o defesa-central desse lado a deslizar em direção à linha lateral e a começar a defender como lateral. Depois, quando e se os adversários chegavam às proximidades da área leonina, o tal ala ofensivo integrava a linha de cinco, com retorno do central deslocado à função natural. O que estamos a ver este ano é bem diferente – ainda que condicionado pela falta das opções naturais para a esquerda, que são o lesionado Nuno Santos e o castigado Matheus Reis. Catamo apareceu sempre integrado na linha defensiva, mas Quenda raramente para lá foi, cabendo sempre a Quaresma a tarefa de defender por fora. O Sporting manteve a linha de quatro em todos os momentos da sua organização defensiva e quando a reforçava era pelo afundamento dos médios, que Hjulmand – em vigilância a Nico – e Morita – mais atento a Grujic – muitas vezes baixaram para a integrar. A coordenação da linha esteve sempre longe de ser ideal e isso terá sido pago, por exemplo, nos posicionamentos incorretos no momento do corte falhado por Debast que deixou Galeno na cara de Kovacevic para o 3-1.
Muito se falou depois do jogo no discurso motivador que, ao intervalo, terá impulsionado a equipa do FC Porto para a virada, mas a verdade é que quem começou melhor a segunda parte até foi o Sporting. Definindo melhor os momentos de soltar a bola ou arriscando saltar dois adversários com um passe, os jogadores que os leões tinham no quadrante direito foram então, pela primeira vez, capazes de atrair o FC Porto ao seu lado para depois saírem pelo outro, com espaço para progredir. Várias vezes o Sporting conseguiu nesse período soltar Geny Catamo, a aproveitar a concentração pressionante do FC Porto no outro lado. Só que essa foi uma fase do jogo em que os leões já não foram felizes na definição no último terço. Fosse por cansaço – que reduz a clarividência de raciocínio e leva, muitas vezes, a que se tomem opções que não são as melhores – ou por simples deficiências técnicas, o Sporting não fez o 4-1 que podia ter resolvido o jogo. Foi por isso que Rúben Amorim destacou que a sua equipa nunca perdeu o controlo do jogo e mesmo assim desperdiçou a vantagem. É que, sendo verdade que o Sporting manteve o controlo do jogo até ao final dos 90 minutos, as imprecisões que ia cometendo atrás levaram a que não tivesse nunca tido o controlo dos detalhes e que houvesse sempre margem para o FC Porto recuperar. Vítor Bruno foi sagaz a mexer, nas trocas de João Mário e Grujic por Eustáquio e Ivan Jaime, o que lhe permitiu ganhar em três aspetos: com Martim à direita, para onde passou a partir dessa altura, ganhou segurança na construção; com Eustáquio a meio-campo ganhou qualidade em posse e uma maior capacidade de ataque às entrelinhas; e com Galeno a lateral esquerdo ganhou a possibilidade de esticar o jogo por aquele lado, pedindo ao luso-brasileiro que surgisse à frente de Quenda na chegada a zonas de finalização.
Na verdade, apesar da participação de Eustáquio e Galeno no terceiro golo, no qual este surge mesmo à frente de Quenda, o 2-3 e o 3-3 não foram tanto resultado destas alterações como o foram de indefinições de marcação leoninas em dois lançamentos laterais – a facilidade com que Hjulmand foi tornado inoperante tanto num como noutro caso é extraordinária. Apesar do empate, Rúben Amorim levou demasiado tempo a reagir: só mexeu ao minuto 83, já após as entradas de Vasco Sousa, para dar ligação ao meio-campo, e de Fran Navarro, para impor uma maior necessidade de controlo da profundidade. As próprias mexidas do Sporting não foram fáceis de entender, sobretudo a saída de Inácio, forçando Quaresma a ser central esquerdo e a equipa a jogar com dois centrais já amarelados, ou a entrada de Mateus Fernandes para ser médio-esquerdo, onde estava Pedro Gonçalves, mantendo então Hjulmand e Bragança ao meio. O 4-3, de Ivan Jaime, resultou da conjugação de alguma fortuna – o desvio em Mateus Fernandes, a levar a bola a fazer um arco e a cair mesmo na baliza – com um erro de Kovacevic, que teve tempo mais do que suficiente para recuar um passo e não ser surpreendido, mas até aí se viu o banco do FC Porto ser mais proativo do que o do Sporting. Assim que se viu à frente do marcador, Vítor Bruno tentou trancar o jogo com a inclusão de mais um defesa-central, a passar a equipa para um 5x4x1 defensivo que forçou os leões a tentativas de meia-distância. Do outro lado, a paciência para criar também já não era muita, fator ao qual não há-de ter sido alheia a componente anímica: estranho seria que uma equipa que estivera a ganhar por 3-0 e viu o adversário virar para 3-4 olhasse para os 19 minutos de prolongamento que ainda faltavam como uma oportunidade e não como um suplício.