Duas certezas e muitas dúvidas
Portugal mostrou que maneja cada vez melhor as suas dinâmicas na organização ofensiva e assegurou que já criou o espaço necessário à afirmação de Leão, mas fez adensar as dúvidas sobre os convocados.
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O particular com uma Suécia ainda muito primitiva em termos de princípios e dinâmicas de jogo não terá servido de muito a Roberto Martínez se aquilo que o selecionador queria era aquilatar do valor da nossa equipa face aos desafios que lhe vão ser apresentados no Europeu, mas trouxe uma série de boas notícias. Portugal mostrou um corredor esquerdo de altíssimo nível, com a soma de Nuno Mendes a um cada vez mais impactante Leão, acrescentou uma nova forma de articular a saída a três mais dois, com a rotação dos três médios no papel de adjuvante de Palhinha na segunda linha de organização, e juntou mais uns quantos aspirantes a uma vaga na lista final, a começar por Nélson Semedo e Matheus Nunes. Até a dificuldade para lidar com a pressão subida e de cariz individual que os suecos faziam na saída de bola foi aproveitada e transformada em oportunidade de explorar o espaço que ficava atrás – e esse é um dos aspetos que pode melhorar com o regresso de Diogo Costa, cuja maior vantagem sobre Rui Patrício reside precisamente no jogo com os pés.
Em termos gerais, o ensaio foi bom. Para se perceber que esta Suécia está pouco trabalhada basta ver as dificuldades que Gyökeres teve para entrar no jogo. Não, ao contrário do que já se vende pelas redes sociais, não foi por ter apanhado pela frente defesas de nível superior a uma sonhada mediocridade quotidiana que o avançado mais destacado da Liga Portuguesa esteve largos furos abaixo do habitual. Foi mesmo porque o 4x2x3x1 sueco não o favorece em nada, deixando-o muitas vezes em situações de ampla inferioridade numérica por dentro e reduzindo-lhe os momentos de um para um contra Pepe, Rúben Dias ou António Silva – e a dois deles já o sueco tinha feito a vida negra no campeonato, contrariando a tese da dificuldade na subida de patamar. A questão é que Portugal não terá pela frente no Europeu equipas tão pouco buriladas como esta em que John Dahl Tomasson acaba de pegar, mas sim seleções que já conhecem bem os seus pontos fortes e entretanto desenvolveram dinâmicas capazes de os explorar. Os suecos só tinham duas ideias, que eram a de ir apanhar alto a saída de bola de Portugal e a de, a atacar, abrirem os extremos, Elanga e Kulusevski. E se a segunda só resultou quando Martínez experimentou Tote Gomes como lateral, a primeira causou incómodo e até algumas perdas de bola, mas terá tido mais impacto no resultado através dos momentos em que os portugueses se soltavam e abriam avenidas de progressão fácil pelo meio-campo ofensivo atrás da primeira linha de pressão.
A ausência simultânea de Dalot e Cancelo, os dois laterais que Martínez costumava fazer subir para segundo médio, por dentro, em posse, deixava uma dúvida acerca da forca como iria Portugal trabalhar o início de organização ofensiva – sendo que está já estabelecido que, parta do 3x4x3 ou do 4x3x3, a equipa nacional utiliza sempre um 3x2x5 a atacar. Ora o que o jogo permitiu perceber é que Portugal tem várias soluções trabalhadas para este momento. Ontem, viu-se uma primeira linha com os dois defesas-centrais e o lateral esquerdo, à frente da qual se colocavam o médio mais recuado e um dos outros médios – Matheus ou Bruno – ou até um dos atacantes – Bernardo veio muitas vezes ali em momento de início de organização. O que isto queria dizer era que a linha de cinco na frente era composta, na largura, por Semedo, um lateral, à direita, e por Leão, um extremo, à esquerda. No meio ficavam Ramos, o ponta-de-lança, e os dois médios que sobravam. Ora, se já vimos Portugal fazer a saída a três com os dois centrais e um lateral ou com os dois centrais e um médio que baixa para o espaço entre eles, ontem compreendemos que há alternativas para a escolha dos dois que se colocam logo atrás da primeira linha de pressão adversária: podem ser o médio-defensivo e um lateral que vai jogar por dentro – sempre o que está no lado do extremo que joga aberto – como podem ser o médio-defensivo e outro dos integrantes do triângulo criativo de meio-campo.
Ora este conceito de triângulo criativo foi outra das boas notícias do jogo de ontem, porque a articulação de Bruno Fernandes, Matheus Nunes e Bernardo Silva funcionou sempre bem. E é uma novidade, porque quando se imagina o triângulo de médios da equipa portuguesa, até pela forma como esta se coloca nos momentos defensivos, podia pensar-se em João Palhinha, Bruno Fernandes e Matheus Nunes. Na verdade, a equipa defendeu sempre num 4x1x4x1 que mais parecia um 5x5, tanta era a disponibilidade de Palhinha para se juntar aos dois centrais na criação de superioridade numérica face aos jogadores que a Suécia tinha por dentro – Isak e Gyökeres. Bernardo Silva defendia à direita da mesma forma que Leão defendia à esquerda, à frente dos respetivos laterais. Mas quando a equipa tinha a bola, Leão abria e esticava, ao passo que Bernardo baixava e vinha dentro. E era nesse momento que se criava o tal triângulo criativo, formado pelos dois médios-interiores e pelo extremo, alternadamente com um atrás dos outros dois. Se a dinâmica parece ter resolvido a questão da afirmação de Rafael Leão na seleção – e quem me segue sabe que há dois anos venho dizendo que Portugal seria melhor equipa quando conseguisse tirar do atacante do Milan o que ele tem para dar –, está agora na procura de um espaço que permita a afirmação de João Félix ou Vitinha, outros talentos que não têm sido devidamente aproveitados, o segredo de mais um upgrade.
A questão é que como só jogam onze homens de cada vez é impossível fazer coexistir todos estes espaços. E, se os jogos nos vão deixando mais ou menos tranquilos acerca do modelo de jogo – que ainda por cima só pode melhorar com aquele par de semanas de estágio antes do Europeu –, a grande questão a resolver vai passar pelas dúvidas acerca da lista final. O mês de Abril ainda vai definir quantos jogadores Martínez poderá levar ao Mundial, se 23 ou se qualquer total até aos 26 desejados por alguns selecionadores, mas a certeza que sobra é a de que qualquer que seja este número eles vão sempre ser poucos para quem tem aspirações a figurar no lote. Em relação aos menos utilizados na qualificação – ou não utilizados de todo – o jogo de ontem serviu para fortalecer a candidatura de Nélson Semedo, Nuno Mendes e Matheus Nunes e para enfraquecer a de Tote Gomes. Mas este jogou adaptado a lateral – e a possibilidade de poder ser central ou lateral era o principal atributo a recomendá-lo... – e no que toca aos outros há que ter em conta que não estavam em Guimarães, pelo menos, os oito potenciais convocados que tiveram dispensa e vão agora à Eslovénia nem alguns lesionados que quererão ainda imiscuir-se na luta, de Diogo Jota a Pedro Neto, com passagem até por Pedro Gonçalves ou Trincão. É aí que vai estar a grande guerra.