Do Porto a Marselha em quatro nomes
Pinto da Costa, Tapie, Villas-Boas e Marcelino ajudam-nos a traçar um paralelismo entre dois clubes nascidos em duas cidades interessadas em combater as suas capitais. De forma diferente.
Estava a ler a entrevista a Marcelino Garcia Toral publicada ontem pelo L’Équipe, na qual o técnico espanhol detalha as razões que levaram ao seu afastamento do Olympique Marselha, e a pensar nas semelhanças e nas diferenças entre o processo de construção de dois clubes ganhadores em Marselha e no Porto, dois megacentros urbanos interessados em desafiar o poder das respetivas capitais no futebol. No fim fui dar às declarações de André Villas-Boas acerca da hipótese de se candidatar às próximas eleições do FC Porto, em Abril, e às razões pelas quais essas notícias são sempre escritas com dupla-negativa. Não descarta, não afasta, não nega... É evidente que há logo à partida uma diferença brutal no tecido social das duas cidades, causado pelo facto de Marselha ser uma urbe multi-étnica profundamente marcada pela emigração precária que recebe há décadas, enquanto uma das maiores portas de entrada de africanos na Europa através do Mediterrâneo, e de o Porto ter uma tradição de emigração, sim, mas de classes privilegiadas inglesas desde a construção das caves e da exploração do vinho tão apreciado como aperitivo pelos britânicos. Não é por acaso que André Villas-Boas, ele próprio antigo treinador do FC Porto e do Olympique Marselha, vai buscar os antepassados ingleses para justificar a ligação ancestral ao clube português, a “sensação de destino” que o leva a apresentar-se – ou, dito de forma mais rigorosa, que faz com que não impeça que o apresentem – como a via de entrada dos dragões numa era de “novas lideranças”. A questão, porém, não é só essa. Mais: nem sequer é fundamentalmente essa. Como se percebe até pela escolha do FC Porto como quarto melhor clube do Mundo deste ano para a IFFHS, a Federação Internacional de História e Estatística do Futebol, e pelas imensas dificuldades reveladas por Marcelino, que afasta liminarmente um regresso do OM aos títulos enquanto o poder estiver na rua, enquanto os grupos de adeptos radicais mandarem nas decisões executivas. A questão é que, sendo Marselha uma cidade muito menos privilegiada do que o Porto no plano social, o FC Porto conseguiu canalizar para si o fulcro da oposição a Lisboa, uma das traves-mestras da política de Pinto da Costa, enquanto que o OM só teve sucesso a sério quando meteu Paris dentro dele, quando nele pegou o parisiense Bernard Tapie. No fundo, equiparar os dois clubes neste ano de 2023 equivale a imaginar que Tapie tinha ficado no OM depois de pegar no clube em meados da década de 80 e de o ter conduzido rapidamente à hegemonia gaulesa e à que ainda é, hoje, a única vitória de um clube francês numa Liga dos Campeões. Imaginar que em Marselha ainda havia quem mandasse no clube. Difícil? Sem dúvida. Antes de mais porque a morte de Tapie, que fez na semana passada dois anos, nos chama a atenção para a finitude dos homens – e esse é um ponto a favor das tais “novas lideranças”, porque Pinto da Costa também não vai para novo. Mas sobretudo porque, apesar de um período como uma espécie de eminência parda atrás de António Pimenta Machado em Guimarães – quando foi afastado, com Pedroto, do FC Porto, entre 1980 e 1982 –, o presidente portista foi sempre uma referência do clube, enquanto que para Tapie o OM nunca foi mais do que uma ocasião para negócios. Como tinha sido a equipa de ciclismo La Vie Claire, que ele construiu para dar ambiente vencedor a Bernard Hinault e publicitar a empresa distribuidora que comprara por um franco simbólico, pois estava falida. O OM é hoje a confusão que é porque Tapie foi embora oito anos depois de ter chegado – e Tapie foi embora porque nunca esteve verdadeiramente dentro, porque os seus interesses eram sempre muito diversificados. O FC Porto cresceu no panorama do futebol nacional e internacional porque Pinto da Costa fez do clube a bandeira de uma região e se mostrou sempre presente, sem outras áreas de atuação (nem a política, onde facilmente teria sucesso...), muito provavelmente até depois de ter passado o prazo de validade – e isso só se saberá bem no dia em que ele sair. O grande desafio para Villas-Boas, que está indiscutivelmente preparado para os desafios da modernidade, é convencer as bases do clube que pode ser mais do que um Tapie, que a diversificação de interesses que mostrou até aqui foi puramente fruto das contingências e que, dele, podem esperar foco total. Se assim for, se o conseguir, pode deixar as duplas negativas e assumir finalmente a tal sensação de destino.
A normalização do sucesso. A seleção nacional está a uma vitória de se apurar para o Europeu de 2024, se essa vitória chegar já na sexta-feira, contra a Eslováquia, mas o assunto não causa o mínimo de “buzz” na atualidade. Vamos tendo as conferências de imprensa, veio o Dalot, veio o Leão, veio o Diogo Costa, mas nada do que eles disseram teve impacto – e acho que é isso que a FPF quer. Há muito para discutir acerca desta seleção, desde a cristalização da lista de Martínez, que nem quis substituir os lesionados Guerreiro e Horta e aproveitar para ver os excluídos de sempre em ambiente de treino, à complexidade tática que a equipa começou a assumir na última jornada dupla, contra a Eslováquia e o Luxemburgo, com final na estratégia a assumir pelo selecionador a partir do momento em que a qualificação esteja assegurada: vai ver mais gente ou aprimorar a ligação destes 24? Nada disto está na agenda, nuns casos porque a seleção não quer, noutros porque não interessa aos meios de maior audiência. É a normalização do sucesso de uma equipa que, fruto das parcerias e da raridade dos seus jogos em casa, tem sempre a garantia de estádio cheio. Eu, que cresci a ver a seleção a falhar fases finais e a jogar em estádios às moscas, não sou capaz de me queixar muito. Mas não custava muito ter um pouco mais de animação.
Caixinha não pede mais porque não precisa. Quem não tenha andado atento ao percurso de Pedro Caixinha pode agora ter ficado surpreendido com a sua eleição como melhor treinador de Setembro no Brasileirão, o mesmo campeonato que ejetou Bruno Lage, por exemplo. E há quem, alertado pelas notícias e só se lembrando do que ele fez na UD Leiria ou no Nacional, há uma década, depois de se emancipar da liderança de José Peseiro, se lembre agora de dizer que Caixinha merecia uma oportunidade. Vamos a ver: Pedro Caixinha treinou o Rangers, na Escócia, é certo que sem sucesso, mas liderou também o Santos Laguna e o Cruz Azul, com a conquista de troféus no exigente e tão equilibrado futebol mexicano. Chegou à Red Bull para liderar o braço brasileiro do projeto, o Bragantino, onde segue em segundo lugar, a nove pontos do Botafogo – e sabemos quão criteriosa é a escolha de treinadores para o projeto e a possibilidade de transferência entre clubes a ele pertencentes. Caixinha não pede uma oportunidade por uma razão muito simples. Não precisa.