Do complexo ao básico
Portugal ganhou à Croácia começando por exibir ideias complexas mas acabando a resistir no mais básico dos futebóis. Há (muito) espaço para melhorar, sobretudo na assimilação de uma ideia exigente.
Palavras: 1241. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
A seleção nacional abriu a Liga das Nações com uma vitória, um 2-1 à Croácia que, na prática, foi o primeiro sucesso de Roberto Martínez sobre uma equipa de Top20 mundial em ano e meio aos comandos do onze português, mas apesar de alguns bons momentos ofensivos na primeira parte e de uma solidez interessante na defesa de cruzamentos na ponta final, esteve longe de fazer um grande jogo. Martínez continua a tentar impor à equipa uma complexidade tática difícil de assimilar e ainda ontem se percebeu que, muitas vezes, os jogadores estavam um pouco perdidos nas tarefas a desempenhar, sobretudo no plano defensivo. “Com dois ou três dias de treinos é difícil”, reconheceu no final o selecionador, com razão, ainda que essa fosse a altura ideal para lhe recordar que nunca no recente Campeonato da Europa, para o qual o tempo de preparação foi maior, a equipa mostrou a qualidade ofensiva que se lhe viu no arranque da partida contra os croatas. O desafio passa por juntar a solidez do Europeu e a complexidade atacante da primeira parte de ontem.
Ontem, Portugal não foi só um híbrido – foi vários, porque além de ter duas estruturas logo no arranque, trocou-as por uma terceira em andamento. Partindo do 4x3x3 inicial, a equipa ia desdobrar-se no seu habitual 3x2x5 atacante sobretudo através das diagonais de Dalot da posição teórica de lateral direito para a de segundo médio – uma situação que não é nova e que, há um ano, tanto Dalot como Cancelo vêm desempenhando com frequência. A equipa construía com Rúben Dias, Gonçalo Inácio e Nuno Mendes atrás, lançava Dalot para perto de Vitinha ao meio e, na frente, abria Neto e Leão junto às linhas, metendo Bruno Fernandes e Bernardo Silva dentro, perto de Ronaldo. Dalot voltou a mostrar-se agressivo na exploração das entrelinhas, surgindo por vezes até como segundo avançado, forma de surpreender uma estrutura defensiva croata que foi desenhada a cinco e na qual a introdução do inesperado sexto atacante português causava problemas. Esta mobilidade valeu a Portugal um arranque muito forte no plano atacante, com os dois golos a nascerem de particularidades estratégicas: no primeiro foi a chegada à área de Dalot, no segundo a colocação de Nuno Mendes mais baixo em construção para dali fazer um excelente cruzamento que Ronaldo aproveitou bem. Pelo meio, houve ainda uma excelente ocasião após jogada coletiva, entre Bruno Fernandes e Leão, com tiro de Ronaldo frustrado por Livakovic.
Se o jogo estivesse nos 3-0 quando nasceu o golo da Croácia, não seria assim tão estranho. Mas não estava. E esse golo croata, a expor os perigos do um para um que Portugal estava a assumir atrás, provocou a mudança estratégica da equipa para a segunda parte. Até ali, os croatas tinham tido momentos de conforto na posse, mas dificuldades para criar situações de remate perigoso – chegaram ao intervalo com um índice de golos esperados de 0.2. Mas a forma como Kramaric bateu Inácio na direita e depois Sosa foi o primeiro a chegar ao cruzamento, do outro lado, para uma finalização que Dalot meteu na própria baliza, levou o selecionador nacional a reforçar o forte atrás. Até ao intervalo, Portugal defendia-se entre o 5x4x1 e o 5x3x2 – uma indefinição que pode ter nascido de alguma falta de disciplina de Leão, que ora baixava ora ficava na frente com Ronaldo. Esta situação tornava relativamente fácil aos croatas contornar Bernardo, Vitinha e Bruno e, em última análise, gerava o afundamento das duas linhas portuguesas perto da sua área. A Croácia atacava com três homens por dentro, todos muito móveis, tanto na forma como trocavam entre eles na largura como, sobretudo, como alternavam ataques à profundidade com movimentos de apoio nas entrelinhas. Ora a ideia que ficou foi a de que os jogadores de Portugal tinham dúvidas a respeito da melhor maneira de se oporem a essa mobilidade, hesitando acerca de quem devia subir em pressão se Pasalic, Kramaric e Baturina trocavam ou baixavam para ligar jogo.
Se era claro que, sem bola, Neto fazia de lateral-direito e Nuno Mendes fechava a esquerda, não estava a ser fácil evitar que os arrastamentos dos três homens de dentro (Dalot, Rúben Dias e Inácio) abrissem crateras no corredor central da defesa portuguesa. E se dois golos de vantagem permitiriam manter a ideia com algum à-vontade, com um, apenas, Martínez preferiu acautelá-lo com mudanças ao intervalo. Deu-se então uma descomplexificação da estrutura, com as entradas de Semedo para o lugar de Neto e de Neves para a vaga de Leão. Na segunda parte, passou a ser claro que Portugal se defendia em 5x4x1, com Bernardo, Vitinha, Neves e Bruno à frente dos cinco de trás. A equipa estava, desta forma, mais capaz de defender a largura à frente da sua última linha e de evitar o afundamento da linha média. Por outro lado, ofensivamente, a seleção ficou mais previsível e passou a arriscar menos, pois Dalot deixou de sair da posição e assumiu-se mesmo até final como defesa-central direito – o que não deixa de ser bizarro, havendo tantos defesas-centrais na convocatória. Este já era um 5x4x1 defensivo de manual, que no momento de atacar se transfigurava na mesma no 3x2x5, mas sem a modernice das missões duplas entregues a alguns jogadores: a construção a três, atrás, era feita pelos centrais, a largura era sempre dada pelos laterais, João Neves e Bernardo Silva alternavam na proximidade a Vitinha na linha média ou no apoio a Ronaldo na frente, a par de Bruno Fernandes. Essa simplificação, somada ao futebol também simples de Neves e Vitinha, começou por dar a Portugal maior segurança na posse, mas acabou por se revelar curta para manter o controlo da partida. E no final foi preciso sofrer com o maior assédio croata à área de Diogo Costa.
“Deixámos que a Croácia tivesse a bola nas áreas que queríamos”, considerou Martínez no final. O que se viu nos 20 minutos finais foi um jogo de sucessivos cruzamentos croatas, o que não deixou de ser um risco que talvez não tivesse sido necessário. A Croácia fez, ao todo, sete remates dentro da área portuguesa, cinco dos quais no último quarto-de-hora da partida, já depois de Martínez se ter preparado para esse assédio final com a entrada de António Silva, mais forte no ar que Inácio. Quatro desses remates foram feitos pelo gigante Matanovic, que Zlatko Dalic introduzira ao meio do ataque precisamente para responder ao aumento desse tipo de solicitações. O risco de uma destas finalizações correr bem estava lá – afirmar que a Croácia teve a bola onde Portugal quis que ela a tivesse seria mais acertado se, atraindo o adversário a esse jogo de cruzamentos, a seleção tivesse sido capaz de impedir as finalizações. Ainda assim, salvou-se o resultado, o que já não é nada mau. Começar a ganhar, frente a um adversário que faz figura de ser o mais forte dos três que teremos de enfrentar, é obviamente bom. Mas com tanto conservadorismo ao nível dos nomes que vai chamando, começa a ser estranho que Martínez depois se mantenha revolucionário nas ideias que quer ver em campo ou que alguns jogadores pareçam estar a ser confrontados pela primeira vez com tanta complexidade tática e estratégica.
Pelo que aqui li, foi um super jogo, este clube privado do Sr Martinez e afins conseguiu ganhar a uma equipa do top20, brilliant 💪💪💪.