De repente, tudo muda
O sucesso de Simone Inzaghi na ponta final da época do Inter veio mudar muita coisa no mercado de treinadores em Portugal. Haverá, neste momento, três vagas de topo na Europa. E muitos candidatos.
Dois golos de Lautaro Martínez deram ontem ao Inter o segundo troféu da época, a Taça de Itália, ganha na final de Roma à Fiorentina (2-1). Somada à conquista da Supertaça, contra o Milan, nas Arábias, e à presença na final da Liga dos Campeões, em Istambul, depois de ter eliminado o rival citadino na meia-final, este conjunto de resultados acaba por fazer da época nerazzurra um sucesso e por dar visto bom à continuidade de Simone Inzaghi. Mesmo falhado o objetivo scudetto, ganho por um SSC Nápoles avassalador, a avaliação feita pelos chineses que mandam no clube é positiva e Inzaghi, que por alturas das eliminatórias contra o FC Porto e o Benfica tinha um pé fora, abrindo caminho a uma interessante luta pela sucessão, ganhou lastro para mais um ano, fechando um pouco mais o mercado de treinadores em Itália. É certo que Luciano Spaletti vai deixar Nápoles, que já não pode nem ver o dono do clube, o produtor cinematográfico De Laurentiis, e que isso terá os seus efeitos, porque para o lugar dele já se apontam como alternativas o espanhol Rafael Benítez – um mistério, como continua sempre a aparecer o nome dele nestas coisas... –, mas também Thiago Motta (Bolonha), Gianpiero Gasperini (Atalanta) e Vincenzo Italiano (Fiorentina). E se for um dos italianos o escolhido para o sopé do Vesúvio, isso pode implicar algumas movimentações em clubes “europeus” da Serie A, ainda atrativos para técnicos de topo em mercados periféricos como o nosso. Ainda assim, uma coisa seria uma chamada de um Inter e outra, bem diferente, é o apelo de uma Atalanta ou de uma Fiorentina. Será suficiente para fazer vacilar técnicos que são de nível-Champions em campeonatos como o português? Depende muito das convicções. Mas é inegável que este sucesso do Inter foi o clique que fez com que, de repente, mudasse tudo – até em Portugal. É a aplicação da teoria do caos ao futebol, a recordação do efeito borboleta. Disse ontem no Futebol de Verdade que acredito que os quatro principais clubes da nossa Liga vão manter os treinadores. Não tenho dúvidas de que Schmidt continuará no Benfica, porque a única coisa que poderia tirar-lhe mais um ano na Luz seria a aliança do insucesso com uma súbita vontade de voltar a casa – coisa que ele contrariou, primeiro ganhando jogos e depois renovando contrato. Da mesma forma, tenho algumas dificuldades em entender as notícias repetidas acerca da eventual saída de Rúben Amorim do Sporting. É que a não ser que Jorge Mendes, Luís Campos ou Antero Henrique lhe entregassem à socapa um salvo-conduto para subir uns lugares nas filas para assumir um grande clube, Amorim ainda está atrás de gente como Julian Nagelsmann, Arne Slot ou Roberto De Zerbi entre os mais promissores do futebol europeu. E a lista de vagas que vão abrir lá em cima não é assim tão extensa: Tottenham, Paris Saint-Germain e pouco mais. Artur Jorge pode até acabar por sair de Braga se o clube repetir com ele o “complexo-Salvador”, a ideia segundo a qual o treinador ali é o menos importante para o sucesso – mas mesmo que saia, só poderá fazê-lo para um clube de topo em mercados ainda mais periféricos do que o nosso, apesar de eventualmente mais ricos, como o grego, o turco ou os do golfo. Resta Sérgio Conceição, que já fez seis anos no FC Porto. Uma Atalanta ou uma Fiorentina até seriam apelativas, mas não são um Inter. Se tenho poucas dúvidas de que, ante a possibilidade de mandar na metade nerazzurra de San Siro, Conceição a acharia suficientemente atrativa, não creio que tal suceda se falarmos de um clube de classe média-alta da Serie A. Dinheiro não será seguramente a maior motivação do treinador do FC Porto. No fim, tudo vai resumir-se a convicções. E ainda acredito que as dele estão no trabalho que está a desenvolver.
Os papistas e a auto-defesa. Javier Tebas, o presidente da Liga Espanhola, já recuou – ou foi levado a recuar – e pediu desculpa pela interpretação que deram às suas palavras em reação aos incidentes racistas com Vinicius Jr. “Não era minha intenção, mas se a maioria interpretou assim, é seguramente porque não me expressei bem”, disse. Além disso, a Liga desenvolveu uma vasta ação de combate ao racismo, fazendo os jogadores entrar com T-Shirts alusivas. O energúmeno que insultou o brasileiro do Real Madrid foi banido por toda a vida dos estádios e, como depois da expulsão de Vinicius houve cânticos vindos da bancada Mario Kempes – e não é possível afastar os milhares de pessoas que lá estavam –, esta vai ser interditada por um tempo. As instituições, afinal, mexem-se. Mas o problema nestas coisas nunca foi o Papa. Foram e serão sempre os papistas. O problema foram os meios afetos ao Valência CF, que resolveram culpar o jogador pelas provocações – como por cá se culpam os jogadores que vão celebrar golos virados para aqui ou para ali pela irracionalidade da reação de quem está a ver. Foi a própria Liga que, pelas palavras do presidente, optou por valorizar a falta de empenho dos jogadores milionários nesta luta que tem de ser travada todos os dias. É a defesa de um “statu-quo” de podridão que nos leva muitas vezes a ações que, depois, se formos capazes de dar um passo atrás, verificamos que nos envergonham. E a questão é que nem tudo na vida tem a dimensão deste caso Vinicius.
O exemplo Southgate. Não sou grande adepto do treinador Gareth Southgate, mas a cada dia gosto mais de o ouvir. Não por causa de explicações futebolísticas, que nisso ele não é nenhum Guardiola e acaba por ser mesmo bastante básico. Gosto, por causa do seu entendimento da condição humana. O que Southgate disse ontem acerca de Ivan Toney, atacante do Brentford FC, que na semana passada foi suspenso por oito meses por violar as regras da Premier League relativas a apostas – os jogadores não podem apostar – devia fazer pensar o legislador. Porque o que o selecionador inglês contesta não são os oito meses de afastamento. É, sim, o facto de nos primeiros quatro desses oito meses, até final de Setembro, portanto, o jogador não poder sequer treinar com os colegas. E, lá está, a ideia de Southgate pode ser contrária aos interesses de uma justiça castigadora e nessa medida preventiva, mas faz todo o sentido na perspetiva da futura reintegração de um jogador que, aos 27 anos, ainda terá muito para dar.