As dores de crescimento
O melhor Sporting dos clássicos foi o do arranque da Supertaça e da reação na Liga. O melhor FC Porto foi o que virou em Aveiro e o de início do jogo em Alvalade. Ontem tivemos as versões menos más.
Palavras: 1227. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
A primeira meia-final da Taça da Liga com esteroides que este ano ainda nos é servida por cá, antes da exportação, fracassou na componente da espetacularidade, porque alguém se terá esquecido de dizer aos dois treinadores que ela valia mais do que aquele que era o verdadeiro objetivo de cada um deles – marcar presença na decisão de sábado. O Sporting e o FC Porto entraram em campo mais preocupados com a capacidade de anular as principais armas dos adversários do que com a mente centrada no desenvolvimento das forças próprias e isso deu-nos um jogo amarrado, pouco criativo, resolvido na única ocasião flagrante de golo que teve, que foi o passe de Quenda a deixar Gyökeres na cara de Cláudio Ramos, à entrada da segunda parte. Ao terceiro clássico que disputaram esta época, depois da Supertaça e da partida de campeonato em Alvalade, ambos com duas caras dentro de si mesmos, Sporting e FC Porto deram-nos um jogo de semblante único, mais sombrio, em cujos 90 minutos tiveram acima de todos os outros o mérito de mostrar que aprenderam com os erros cometidos antes. Soube a pouco, mesmo que tenha deixado claro por onde é que uma e outra equipa têm espaço de crescimento.
O melhor Sporting dos clássicos tinha sido o que chegou aos 3-0 em 24 minutos – e falhando mais uma ocasião flagrante pelo meio – na Supertaça de Aveiro ou o que respondeu a um primeiro quarto-de-hora pressionante e ambicioso do FC Porto no campeonato com um jogo dominador nos outros 75 minutos, a valer uma vitória clara. O melhor FC Porto dos clássicos tinha sido o que virou de 3-0 para 4-3 na Supertaça e o que entrou a mandar em Alvalade, por conta de um bloco alto sempre alimentado por uma boa pressão. Mas isso foi em Agosto, um jogo a abrir o mês e o outro a fechá-lo. Ontem, Sporting e FC Porto quiseram sobretudo dar-nos a certeza de que aprenderam com os erros. O FC Porto voltou a dizer-nos que acredita na pressão, mas a dada altura pareceu recuar na intenção, com receio de dar a profundidade ou a largura. Vítor Bruno pediu a Eustáquio, Nico e Mora que fossem condicionar Morita, Trincão e Hjulmand em momento de início de construção, mas já não reagiu quando Rui Borges baixou o japonês para perto dos centrais, trocando a saída a quatro pela saída a três, ou quando Quenda passou a invadir cada vez mais o espaço interior, abrindo espaço por fora para as variações de flanco. O Sporting reforçou que crê na busca da profundidade e nas basculações ofensivas a que o treinador aludiu no final do jogo, mas meteu sempre menos gente do que precisava no processo, sobretudo porque se castiga a partir do início, por exemplo quando prefere centrais convencionais a construtores, capazes de causar os primeiros desequilíbrios desde o momento de saída.
O jogo, visto dos dois lados, podia ser a inversão da velha máxima leninista, configurando um passo atrás para depois dar dois em frente. Houve uma consciencialização das dificuldades, que é fundamental para que, depois, partindo de uma plataforma bem mais estável, se possa buscar o crescimento. É curioso que, depois da montanha-russa que foi a Supertaça, os dois clássicos da fase madura tenham sido lançados mais ou menos nas mesmas bases: início forte do FC Porto, graças a um posicionamento mais alto e agressivo da sua pressão, seguido de uma boa resposta do Sporting, tenha ela sido fruto de ajustes estratégicos próprios ou de um afrouxar que a fadiga ou a dúvida tragam à pressão contrária. A questão é que para o FC Porto criar perigo precisa de estar subido, de pressionar alto, porque essa é a melhor forma de dar a Rodrigo Mora o espaço para desequilibrar, deixando-o mais vezes em situações de um para um e sem depender tanto do recuo de um dos extremos para a segunda fase de construção de forma a abrir-lhe a ala, como ontem sucedeu com André Franco. O período de pressão portista até foi mais duradouro ontem do que tinha sido em Agosto – durou até à meia-hora, quando há cinco meses se extinguira por volta dos 15’. Mas, tal como no jogo de campeonato, extinguiu-se sem dar à equipa de Vítor Bruno a liderança no marcador. Aliás, em 300 minutos de clássicos com o Sporting esta época, o FC Porto só esteve em vantagem nos últimos 19 do prolongamento da Supertaça. E, se entre os 16’ e os 60’ minutos do jogo de campeonato, os dragões tinham feito apenas um remate (Galeno, com um xG de 0,03), ontem, entre os 30’ e os 60’, nem remataram. E depois, quando precisavam de recuperar no marcador, acumularam cruzamentos sem real perigo, a ponto de terem metido o primeiro remate enquadrado com a baliza já em período de descontos – e de esse ter sido um disparo feito a meio do meio-campo ofensivo por um Otávio já em desespero.
As diferenças entre o jogo do campeonato e o de ontem estiveram até mais nas dificuldades criativas de que sofre o Sporting desde que mudou posicionamentos e dinâmicas, inibindo a capacidade da equipa para ferir os adversários, mesmo quando tem mais volume de jogo – e muito mais quando o não tem. Sim, os leões voltaram a contrariar o início prometedor do adversário, saltando para o lugar do condutor do meio da primeira parte até ao momento em que se colocaram em vantagem no marcador, mas mesmo aí, nesse período de domínio, foram menos ameaçadores do que tnham sido em Agosto: foram cinco remates ontem, entre a meia-hora e o golo, marcado aos 56’, com um índice de golos esperados (xG) total de 0,79, contra 13 tentativas entre o quarto-de-hora e o golo, aos 72’, em Agosto, com um xG total de 2,75. As razões serão certamente muitas, a começar pela busca de conforto de alguns jogadores nas suas novas posições – Trincão é exemplo perfeito disso, não tanto por jogar mais dentro mas por jogar mais recuado – mas a fundamental parece ser a dificuldade que a equipa tem tido para criar desequilíbrios desde trás. É sintomático que Debast, o central leonino que é mais forte a construir, ainda não tenha jogado um minuto com Rui Borges, que prefere ter ali jogadores mais convencionais e centrados no aspeto defensivo da tarefa. Essa opção, a somar à adoção da saída a quatro, em rombo, em detrimento da saída a três, que permitia mais risco ao portador da bola, por ter o espaço interior mais preenchido em “rest defense”, deixa-me bastante curioso acerca do que vai Rui Borges fazer com Gonçalo Inácio, outro central que é mais capacitado a construir do que a destruir e que tem estado lesionado mas que, até por ser internacional, tem estatuto de titular.
Sporting e FC Porto sabem bem por onde podem crescer. Resta saber se terão a vontade de o fazer, porque o crescimento implica riscos que os dois treinadores ainda não deram a certeza de querer assumir.
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A moda do central que constrói e do guarda redes que joga com os pés, parece ter feito esquecer da principal função de ambas as posições. Não entendo o gosto pelo Debast que é mau na sua principal função: defender. Talvez fosse um bom médio, porque saber sair a jogar é curto para um central, a quem não se pode admitir falhas de concentração.
A taça da Liga prosegue hoje com a segunda meia final, que lendo algumas primeiras páginas dos jornais de hoje ficamos a saber que o Benfica deve jogar sozinho porque não fazem nenhuma referência ao adversário. Continuação de bons jogos e até sábado. Um abraço ao AT