Cuca não casa com Corinthians
Cuca não devia ter sido forçado a demitir-se de treinador do Corinthians, por uma razão simples: ele nunca devia ter sido contratado. Pode trabalhar em muito local, mas não ali.

Cuca demitiu-se do cargo de treinador do Corinthians seis dias depois de ter sido contratado para render Fernando Lázaro e o episódio podia até passar despercebido dentro da maluqueira geral que é o futebol brasileiro na contratação e despedimento de treinadores não fosse a sua dimensão moral. O que esteve em causa foram acontecimentos de 1987, quando Cuca, que hoje tem 59 anos, ainda jogava no Grêmio e foi condenado, com outros três companheiros de equipa, pela agressão sexual a uma menina de 13 anos, na Suíça. Os quatro estiveram detidos em Berna por um mês, mas a diplomacia brasileira acabou por conseguir forçar os regressos a casa antes do julgamento, do qual saíram condenados a penas que nunca cumpriram, por não haver na altura acordo de extradição entre os dois países. Pode parecer parvo que, tanto tempo depois, tendo Cuca uma carreira de 25 anos como treinador, com passagem por quase todos os grandes clubes do Brasil, tenha sido isso a forçar a sua saída do Corinthians. Mas não é. E não é porque o Corinthians é um clube especial dentro dessa maluqueira que é o futebol brasileiro. Foi ali, no Timão, que nasceu, no início dos anos 80, em contraciclo com a ditadura militar que ainda aferrolhava o país, o movimento que o jornalista Juca Kfouri então batizou como democracia corintiana. A democracia corintiana tinha tantos tentáculos como um polvo mas talvez não mais do que um par de cabeças, como a quimera. Tinha muitos braços porque estendia a sua ação das decisões de gestão corrente e desportiva do clube, tomadas através do voto de todos os funcionários, à consciencialização dos cidadãos, para os levar a votarem nas eleições para governador do estado, que o regime decidira permitir pela primeira vez em muito tempo. A primeira parte era uma tolice, a segunda foi um serviço importantíssimo que o movimento prestou ao país, que começava nessa altura a acordar para a modernidade. E tinha só um par de cabeças, porque nasceu ali sobretudo por causa das mentes altamente politizadas de Sócrates e Wladimir, jogadores e ativistas, que foram importantes no fervilhante ambiente social que levou, entre outras coisas, à criação do movimento popular “Diretas Já!”, a exigir o regresso das eleições diretas para o cargo de Presidente da República. Há quem diga que a democracia corintiana não foi mais do que uma ação de marketing – e também foi, ou não fosse uma das suas mentes o publicitário Washington Olivetto, que arregimentou para o movimento gente como a cantora Rita Lee, que levava os jogadores ao palco nos concertos, ajudando a difundir as ideias do movimento, ou argumentistas da Globo, que transportavam o tema para novelas como “Vereda Tropical”, de 1984, escrita em torno da história de Luca, um futebolista meio bronco que foi parar ao Corinthians e às suas peripécias. Passaram já 40 anos desde o movimento, como passaram quase os mesmos 40 sobre o caso de abuso sexual de uma menor pelo qual foi condenado Cuca na Suíça, pelo que a ligação dos dois eventos pode parecer forçada. Por que razão é que um indivíduo que errou mas aparentemente nunca mais reincidiu no erro tem de carregar o rótulo de violador de menores para o resto da vida? Não tem. O que Cuca fez em 1987 foi uma atrocidade; a campanha movida contra ele agora nas redes sociais, levando à invasão da privacidade da sua família, não é nem de perto nem de longe tão grave mas devia também ser crime. O cidadão Cuca tem hoje o direito a não ser julgado e rejulgado por um crime antigo, tem o direito ao recato da vida familiar. O treinador Cuca tem o direito a trabalhar sem ter de ser recordado a cada cinco minutos de um crime que cometeu quando tinha 24 anos, acabara de chegar ao Grêmio e sonhava com o estrelato. Mas juntar Cuca e Corinthians numa mesma frase foi um erro fatal, porque o clube continuou, depois da democracia corintiana, na vanguarda das preocupações sociais e políticas, lançando campanhas como a “Respeita as Minas”, a cavalgar a onda do movimento internacional “Me Too”. Cuca não devia ter sido forçado a demitir-se do Corinthians por uma razão muito simples – ele nunca devia ter sido contratado.
Deixem-me trabalhar. Roberto Martínez, já se tinha visto, é um tipo muito inteligente. Ele até sabe ser incisivo e perspicaz quando fala de futebol – mostrou-o, por exemplo, enquanto foi comentador da Amazon Prime –, mas se a missão que está a desempenhar é a de selecionador de Portugal, se quem lhe paga é a FPF e não uma qualquer empresa de media, o que ele tem de fazer é passar o mais despercebido possível. Na primeira entrevista que Martínez concedeu a um meio de comunicação português, no caso à Antena 1, o espanhol repetiu a receita que já utilizara nas primeiras intervenções públicas. Voltou a distribuir elogios inesperados, agora a Toti Gomes e André Almeida, voltou a capitalizar simpatia com aquilo que disse acerca da competitividade da Liga Portuguesa ou da dificuldade do trabalho dos árbitros, manteve Pepe e Cristiano no tanque de criogenização em que eles têm de estar, porque não será por certo por decreto que eles serão afastados das suas escolhas – isso só o rendimento deles poderá fazer. Em suma, de Roberto Martínez não se esperam nem revelações extraordinárias nem pensamentos profundos ou inovadores. Depois de o ouvir, ninguém vai ficar a pensar: “Olha que...” Mas, lá está, também não é para isso que lhe pagam. O trabalho dele é outro, agora é deixar que ele o faça.
O Plano A e o Plano B. Ainda ontem aqui escrevi sobre a dificuldade que apresenta o domínio de mais do que uma variante tática por parte de uma equipa. Fi-lo para elogiar o trabalho de Guardiola, cujos sete anos de competência no City permitem hoje à equipa jogar de formas variadas. Mas isto não é coisa que se consiga num piscar de olhos. E não é só – ainda que também seja – por se terem jogadores mais ou menos competentes. O Tottenham tinha apanhado cinco golos em 20 minutos do Newcastle United porque nesse dia o treinador se tinha lembrado de inovar e de aparecer com uma linha de quatro atrás. Foi catastrófico. Daí que ontem, contra o Manchester United, tenha voltado à linha de cinco. E seis minutos foram suficientes para se ver que a equipa também não domina bem os espaços de aproximação e cobertura neste sistema, porque estava tudo mal nos posicionamentos de Porro e Romero no golo com que Sancho abriu o marcador no que acabou por ser um empate a dois. Como vos disse ontem, estas coisas deviam vir com uma advertência: “Não tentem isto em casa”. Ou pelo menos não o façam sem o contributo de um técnico qualificado.
Ontem, pode ter-lhe escapado:
Guardiola contra os guardiolistas
Se há coisa que me convence do génio de Pep Guardiola é a forma como o treinador catalão arrasa sucessivamente uma série de dogmas e força o dobrar da já de si sinuosa coluna vertebral do séquito de…
O direito á opinião é sagrado! E não intenciono questionar sequer a opinião do Sr Tadeia.
Mas, em relação ao Cuca, desculpe, o tom, deixou-me agoniado.
"Por que razão é que um indivíduo que errou mas aparentemente nunca mais reincidiu no erro tem de carregar o rótulo de violador de menores para o resto da vida?"
-Bem, por duas razões: 1) um homem de 24 anos é bem responsável pelas suas ações e não uma criança deslumbrada ou "sonhando com o estrelato"; 2) Cuca nunca cumpriu a pena, nunca pagou a indemnização, nunca se retratou, e, pelo contrário, continua a negar apesar de em 87 ter dito "Fiquei com a impressão de que ela [vítima] tinha 18 anos”.
Sr Tadeia, com todo o respeito, eu não consigo embarcar nesta nova tendência na Sociedade Portuguesa de desculpabilizar os criminosos e fazer deles as vítimas!
Os agressores sexuais de crianças são os maiores monstros que a sociedade pode gerar! As suas horrendas ações deixam sequelas para a vida toda nas vítimas!
O Cuca tem direitos?! O Sr repete três vezes a palavra "direito"! Mas, o Cuca não pagou a sua dívida para com a sociedade nem para com a vítima! Sobretudo, faltou a reparação á vítima! Portanto, Cuca não tem direitos!
Sr Tadeia, mais uma vez peço desculpa, por este abuso em comentar a sua opinião. Ainda para mais, não tendo nada a ver com futebol. Não o quero antagonizar, confrontar, muito menos insultar ou algo do gênero. Mas, é um tema que me toca, e me causa alta comoção e não consigo conter-me.
O Cuca não devia ter ser forçado é verdade. Mas tbm concordo que nunca devia ter sido contratado. O que acontece é que muitas vezes os dirigentes se esquecem que os adeptos têm memórias.