Casa onde não há pão
A marcação da Supertaça para 31 de Julho abriu o novelo da polémica. Devia ser mais tarde, porque o Benfica esteve no Mundial de clubes? Ou a data é boa porque lança os encarnados na Champions?
Palavras: 1461. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no Telegram).
Está o caldo entornado, é verdade que mais nas contas de Twitter e nas declarações públicas de vários comentadores que defendem os dois clubes na televisão do que entre os clubes propriamente ditos, à conta da data da Supertaça. Sporting e Benfica vão defrontar-se, a 31 de Julho, naquela que é há anos a abertura oficial da época de futebol em Portugal e, tanto de um lado como do outro, esgrimem-se argumentos contra ou a favor da data que ambos definiram, em conjunto com a FPF, já se sabendo quais iam ser os compromissos de cada um. A data apresenta-se como mais problemática para o Benfica, que teve o Mundial a prolongar-lhe a época competitiva até 28 de Junho, mas ao mesmo tempo é só parte do problema, pois os encarnados também terão de jogar a muito mais decisiva terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões, cinco dias à frente. O calendário é insano? É. Mas não é por causa da Supertaça.
Quem me segue há mais tempo sabe que fui sempre contra alterações dos calendários a nível nacional para favorecer quem compete internacionalmente. Mesmo quando fomos colocados ante facilidades dadas, por exemplo, pela Eredivisie aos clubes dos Países Baixos, que estavam a ultrapassar os portugueses no ranking da UEFA, mantive a mesma ideia: alterar datas de provas nacionais para acomodar interesses de quem compete lá fora equivale a introduzir um fator de desigualdade competitiva no plano interno, porque quem está na Liga dos Campeões – ou no Mundial de clubes – recebe para lá estar e não vai depois distribuir a receita por quem lá não está. O racional do pensamento é simples. Se um clube português tem uma eliminatória europeia pela frente e o adversário beneficia do adiamento do jogo entre as duas mãos para se focar na tarefa, isso quer dizer que o clube português também deve beneficiar? Admitamos que sim. Mas, depois, isso não prejudica aqueles com quem esse clube português compete por cá, que têm de fazer os seus jogos nas datas previstas, o que se calhar também não lhes dá assim muito jeito? E, mais, se o clube português atingir os seus objetivos, se receber os 40 milhões a que equivale a entrada numa Liga dos Campeões, vai depois distribuí-los irmãmente por quem aceitou sacrificar a sua vida para lhe acomodar os interesses? Isso é que não, não é? Não seria mais normal aceitar que, se um clube anda na Champions, tem receita para se apetrechar a ponto de não ser afetado por um calendário mais sobrecarregado do que o de quem lá não está?
Nos Países Baixos, porque a ultrapassagem no ranking leva a que sejam sempre apresentados como modelo a seguir por quem defende que se privilegiem os que nos representam lá fora, além dessas medidas protecionistas há ainda direitos televisivos centralizados e divididos de forma mais igualitária e redistribuição de uma percentagem das verbas ganhas na Champions por todos os clubes profissionais. Estamos prontos para alargar a discussão até aí? Não, pois não? Porque por cá vemos sempre as coisas na perspetiva dos grandes. É normal, que 95 por cento dos adeptos de futebol puxam por um de três clubes. Mas esse desequilíbrio sociológico não tem de ser ainda enfatizado com medidas protecionistas. E é aqui que me dizem: mas se neste caso estamos ante uma ‘disputa’ entre dois desses clubes, o que é que interessam os pequenos e médios? É verdade, sim. Benfica e Sporting fazem parte dos beneficiados pela nossa demografia, mas a regra tem de ser universal. E quem se lembra da balbúrdia que era a Supertaça quando se jogava a duas mãos e apenas quando dava jeito, às vezes chegando a prolongar-se para a época seguinte àquela em que devia ser disputada, e a compara com a dignidade que a prova ganhou quando foi transformada em abertura oficial da época não há-de querer voltar a esse passado sombrio. A Supertaça é para abrir a temporada, da mesma maneira que a final da Taça de Portugal deve encerrá-la. E é aqui que se funda a razão do Benfica – porque depois da final da Taça de Portugal ainda teve de competir por mais um mês. Insano!
O problema, na perspetiva do Benfica, não é a data que acordou com o Sporting e a FPF para a Supertaça, quando já sabia que ia jogar o Mundial de clubes – e o jogo até foi antecipado em dois dias, para uma quinta-feira à noite, em vez de se jogar no sábado ou no domingo, como devia ser, para que os encarnados tivessem mais dois dias de recuperação antes de começarem a jogar as pré-eliminatórias da Liga dos Campeões. O problema, na perspetiva do Benfica – e de todos os outros clubes que lá estão – é o Mundial de clubes e o facto de ele ter sido metido a martelo no calendário sem ter sido conseguida a necessária articulação da FIFA com as federações nacionais e as confederações continentais. E o tema só não é tão grave quando se vê da perspetiva das Big Five, porque lá a competição começa mais tarde do que em Portugal. O Real Madrid, que ainda está em prova nos Estados Unidos, só tem a primeira jornada da Liga Espanhola marcada para 19 de Agosto. O Paris Saint-Germain, que vai jogar a meia-final do Mundial com os Merengues, abre a jogar a Supertaça Europeia, no dia 13 – e não consta que o jogo vá ser adiado. O Chelsea, a outra equipa vinda da Europa ainda em competição, começa a Premier League a 17 de Agosto. O Bayern Munique, que foi eliminado do Mundial uma semana depois do Benfica, joga a Supertaça, na abertura da temporada alemã, a 16 de Agosto, duas semanas depois da portuguesa.
Todos eles terão ali mais umas semanas para descansar, que as épocas por lá começam mais tarde. Mas já pensaram porque é que as épocas lá começam mais tarde? Porque, regra geral, as equipas das Big Five não jogam pré-eliminatórias europeias, apuram-se diretamente para as fases de Liga. Ainda me lembro, em meados da década de 80 do século passado, de estar a acabar as férias, de os clubes portugueses andarem a jogar Torneios de Verão, e de já haver campeonato francês a carburar, ainda em Julho. Era a tradição do país, mas não era só – é que os franceses depois paravam durante um mês no Inverno e, por isso, tinham de antecipar o início da Liga. Como o faziam os alemães, cuja Bundesliga começava invariavelmente antes do nosso campeonato. Neste momento, os arranques de época diferenciados em cada país já não têm a ver com a tradição, mas sim com fatores práticos que, além do clima nos meses de Inverno, inviabilizam à nascença qualquer ideia de um calendário internacional unificado que tanta falta nos faria. Os países cujos clubes começam a jogar logo as primeiras eliminatórias europeias não podem atrasar o início das competições nacionais, sob risco de deixarem a continuidade na UEFA nas mãos de equipas em fases competitivas demasiado pueris. O RB Salzburgo, que também esteve no Mundial de clubes, começa a jogar o campeonato austríaco no dia 2 de Agosto, uma semana antes do português, porque também entrará nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões logo à segunda ronda, a 23 de Julho, duas semanas antes do Benfica. E um dia antes do SC Braga, que vai abordar o duelo com o Levski Sofia ou o Hapoel Beer Sheva sem ritmo de competição.
A data da Supertaça está a ser usada como arma de arremesso por dois clubes cuja rivalidade acirrada os leva a não quererem sequer encarar a hipótese de perderem com o outro. Serve-lhes, logo à partida, de justificação prévia para a possibilidade de as coisas correrem mal. Uma análise mais cuidada ao tema diz-nos que não, que não se devia jogar a 31 de Julho, porque a data correta seria o fim-de-semana seguinte, 2 ou 3 de Agosto, de maneira a poder acomodar adeptos que não estejam de férias. Isso quer dizer que os que vieram já defender as dores do Benfica estão errados na argumentação? Não. Estão certos. Porque não faz sentido nenhum que uma equipa que jogou o Mundial até finais de Junho esteja a jogar uma Supertaça e uma ronda preliminar da Liga dos Campeões um mês depois. Os calendários do futebol estão todos mal e, assim sendo, até se inverte o ditado popular: casa onde não há pão, todos ralham e todos têm razão.
Nota: O Último Passe vai estar aqui de segunda a sexta-feira até 14 de Julho, um dia depois da final do Mundial de clubes. A 15, o primeiro dia útil de defeso, sairá a primeira edição dos Reis da Europa, que depois seguirão a correnteza normal, com todos os campeões nacionais desta época, da Albânia à Ucrânia, numa periodicidade que eu gostava que fosse diária mas que ainda não sei se conseguirei manter tão frequente - até porque há um livro novo em fase de conclusão e o prolongamento da época de futebol levou a que me atrasasse com a fase de escrita... A 4 de Agosto, com o início de 2025/26, voltará o Último Passe, mas em versão vespertina (às 19h), eventualmente não diária. A minha crónica de opinião será um dos conteúdos, esses sim diários, oferecidos apenas a subscritores Premium, mas poderá alternar com outros textos. A partir de 4 de Agosto, também, mas logo pela manhã, terei para vós (para todos, que este será conteúdo gratuito) a Entrelinhas diária, uma leitura de cinco minutos com tudo aquilo que precisam de saber para manter as conversas sobre futebol nas pausas para café no trabalho.
Primeiro nao faz sentido nenhum uma final a uma quinta feira e nao no fim de semana.
Segundo a final foi marcada pela FPF e pelos dois clubes e já se sabia que o SLB ia ao Mundial de Clubes, e ambos concordaram portanto também aí não vejo drama, nem vejo que tenha mudado nada.
É o futebol moderno que temos. Ao SLB cabe apetrechar-se com mais 2 Brumas e 2 Belottis para ter plantel para responder a todas as frentes.
Sim que isto não é só gritar aos ventos que estamos no Mundial de Clubes.