Benzema falha o Mundial
Começa com a notícia da ausência do Bola de Ouro a newsletter Entrelinhas, que vai acompanhá-lo durante o mês do Mundial 2022. Mas há mais para ler e muitos links para seguir
Karim Benzema não vai jogar o Mundial. A notícia é um rude golpe para a equipa francesa, que se vê privada do Bola de Ouro, mas também para o próprio jogador, que já tinha ficado fora da edição de 2018, depois de ter sido considerado culpado de chantagem ao colega de seleção Valbuena à conta de um vídeo íntimo de que se tinha apropriado. Desta vez foi o físico a impedir aquele que foi votado o melhor jogador do Mundo em 2022 de jogar um Mundial que muito provavelmente seria o seu último, uma vez que fará 35 anos durante a fase final. Vincent Duluc dedicou-lhe, como não podia deixar de ser, o editorial da edição de hoje do jornal L’Équipe.
O dia podia ter sido de esperança para Benzema. Ia começar a treinar com a equipa depois de ter estado a trabalhar à parte, devido a fadiga muscular, mas no final da sessão de treino sentiu uma dor na coxa esquerda que o levou a parar. Fizeram-lhe exames que confirmaram uma lesão muscular que o obrigará a parar durante três semanas. O jogador ainda não falou aos jornalistas, mas apresentou a renúncia nas redes sociais: “Na minha vida nunca desisti de nada, mas esta noite tenho de pensar na equipa, como sempre fiz. Assim sendo, a razão diz-me que devo deixar o meu lugar a alguém que possa ajudar o nosso grupo a fazer um belo Mundial”, escreveu. Didier Deschamps, o selecionador francês, terá até amanhã para decidir se chama um substituto ou se segue apenas com 25 jogadores, sendo Ben Yedder, do AS Mónaco, Martial, do Manchester United, ou Diaby, do Leverkusen, os maiores favoritos à vaga.
Quanto ao onze titular, parece cada vez mais evidente que Giroud será o ponta-de-lança do ataque à renovação do título de uma França que já sabia que não iria ter Pogba e Kanté e que recentemente perdera também, em treino, Nkunku. Fala-se ainda numa atitude bastante mais defensiva, de acordo com a ideia preferida de Deschamps, e a apostar na qualidade dos três jogadores que suportarão Giroud, que deverão ser Dembelé, Griezmann e Mbappé. E numa equipa apostada em cerrar fileiras dentro do grupo, de forma a evitar a maldição dos campeões – os três últimos e quatro dos derradeiros cinco ficaram na fase de grupos do Mundial seguinte –, de preferência com menos interferência nefasta dos familiares do que tem sido habitual. Aliás, o L’Équipe revela que a Federação Francesa decidiu desta vez não pagar a viagem ou a estadia dos acompanhantes designados pelos jogadores. A decisão é apresentada como puramente económica – só em caso de qualificação para os oitavos-de-final é que a FFF patrocinará uma visita oficial das famílias, que tantos problemas causaram durante a fase final do Europeu do ano passado, por exemplo.
E quem também tem tido de passar por cima de muitos problemas causados pelo contexto é a seleção portuguesa. Não se trata dos familiares, mas sim do tema-Ronaldo. Não se fala de outra coisa. Embora Arrigo Sacchi, ex-campeão europeu no Milan e ex-selecionador italiano, tenha dito em entrevista hoje publicada pela Gazzetta dello Sport, que Portugal é, a par da Espanha, uma das seleções que pode surpreender neste Mundial, precisamente porque, além de Ronaldo, “tem jogadores de grande qualidade”, “como Leão e Bernardo Silva”, se Portugal é notícia na imprensa internacional é geralmente devido ao conflito que a entrevista do CR7 provocou com o Manchester United. Hoje, o Diário AS diz que há “200 jornalistas à espera de Cristiano no Qatar”, optando por abordar por aí o espaço dedicado à seleção nacional. E esse tem sido o tom de todas as conferências de imprensa dadas pelos jogadores nacionais. Ontem foi a vez de Bernardo Silva, chamado a responder vezes sucessivas acerca do problema de um jogador que não é ele com um clube que não é o dele. Causa-me alguma perplexidade que os jornalistas presentes não tenham outro ângulo de abordagem a não ser um que não vai, como é evidente, dar quaisquer frutos e redunda sempre na recusa polida dos inquiridos falarem sobre o tema, mas esse é naturalmente um dos preços a pagar por uma modernidade em que até já temos selecionadores em streams interativos com os adeptos. Aqui está o último feito por Luís Enrique, selecionador espanhol, na plataforma Twitch.
Num dos raros momentos da conferência de imprensa em que não se falou de Ronaldo e do que ele sente ou deixa de sentir, Bernardo Silva deixou duas tiradas interessantes, uma delas a propósito da condição física em que os jogadores chegam a este Mundial. “Sinto-me muito melhor fisicamente do que no final de uma temporada, em que estou estafado. Acredito que todos se sintam assim, melhor do que vindo de uma época de 60 jogos”, diz o mais cerebral dos médios da equipa portuguesa. Esta é uma maneira de ver as coisas. Outra passará por se equacionar que efeitos teve a concentração de jogos de elevado nível competitivo em menos um mês do que o normal nesta primeira metade da época. Mas falei de duas tiradas. Sim, é verdade. Diz ainda Bernardo que joga onde o treinador quiser, mas que prefere jogar ao meio. E ora aí está um exercício que deve ser feito por todos os que quiserem pensar acerca da arrumação da seleção nacional: quem é joga nas faixas e como é que elas são ocupadas, sobretudo quando se perde a bola? Eu já fiz a minha parte há dias, porque acho que para aqui deve sempre ser chamada a questão da complementaridade. Porque está lá o material humano necessário, conforme ainda ontem referiu Carlos Queiroz, o português que vai para o quarto Mundial seguido, o terceiro à frente do Irão. “Nunca tantos jogadores em condições e qualidade extraordinária se juntaram num certo momento, oferecendo a qualidade que [a seleção] sempre teve, mas acima de tudo a profundidade de soluções”, disse Queiroz. Não acredita? Ora veja aqui o grupo que o próprio Queiroz levou ao Mundial 2010, o primeiro em que ele esteve, na altura como selecionador de Portugal.
A Perplexidade
Gianni Infantino deu ontem uma conferência de imprensa que se transformou num longo monólogo em defesa da decisão de realizar o Mundial no Qatar. Debaixo de fogo por causa de questões relacionadas com direitos humanos, defesa dos trabalhadores e perseguição a minorias patrocinadas pelo emirado do Qatar, o presidente da FIFA podia ter-se ficado pela acusação de hipocrisia aos que agora criticam o Mundial naquele local mas não deixam de ir de férias para países igualmente pouco dados ao respeito pelo semelhante ou até a estados e grandes empresas que os têm como parceiros negociais. Se tivesse ficado por aí, justificando a decisão de manter o Mundial no Qatar com razões jurídicas complicadas de contornar, ainda teria merecido a minha anuência resignada. Mas Infantino já é também político, até já se senta nas reuniões do G20. E foi nessa qualidade que sentiu a necessidade de ir mais longe d que mandava o bom-senso.
Pois se Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República Portuguesa, já se tinha espalhado ao comprido dizendo, após o amigável entre Portugal e a Nigéria, que o Qatar “não respeita os direitos humanos”, “mas enfim, esqueçamos isso”, e se António Costa, o Primeiro Ministro de Portugal, não aproveitou o dia-extra que teve para pensar e ainda veio reiterar que vai ao Qatar “apoiar a seleção e não a violação dos direitos humanos”, como se ele fosse um mero adepto ou se a seleção rendesse mais tendo presente o apoio institucional das mais altas figuras da nação, Infantino também fez política. E não a fez apenas em solidariedade com os seus “associados” neste empreendimento, a começar pelo emir do Qatar. Fê-lo já a pensar nas próximas eleições da FIFA, em 2023, no Ruanda, para as quais até ver se apresenta como o único candidato. Não encontro outra razão a não ser agregar o apoio das federações de África e das Américas para vir agora puxar para a conversa a culpa europeia relativamente a um passado de exploração sub-humana, que existiu. E não vejo mesmo razão nenhuma para que o presidente da FIFA recorra ao bullying que diz ter sofrido enquanto adolescente, por ter cabelo ruivo e sardas, comparando essa desgraça ao que será ser mulher ou homossexual no Qatar. Isso já não é política. É falta de noção.
A Ler
Ecuador’s three fearless Brighton amigos proud as Qatar opener arrives, por Nick Ames, no The Observer
El Erasmus español de Catar para preparar el Mundial, por Lorenzo Calonge, no El País
Du sport plein les mirettes, por Alban Traquet, no L’Équipe
Copa da união?, por Alex Sabino, Luciano Trindade e Luís Curro, na Folha de São Paulo
A Ouvir
Hoje começa este Mundial e os jornalistas Gabriele Marcotti e Julien Laurens aproveitaram a última edição do já consagrado The Gab & Juls Show para fazerem as suas apostas acerca dos que veem como os maiores candidatos a serem a surpresa da competição e das seleções que acreditam que podem vir a ter problemas sérios a resolver. Na segunda categoria incluíram Portugal, devido à falta de confiança que têm em Fernando Santos, mas acima de tudo por causa do caso em que se envolveu Cristiano Ronaldo com o Manchester United. Ocasião para ouvir uma perspetiva interessante acerca de como pode vir a resolver-se o imbróglio, já que a via judicial parece não ser interessante para ninguém, mas também para uma tese acerca da inteligência competitiva do capitão da seleção portuguesa. Estará ele capaz de entender como é que a equipa pode ajudá-lo a ganhar aquele que vai ser o seu último Mundial?
A ver
Qatar-Equador, 16h, RTP1 e Sport TV
Benzema, o eterno underdog que finalmente ganhou uma bola de ouro vai falhar o mundial. Noutras seleções, ficaria na mesma, à espera de uma milagrosa recuperação. Ao sair e dar a vaga a um colega fisicamente apto sobe ainda mais na minha consideração. Só não consegue ultrapassar um grande "defeito" : é francês 😁
Quanto aos dirigentes da FIFA, e da UEFA, há muito que estão transformados em caricaturas grotescas de alegados gestores. Por cada declaração válida vomitam logo a seguir meia dúzia de barbaridades. Hipócritas seremos todos, que vamos ver o mundial no catar, mas também usamos roupa feita com trabalho escravo. Mas o pudor devia inibir tais senhores de se pronunciarem com total desplante.