Benfica grita por diversidade
O Benfica devia ter ganho ao Bolonha e é certo que os dez pontos que tem podem até garantir o apuramento, mas os últimos jogos mostraram uma equipa a pedir diversidade nas formas de atacar a baliza.
Palavras: 1237. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
É já legítimo que se afirme que Bruno Lage trouxe de volta o Benfica que Roger Schmidt tinha amordaçado, mesmo que isso se diga numa altura em que a equipa até parece estar a perder algum do fulgor ofensivo que durante os primeiros dois meses desta sequela da “Operação Reconquista” a manteve à média de três golos marcados por jogo. As últimas duas partidas, a abrir uma sequência intensa que, correndo bem, pode deixar as águias no topo da tabela da Liga à entrada de 2025, superando até o desejo manifestado pelo treinador, ainda que por falência alheia, valeram duas balizas invioladas a Trubin, mas produziram somente um golo, menos oportunidades flagrantes do que o habitual e algumas dúvidas acerca da gestão de recursos que Lage tem feito, abusando de uns e esquecendo outros. Ainda assim, podendo eu estar enganado, na base do 0-0 de ontem, contra o Bolonha, na Luz, não vi a fadiga a que muitos recorreram para explicar o facto de os encarnados terem encalhado ao invés de carimbarem já a presença no playoff da Liga dos Campeões, mas consigo ver renitência em testar novas soluções quando as de sempre redundam em incapacidade.
O primeiro mês de Bruno Lage no Benfica trouxe 18 golos em cinco jogos. O segundo mês teve sete desafios, nos quais o Benfica marcou 17 golos. No terceiro mês, que não está completo, a equipa fez 13 golos em cinco jogos, mais de metade dos quais (sete) na partida frente ao Estrela da Amadora. Sim, os adversários foram diferentes, mas os meses anteriores trouxeram equipas do calibre do Atlético Madrid (mês 1), do Bayern ou do FC Porto (mês 2) – coisa que o mês 3 ainda não implicou. Depois, é certo que no 1-0 ao Vitória SC e, depois, nos 0-0 com o Bolonha a equipa ficou a dever um golo a si mesma, uma vez que acumulou um total de golos esperados (xG) de 2.03 (0.76 no primeiro e 1.27 no segundo), mas mesmo isso pareceu pouco para o desafio em que teve mais ações na área em toda a carreira na Liga dos Campeões: foram 38, superando o seu anterior máximo, que eram as 29 no Mónaco, e acabando bastante acima da anterior média na competição, que estava nas 21. O problema do Benfica ontem não foi físico, que se viu a equipa crescer da primeira para a segunda parte, subir o bloco para pressionar a saída de bola dos italianos, incrementar a intensidade posta em cada duelo. Se o fosse, a coisa podia ser dramática, que a equipa vai ter jogos de quatro em quatro dias até ao Ano Novo, com as festividades de Natal pelo meio. O problema do Benfica, ontem, pareceu ser de falta de golpe de asa, de renitência na busca de soluções alternativas quando as de sempre não estão a resultar.
Muito do que o Benfica conseguiu fazer na segunda parte contra o Bolonha – equipa que, por sinal, vale bem mais do que os dois pontos que soma e que a deixam sem esperança de ainda vir a qualificar-se – passou pela exploração de soluções que têm sido fundamentais para este crescimento coletivo. Foram as cavalgadas de Carreras pelo corredor esquerdo, a explorar o espaço sempre que o Benfica conseguia atrair o bloco adversário ao outro lado, bem como a articulação entre Di María e Aursnes na direita, com o segundo a explorar de forma sempre inteligente os espaços vagados pelo primeiro nas suas deambulações. Acontece que o próprio Bruno Lage saberá que precisa de mais argumentos para os dias em que estes não resolvem – e a inépcia recentemente demonstrada por Pavlidis frente à baliza torna a necessidade ainda mais premente. O grego pode até estar a ser muito útil no jogo coletivo, na forma associativa como se dá à equipa quando baixa em apoio, mas o Benfica precisa de quem lhe dê golo. E ao facto de ter sido ele a perder as duas maiores ocasiões nas partidas contra o Vitória SC e o Bolonha deve juntar-se a boa entrada de Amdouni na partida de ontem ou a gestão que tem sido feita, por exemplo, de Arthur Cabral. Bruno Lage assinou um golpe de mestre na goleada ao Estrela da Amadora, quando os falhanços sucessivos do ponta-de-lança brasileiro valeram a sua manutenção em campo – e ele ainda bisou aos 86’ e 90’. Teve depois retorno desse ato de gestão no Mónaco, onde o Benfica ganhou com três golos dos seus três pontas-de-lança: Pavlidis e Cabral empataram o desafio por duas vezes, Amdouni deu a vitória aos 88’. No fim, o discurso motivador do treinador à roda que se formou foi no sentido de que “todos contam”, mas não é isso que se tem visto.
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Nos três jogos que se seguiram à vitória no Principado, Lage usou 16 jogadores – e um deles, Rollheiser, foi chamado apenas para os descontos da partida com o Vitória SC, para a qual o técnico não podia contar com Kökçü, castigado. A troca do turco por Leandro Barreiro, nessa tarde, foi a única alteração ao onze-base, sendo que dos outros suplentes utilizados, Beste jogou um total de 56 minutos nos três jogos, Amdouni 53 e Cabral 34. Ontem, contra o Bolonha, foram feitas apenas três trocas no onze e a Cabral, que ainda por cima teria o efeito moralizador acrescido de defrontar um treinador com o qual teve sucesso, na Fiorentina, foram dados apenas dez minutos. A estabilização de um onze é importante, como é evidente. Ainda há dias Carvalhal se queixava de ser preso por ter cão e por não o ter, porque houve alturas em que era alvo de críticas por trocar sempre um par de jogadores ao intervalo dos jogos do SC Braga e agora já as ouve porque não muda o onze inicial. Mas a ideia que fica dos últimos jogos – e aqui incluo o de Arouca também – é a de que os adversários estão a começar a conseguir bloquear bem o Plano A do Benfica e que, por isso, Lage tem de meter alguma diversidade na abordagem. Há no grupo gente a gritar por minutos e, face à seca goleadora de Pavlidis (10 remates nos últimos quatro jogos, para um xG de 2.20 e apenas um golo) Cabral é quem aparece à cabeça dessa lista. E nela não estão apenas os outros suplentes utilizados com frequência, mas ainda gente como Rollheiser, Schjelderup, Prestianni ou até António Silva.
A tentação normal é a de olhar para estes mapas de utilização na perspetiva individual, de se ver se este jogador devia aparecer mais de modo a ser mobilizado para os objetivos da equipa e se aquele ou aqueloutro deviam ser poupados aqui ou ali, para não surgirem tão fatigados. Tudo isso é válido, mas este Benfica já parece ter crescido o suficiente para poder encarar esta alternância de uma perspetiva diferente, que é a coletiva. A equipa já parece suficientemente confortável nos seus processos para poder meter neles alguma diversidade. Quanto mais não seja porque se a equipa está confortável isso significa quase sempre que os adversários terão também mais facilidade em desenvolver contra-medidas estratégicas para a travar.