Autópsia de um casamento falhado
A forma como terminou a relação entre o Benfica e Jorge Jesus mostra que andou toda a gente mais preocupada em mascarar vulnerabilidades próprias do que em resolver problemas. Todos perderam.
Há situações em que toda a gente perde. Visto num plano superior, é esse o caso do segundo casamento entre o Benfica e Jorge Jesus, que ontem terminou com a revolta dos jogadores a indicar a porta de saída ao treinador. O Benfica perdeu tempo, dinheiro e uma chance de pôr termo à coisa quando o Flamengo veio a Portugal perguntar pelo técnico. Jesus perdeu tempo e reputação, porque em ano e meio de atividade ganhou zero títulos e fracassou na promessa de “arrasar”. Rui Costa perdeu uma oportunidade de ouro de mostrar que é um líder forte, ao deixar que fosse o balneário a comandar a gestão. E até Luís Filipe Vieira perdeu mais um quinhão de apoiantes, porque qualquer análise mais profunda mostra que foi na fuga para a frente do ex-presidente que tudo começou.
Há cerca de dois anos, percebendo a união das oposições e a hipótese de surgimento de uma figura capaz de as aglutinar em João Noronha Lopes, Luís Filipe Vieira resolveu apostar alto para assegurar a reeleição, possivelmente até julgando – erradamente – que ela o manteria a salvo das teias da justiça que acabaram por o fazer cair. Começaram a surgir os rumores em torno do regresso de Jorge Jesus, que acabara de ganhar o Brasileirão e a Libertadores com o Flamengo. A vida tornou-se insustentável para Bruno Lage, a partir daí visto como um líder a prazo, mas Vieira não vacilou e colocou até em risco a parceria com a Gestifute para recuperar o treinador que mais troféus lhe dera. Lage caiu, Jesus voltou e Vieira fez a festa, mandou os foguetes e apanhou as canas, oferecendo ao técnico uma equipa feita com um investimento nunca visto. A tradicional soberba de Jesus neste caso até ajudou no objetivo-eleições: “Não vamos jogar o dobro. Vamos jogar o triplo”, prometeu, montado em mais de 100 milhões de euros de reforços.
Vieira foi reeleito, mas a equipa não arrasou nem jogou o triplo. Na primeira época, o Benfica de Jesus perdeu tudo. Acabou o campeonato a nove pontos do Sporting de Rúben Amorim, falhou a entrada na Champions perante o PAOK de Abel Ferreira, foi derrotado na Taça da Liga e na Taça de Portugal pelo SC Braga de Carlos Carvalhal e baqueou na Supertaça face ao FC Porto de Sérgio Conceição. Perdeu tudo, perdeu com todos. Pelo meio surgiu a narrativa da Covid19, o “inimigo invisível” que a SAD do Benfica responsabilizou pelos desaires de uma época inteira. Muitos benfiquistas torceram o nariz, recuperando até declarações do próprio Jesus, que desvalorizara os surtos quando os enfrentou no Flamengo, mas os que compraram a história chegavam para colar tudo, nem que fosse com cuspo, e iniciar a nova época com a promessa de que agora é que era.
Vieira foi detido, caiu, Rui Costa foi promovido – e aí começou a queda de Jesus. Porque em vez de um presidente cuja máxima sempre foi “o Benfica não é gerido de fora para dentro” o clube passou a ter um líder mais moderno e próximo dos jogadores, mas ao mesmo tempo mais maleável e influenciável. Vieira segurou Jesus em 2013, depois de este ter perdido tudo e de ter chegado ao fim da época com focos de contestação interna, bem à vista no encontrão de Cardozo após a final da Taça de Portugal. Fê-lo com a mesma convicção que usou dois anos depois, em cima de títulos ganhos, para lhe mostrar a porta de saída, quando Jorge Mendes lhe terá feito entender que a parceria teria muito mais a ganhar com a promoção de miúdos vindos do Seixal do que com a compra de craques sul-americanos já feitos em que Jesus insistia sempre. Desta vez, Rui Costa acabou por ceder à vontade de um balneário que não só não se revia na liderança gritadora de Jesus como não tinha vitórias recentes para ajudar a engoli-la.
E neste processo, toda a gente andou demasiado devagar para o que se impunha. O que mais me espanta não é que Jesus tenha acabado por sair do Benfica antes do fim da época, mas sim que ninguém tenha sido minimamente pró-ativo de forma a evitar esta situação em que toda a gente perde. Porque quer o “incidente-Pizzi” tenha sido consequência natural de uma relação degradada que tenha sido uma coisa fabricada para acelerar o desfecho, os sinais já lá estariam quando Marcos Brás e Bruno Spindel vieram a Portugal e o Benfica foi informado de que pretenderiam conversar com Jesus. Cá fora eram só rumores, nascidos da observação de situações isoladas, mas dentro do balneário teriam de ser uma evidência para Luisão, para Rui Pedro Brás, para o próprio Rui Costa. E para Jesus. Só que aí ninguém mostrou um mínimo de iniciativa, toda a gente preferiu jogar à defesa a deixar que o caso se transformasse numa exposição de vulnerabilidades.
Rui Costa teve medo de acertar com o Flamengo, porque se depois perdesse os dois jogos com o FC Porto poderia ser responsabilizado por amputar a equipa do seu líder – mas nessa altura já ele saberia que a equipa não se revia no líder, pelo que se terá mantido inativo mais pelo receio da reação do público do que por convicção. Jorge Jesus teve medo de forçar a barra para sair porque se os jogos lhe corressem mal seria de certeza responsabilizado e até podia ser alvo de rescisão com justa causa – mas nessa altura já ele saberia que a equipa não acreditava nele e no processo, pelo que dificilmente os jogos podiam correr-lhe bem sem uma mudança drástica, pelo que se terá mantido inativo na paz podre mais para garantir os seus direitos do que por convicção na estabilidade. Os próprios dirigentes do Flamengo tiveram medo de expressar aquilo que queriam ao Benfica – mas nessa altura já o próprio Jesus lhes teria dito que sim, que ia, mas que era preciso o clube português libertá-lo, o que permite até duvidar das suas intenções iniciais.
No final, só quem se chegou à frente foram os jogadores. E tudo isto podia ter sido evitado.
António Tadeia, chegou ou não a prova de jogo para rui Costa' a sombra de LFV ainda paira sobre a Luz? Não haverá mais culpados nesta crise, para além de JJ? Por exemplo, as quezílias com Rui Pedro Braz e que nunca foram desmentidas. E na SAD, todos estavam a rumar para o mesmo lado? As críticas de JJ a Jaime Antunes nunca foram rebatidas...
A grande pergunta agora para o Rui Costa é saber que perfil de treinador quer para o Benfica. Um company man ao estilo Rui Vitoria ou Lage que promova os miúdos e também por consequência reactive a relação com a Gestifute para as vendas ou um treinador com o perfil JJ que risca nas contratações e aposta em elementos mais batidos e ate mas caros financeiramente. Manter Vertonghen quando se pode potenciar Morato, manter Taraabt quando aparece Paulo Bernardo, evitar a saída de Serefovic quando aparece Goncalo Ramos e ainda Henrique Araujo. Isto tendo em conta os intocáveis no 11 como Otamendi, Weigl, Grimaldo, Joao Mario, Rafa ou Darwin...tudo o resto dependera sempre do perfil do novo treinador e isso ainda Rui Costa nao demonstrou o que quer claramente...