As marcas de Cabral
Um golo e uma assistência ao SC Braga mostraram finalmente o que Arthur Cabral pode dar ao Benfica. Tem tudo a ver com poder físico, ligação e capacidade de levar a equipa com ele para a frente.
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O apuramento do Benfica para os quartos-de-final da Taça de Portugal, às custas do SC Braga, teve a marca de Arthur Cabral, que nos momentos definidores da partida evidenciou duas das três principais qualidades que pode aportar à equipa de Roger Schmidt, o poder físico aliado à finalização e a ligação com os colegas. Mas o facto de até ao momento do golo da viragem, mesmo no final da primeira parte, ele ter passado relativamente ao lado de um jogo que os minhotos estavam a controlar – ou julgavam estar, que as transições ofensivas do Benfica já tinham começado a sair... – pode revelar que é da terceira qualidade que os encarnados mais precisam neste momento. Falo da capacidade que ele demonstra para, recebendo de frente ou de lado para o jogo – de costas ou de lado para a baliza adversária, portanto –, orientar a corrida para a área, assim levando a equipa para a frente. Ação gera reação e, entre as coisas mais seguras que podem dizer-se acerca do avançado brasileiro que o Benfica foi buscar à Fiorentina é que ele é bem diferente de Gonçalo Ramos e que, com a soma da sua presença à de Di María em vez de Aursnes naquela primeira linha de pressão, a equipa tem tido mais dificuldades para manter o fulcro dos jogos no meio-campo ofensivo. Ontem, estava a ser relativamente fácil ao SC Braga atrair a um corredor para sair pelo outro, de Victor Gómez a Borja ou vice-versa, porque a pressão encarnada chegava sempre tarde, e o resultado disso era o tal controlo exercido pelos minhotos. Depois já faltava ao SC Braga a acutilância ofensiva para ferir ofensivamente, mas pelo menos a bola andava regularmente longe da baliza de Hornicek. Ora a resposta da equipa de Schmidt a esta questão tem sido minimal-repetitiva: é bola em Kokçu, passe vertical a pedir velocidade a Rafa e já está alguém na cara do guarda-redes. Foi assim que o Benfica empatou, por exemplo. A esperança de Schmidt é que, não sendo homem de sprintar em busca da profundidade, porque demora a desmultiplicar a caixa, Cabral possa acelerar o camião no meio da organização defensiva dos adversários, porque quando recebe orientado e se vira fica difícil impedi-lo de impor a dimensão física do seu jogo em condução. No golo da vitória, marcado devido à presença do lateral Aursnes por dentro – com Di Maria junto à linha a alargar o espaço –, Cabral revelou consciência posicional e de ligação. Pensou rápido e deixou o norueguês em posição privilegiada para marcar. Fê-lo de calcanhar, o que dá alguma dimensão artística à assistência, mas o que é relevante aí é que o fez no tempo certo e para o lugar certo. Antes, o brasileiro já tinha marcado o seu golo. Recebeu a bola de um lançamento lateral, aguentou a pressão de Serdar e encadeou a meia-volta com um remate rápido de pé esquerdo que tanto surpreendeu o guarda-redes que, apesar de a bola ir direita a ele, este já não conseguiu fechar as penas a tempo de impedi-la de passar lá pelo meio. Se em termos de estratégia de mercado, o que faria sentido ao Benfica era ceder agora Cabral, para impedir que, entre ele e Marcos Leonardo, dois avançados de 20 milhões, um deles acabe por desvalorizar na segunda metade da época – e isso acontecerá sempre ao que ficar de fora – a resposta dada pelo nove do Benfica leva a crer que a equipa ainda precisa dele, quanto mais não seja para prevenir o caso de o reforço vindo agora do Santos FC demorar tanto na adaptação como ele demorou. Ontem, depois de marcar o seu golo, Cabral correu para os adeptos e festejou efusivamente com eles. O episódio do pirete que lhes fez depois do empate com o Farense estava esquecido. Os adeptos perdoam sempre. Ou melhor: perdoam quase sempre. Perdoam quando fazes golos. E nem têm de ser com um calcanhar e uma ‘cueca’, basta que entrem.
Mil vezes Moutinho. Diz o Zerozero – e a gente acredita, porque o Zerozero é uma referência nestas coisas – que Moutinho fez ontem o milésimo jogo profissional da sua carreira, dividido entre o Sporting (260), o FC Porto (140), o AS Mónaco (219), o Wolverhampton WFC (212), o SC Braga (23) e a seleção nacional (146). Aos 37 anos, o médio algarvio já não tem a energia que tinha quando José Peseiro o lançou no Sporting, numa eliminatória da Taça de Portugal com o Pampilhosa, a 4 de Janeiro de 2005, fez na semana passada 19 anos. E não pode sequer dizer-se que tenha compensado muito com experiência, porque João Moutinho era, aos 18 anos, um veterano, pela forma como sabia sempre o que fazer. Foi muito ele o segredo desse Sporting de Peseiro, que chegou à final da Taça UEFA de 2005 e perdeu a Liga num estranho hara-kiri, como foi ele o segredo do Sporting que Paulo Bento transformou num modelo nas transições defensivas, ou do FC Porto de André Villas Boas, uma equipa a quem era difícil tirar a bola, tanta era a sua segurança na posse, e na qual ganhou tudo, da Liga Portuguesa à Liga Europa. João Moutinho já era aos 18 anos o extraordinário médio que veio depois a ser campeão europeu aos 29, mas passou pelo futebol como alvo de incompreensão e injustiça. De Carlos Queiroz, que o não levou ao Mundial de 2010, forçando-o a encarar a necessidade de se mudar para um clube onde ganhasse títulos e pudesse jogar na seleção. De José Eduardo Bettencourt, que aceitou negociá-lo para um rival, lançando-lhe um cima um rótulo de “maçã podre” depois tantas vezes repetido e responsável pelo facto de o estádio no qual mais vezes jogou (Alvalade) ser hoje o único onde ele corre sérios riscos de ser assobiado pelos adeptos do clube cuja camisola mais vezes defendeu. Do mercado, que nunca lhe reconheceu o valor, forçando-o a tornar melhores equipas banais, como o AS Mónaco que conduziu às meias-finais da Champions em 2017 ou o Wolverhampton WFC, que meteu nos quartos-de-final da Liga Europa em 2020. João Moutinho foi sempre um jogador tão discreto como eficaz, mas no dia em que chega ao milésimo jogo como profissional é altura de se reconhecer a evidência de que foi um dos maiores da sua geração.
A Supertaça da exaustão. Parece que foi grandioso o jogo da primeira mão da Supertaça de Espanha, entre Real Madrid e Atlético. Foram oito golos, dois metidos na própria baliza, outros tantos com uma dimensão que leva o desafio para a categoria de epopeia. Foi em Riade que Griezmann se tornou o melhor marcador da história do Atlético Madrid, batendo os 173 golos de Luis Aragonés com um slalom em que teve de se desembaraçar de vários adversários antes de bater Kepa com um tiro colocado. Foi ali também que, depois de já ter assistido Mendy e antes de fazer o cruzamento que Savic acabou por meter na própria baliza, Carvajal marcou à quarta recarga um golo que salvou o Real e levou o jogo para um prolongamento que tem sido inevitável nos confrontos a eliminar entre estas duas equipas. Faltavam cinco minutos para o final de uma partida que depois teve acréscimos. Quando, nesses 30 minutos extra, o mesmo Carvajal tirou o centro para o cunhado Joselu e este, batido por Savic, acabou por celebrar na mesma a entrada da bola nas redes de Oblak, porque o corte do montenegrino foi infeliz, as cenas dos festejos pareciam saídas de um filme sobre a guerra do Vietname. Entre coxos e estropiados, os jogadores do Real Madrid juntaram-se para celebrar a vantagem, alguns com cãimbras, outros a mancar. É bonito de ver e calculo que encha de orgulho os adeptos, mas a verdade é que no domingo há mais e alguém tem de começar a pensar nisto.
Infelizmente mais uma triste notícia hoje, tenho a certeza que terá algumas histórias no seu baú com um dos poucos gentlemen's do futebol, Sven-Göran Eriksson, fico a aguardar🙁