Artur Jorge e a estratégia
A mudança de foco deu ao SC Braga a presença na final da Taça da Liga e só por isso terá valido a pena. Mas será para continuar além de sábado? Dificilmente, que a prova de ontem não foi conclusiva.
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O SC Braga viu ontem premiada a mudança de foco estratégico com uma vitória, feliz, é certo, sobre o Sporting, na primeira meia-final da Taça da Liga, e é impossível não olhar para o jogo na perspetiva do que correu bem a uns e mal aos outros. Afinal de contas, fez bem Artur Jorge em mudar, em condicionar estrategicamente o comportamento da sua equipa ao adversário, ou teve apenas a sorte de ver três bolas esbarrar nos postes da baliza de Matheus ainda com o resultado a zeros e a eficácia de transformar em golo a primeira ocasião em que foi à área de Israel em condições de ferir o adversário? A presença na final de sábado dirá que sim, que fez bem – e além disso deixa um recado acerca das verdadeiras razões para o facto de esta ter sido apenas a quinta partida da temporada em que os braguistas não sofreram golos, e que estarão provavelmente mais relacionadas com uma forma demasiado atacante de entender o jogo e não tanto com falta de qualidade das opções com que conta para a linha mais recuada. Mas será provavelmente impossível a um candidato ao que quer que seja olhar para o jogo de uma forma regular como o SC Braga o fez ontem, promovendo encaixe individual em todas as unidades leoninas e fazendo uma marcação dupla a Gyökeres, que limitou o jogador mais impactante da época a dois fogachos, já na segunda parte. A questão não foi tanto o abdicar do ponta-de-lança no onze, pedindo, à vez, a Djaló e Horta que fizessem de Banza, que está na Taça de África, e reservando Abel Ruiz para mais tarde. Isso era uma inevitabilidade, face às opções disponíveis. Foi, sobretudo, a maneira como a equipa condicionou todo o seu jogo à anulação do adversário, baixando o bloco de forma a não criar dificuldades acrescidas a José Fonte e Paulo Oliveira na defesa da profundidade e, à frente, atribuindo responsabilidades individualizadas na anulação de todas as armas leoninas. Os dois centrais promoviam a tal marcação dupla a Gyökeres, um em cima dele e o outro à dobra, conforme o lado que o sueco escolhesse para as diagonais, o que desde logo podia criar um problema no condicionamento dos outros atacantes adversários. Nesses pegaram os dois médios, Vítor Carvalho repetindo o que já fizera no Santiago Bernabéu com Vinicius Jr. seguindo Edwards e Moutinho mais atento às movimentações de Trincão. Como os laterais, Vítor Gómez e Borja, encaixavam nos alas do Sporting – o que, face ao comportamento bem diferente de Nuno Santos, mais alto no campo, e Esgaio, mais baixo, levou o colombiano a sair mais cedo para a pressão –, sobrava a questão Pedro Gonçalves, cujas movimentações da zona de meio-campo para a esquerda do ataque levaram Zalazar a aparecer mais na direita do que ao meio – posição deixada a Pizzi. Resultou? O score final dir-nos-á que sim, que o SC Braga ganhou. Ganhou porque foi eficaz quando teve a sua oportunidade e porque antes foi feliz nas bolas que bateram nos postes. Isso não retira justiça ao triunfo, mas é um sinal de alerta quando tocar a escolher o foco estratégico para o que ainda falta da época. Este SC Braga mais centrado na anulação dos adversários até pode manter a ideia para a final de sábado, sobretudo se pela frente lhe aparecer o Benfica – cujas armas são diferentes das do Sporting e por isso obrigarão a outro tipo de contra-medidas –, mas não é de todo aconselhável que prolongue essa forma de pensar pela época a fora. É que as bolas nem sempre vão bater nos ferros.
A conclusão de Amorim. No final do jogo, Rúben Amorim assumiu as culpas pelo que ele próprio achou ter sido um erro – mudar a equipa logo a seguir ao golo do SC Braga, levando-a a acumular ataques sem clarividência nos 30 minutos que ainda havia por jogar – e afirmou que saía vencido mas não convencido. “Não vejo um jogo em que disséssemos que não fomos melhores e merecíamos perder, tirando a primeira parte frente à Atalanta”, disse o treinador do Sporting. E o problema é exatamente esse. É que, apesar de tudo, os leões perderam com a Atalanta em Alvalade, mas também perderam com o Benfica, com o Vitória SC e, agora, com o SC Braga, a quem já não tinham ganho na Liga. O normal numa equipa grande é ser melhor do que os adversários. Mas para ser uma equipa candidata a títulos, isso não basta: é preciso ganhar os jogos em que se é melhor e até alguns em que se é pior, como fez o Sporting de 2020/21. É mau para o Sporting, onde Amorim montou uma excelente ideia coletiva de jogo, que o treinador reduza a avaliação do seu trabalho à conquista ou não de títulos, repetindo que se eles não chegarem “alguém vai sofrer as consequências” e deixando no ar que é o seu próprio futuro que está no fio da navalha. Sim, alguém terá de sofrer as consequências, mas o importante agora para o Sporting é avaliar as verdadeiras razões pelas quais os jogos se ganham ou se perdem. Visto daqui, eu diria que o problema não está no trabalho de campo ou na dinâmica de jogo implementada pelo treinador, mas sim numa incapacidade de ser concreto nas duas áreas, sobretudo na que defende. A derrota de ontem, no primeiro jogo da época em que o Sporting não fez golos, volta a chamar a atenção para a incapacidade leonina de os evitar – são 30 sofridos em 30 jogos. Houve culpas de Israel no golo de Abel Ruiz? Não, quando muito elas poderão ser assacadas a Esgaio, que tal como já tinha feito no golo de Soro, em Vizela, não fechou ao meio quando entrou na área o cruzamento vindo do outro lado. Mas, além das debilidades do seu ala direito, que em todos os jogos aparece em destaque no total de passes transviados, por exemplo, continua a não se ver no Sporting um guarda-redes que tire a equipa de apuros no momento em que ela facilita atrás, seja ele Adán ou Israel. Um guarda-redes que faça o que fazem Trubin no Benfica ou Diogo Costa no FC Porto. A equipa do Sporting tem elos mais fracos, que o treinador pode ter de sacrificar se quer chegar ao objetivo. Restar-lhe-á a ele entender, como entendeu com o tema do ponta-de-lança, que aceitar esse facto não acarreta uma quebra de solidariedade com quem lhe aguenta o grupo em termos de balneário.
O segundo finalista. Benfica e Estoril defrontam-se hoje em busca da segunda vaga na final e as apostas penderão certamente para o lado dos encarnados, que chegam a Leiria a viver a melhor sequência da época – oito vitórias seguidas, com um score de 23-5 – e enfrentam um adversário que não só perdeu a capacidade de se defender como se apresenta numa série de quatro derrotas consecutivas, com 14 golos nas suas redes e muitas dúvidas na composição do trio mais recuado, que nesses quatro jogos mudou sempre pelo menos um elemento. Vasco Seabra, o treinador com o qual os canarinhos renasceram já durante a época, aponta para o facto de o clube viver um momento histórico como forma de galvanização para o jogo de hoje, mas é seguro que precisará de uma dose de transcendência pelo menos tão grande como a que mostrou o SC Braga ontem para levar de vencida os atuais campeões nacionais.
Ceferin e a multi-propriedade. Aleksandr Ceferin, presidente da UEFA, voltou hoje a referir-se aos problemas da multi-propriedade, em entrevista que concedeu ao Telegraph. E foi pelo menos curioso o exemplo que ele deu para explicar as suas reservas. “Sabe como é o futebol. Um grande clube inglês pode perder por 3-0 com um pequeno clube português, só porque teve um dia mau. Agora imagine que ambos têm o mesmo dono. Dirão logo: ‘Olha, está tudo comprado!’. E aí começas a perder tudo”, disse o esloveno. Percebo a ideia, que é de perceção geral do que é o futebol e de risco de se perder credibilidade. Mas esse continua a não ser o meu problema. O meu problema não é o que as pessoas acham, mesmo que não aconteça – ou sobretudo se não acontece. O meu problema é o que as pessoas não veem mas de facto acontece, como a facilidade que vários clubes terão para fazer negócios nebulosos e fictícios só porque se encontram debaixo do chapéu de um dono comum. Isso é que me preocupa. E é para isso que não vejo solução.