A vantagem de Diogo Costa
A diferença de Diogo Costa para a concorrência não se faz tanto na dimensão clássica da função de guarda-redes como na capacidade ofensiva que ele transmite ao FC Porto e à seleção nacional.
Qual é o momento em que um jogador se torna grande? Qual é o jogo, a semana, em que se olha para ele e se decide que já não é uma promessa, mas uma certeza? No caso de Diogo Costa, foi o momento em que Sérgio Conceição decidiu fazer dele primeiro da hierarquia, com o necessário sacrifício de Marchesín? Foi, antes disso, o momento em que o treinador recusou ceder ao medo no ponto que habitualmente marca o fim da rotatividade nas competições secundárias e o manteve a jogar na Taça da Liga e na Taça de Portugal até às finais de 2020? Ou terá sido só o momento em que Fernando Santos apostou nele à frente de Rui Patrício no play-off de qualificação para o Mundial? Foram, então, os momentos em que defendeu três penaltis em jornadas seguidas da Liga dos Campeões? É, agora, o momento em que Pinto da Costa lhe renova o contrato e lhe aumenta a cláusula de rescisão para valores que, a serem cumpridos, o deixarão próximo de um recorde mundial para um jogador da sua posição? Será o Mundial no Qatar, em que todos esperamos vê-lo confirmar esta extraordinária primeira metade da época?
Não creio que Portugal tenha tido, nos últimos anos, um problema de guarda-redes. Feitas as contas, Rui Patrício foi um dos heróis da conquista do Europeu de 2016 – aquela defesa num golpe de cabeça de Griezmann, na final, foi qualquer coisa... – mas a verdade é que, antes das provas, nunca se olhou para ele como uma arma da seleção. Patrício ficou até fora da fase final do Mundial de 2010, quando era um ano mais novo do que é agora Diogo Costa, mas já tinha mais 40 jogos pela equipa principal do Sporting do que tem o atual titular pelo FC Porto. Porque no clube não ganhava títulos? Porque lhe faltava “estilo” na baliza, como cheguei a ouvir, informalmente, a um treinador? É possível. Mas a razão fundamental que leva a que Diogo Costa seja hoje o fenómeno precoce que é – 23 anos ainda é pouco para um guarda-redes – tem que ver com o facto de ele ser muito mais completo na exploração de todos os momentos do jogo. Nomeadamente com bola. E o jogo com bola de um guarda-redes, já se sabe isso pelo menos desde o Ajax dos anos 70, é cada vez mais importante para a avaliação do produto acabado.
Muitas vezes confundimos esta variante do jogo com a desenvoltura que o guarda-redes vai mostrando sempre que é pressionado na construção curta. Se consegue articular os dois pés e ir trocando passes para atrair a pressão do adversário sem comprometer. E isso é parte da equação, como é evidente. Mas os melhores vão além disso. As estatísticas de Diogo Costa na Liga dos Campeões apontam 23 defesas – é o oitavo da tabela, mas o terceiro entre guarda-redes de equipas que se apuraram, só atrás de Mignolet (FC Bruges) e Onana (Inter Milão) – mas também 72,8 por cento de acerto de passe, sendo 100 por cento em passes curtos, 98 por cento em passes médios, e 50 por cento em passes longos. Diogo Costa fez 16 passes para o último terço atacante e uma assistência para golo. Só para comparar, Vlachodimos tem uma percentagem global de acerto de passe de 67,5 por cento, completou todos os passes curtos e médios, mas ficou pelos 42 por cento nos passes longos. Adán equipara-se ao grego no total (68,6 por cento de acerto), mas só 35 por cento dos seus passes longos chegaram ao destino. E esta capacidade de jogar ao mesmo tempo curto e longo é uma arma não negligenciável, porque deixa o adversário na dúvida: se pressiona, pode ser surpreendido nas costas, se não o faz, permite uma construção tranquila. Terá sido isso, mais do que a capacidade mostrada entre os postes, a justificar as decisões de Sérgio Conceição e Fernando Santos, ainda por cima dois treinadores que falam frequentemente um com o outro desde que coincidiram na Grécia.
É claro que, neste momento, em que Diogo Costa não vai sequer a meio do percurso que fará dele um dos melhores guarda-redes mundiais da sua geração, haverá muita gente a reclamar doses elevadas de perspicácia, alegando que ele já era superior há muito tempo, que o FC Porto e sobretudo a seleção andaram a perder tempo com ele no banco ou até como terceiro da hierarquia. O posto de guarda-redes, no entanto, tem particularidades que o tornam muito específico e resistente à mudança. É um lugar solitário, onde se tende a não sacrificar o titular a não ser que ele comprometa seriamente – e nem Marchesín nem Patrício comprometeram antes de serem ultrapassados. Mas o desafio aqui é não olhar para os guarda-redes de uma forma, digamos assim, clássica, centrando-nos apenas nas defesas, nas manchas, nas saídas a cruzamentos ou até – o que já é uma modernice – a reduzir a profundidade ao adversário. É ver o que o guarda-redes pode acrescentar no plano ofensivo. E é aí que Diogo Costa se impõe como um dos melhores internacionais portugueses de sempre – talvez Beto tenha sido quase tão forte com os pés, ainda que depois lhe faltassem outros argumentos. É por isso que, mais a mais num clube que tem perdido gente a custo zero ou a baixo preço por estar a aproximar-se o fim dos contratos, a renovação de contrato de Diogo Costa com elevação da cláusula de rescisão é uma notícia extraordinária para o FC Porto. Não creio que o segure por muito tempo, mas pelo menos acalma o mercado numa altura em que o guarda-redes tem de estar focado no futebol jogado.