A 'Última Dança' de Solskjaer
Viagem ao modelo de negócio do Manchester United e às contradições que explicam, até numa lógica norte-americana, como ele está profundamente errado.
Querem pensar como norte-americanos? Façamos o esforço. Ninguém que tenha visto “The Last Dance”, a brilhante série documental que mistura a carreira de Michael Jordan com o último ano da equipa em que ele jogou com Scottie Pippen, Dennis Rodman e outras estrelas de calibre planetário, duvida por um segundo da importância gigantesca do treinador Phil Jackson naquele todo ganhador. Aliás, até foi Jackson que escolheu o nome a dar à derradeira temporada: a “última dança”, contra a prepotência parola do CEO, Jerry Krause. Quando vimos Ole Gunnar Solskjaer dirigir-se até à bancada onde os desiludidos adeptos do Manchester United geriam como podiam o desapontamento de ver uma equipa com quatro dos cinco mais bem pagos jogadores da Premier League apanhar 4-1 do modesto Watford percebemos que aquela era a última dança do treinador norueguês de olhar triste. Mas a pergunta que mais interessa fazer neste momento é: como é que isto chegou a este ponto?
A resposta é relativamente simples de obter e leva-me a refletir também acerca das por vezes funestas implicações do capitalismo no futebol de alta competição. O que deve ser um clube? Qual é o seu maior objetivo? Se perguntarem à família Glazer, dona do Manchester United, a resposta é simples: ganhar dinheiro. Mas se perguntarem a quem tem dirigido o FC Barcelona nos últimos anos, incluindo o atual presidente Laporta, a resposta também é simples: ganhar campeonatos. O que está aqui em causa são dois modelos de clube irreconciliáveis, por mais voltas que demos às coisas. Um é o modelo capitalista, o outro o modelo da supremacia dos sócios. Ambos podem dar resultados catastróficos.
O primeiro, o do clube gerido por um acionista que o vê como um negócio, está-se nas tintas para os títulos desde que no fim do ano vá buscar a sua margem de lucro. No caso do United, isso tem sido atingido: depois de quatro anos em torno dos 700 milhões de euros de receita, a pandemia baixou os números nos últimos dois exercícios para uns mesmo assim nada modestos 500 milhões. O outro, o do clube gerido em nome da vontade dos adeptos, está-se nas tintas para a racionalidade financeira, desde que no fim do ano se possa beber um copo com os amigos e festejar a conquista de mais uma Liga ou um sucesso internacional. Até ao momento em que é apanhado na curva pelas regras do fair-play financeiro e tem de se separar dos craques como as famílias outrora abastadas vendem as pratas para comprar bens de primeira necessidade.
O FC Barcelona está tecnicamente falido e não ganha nada. O Manchester United é uma empresa pujante e também não ganha nada. A última vez que chegou um troféu a Old Trafford foi em 2017, quando a equipa ainda comandada por José Mourinho venceu a Taça da Liga e a Liga Europa. Foi por isso que vos falei de Phil Jackson. Ainda se lembram? É que uma das razões principais para a eternização de Solskjaer num cargo para o qual já há muito se tinha percebido que não estava preparado era a sua vocação para fazer poucas ondas, para ser aquilo a que os americanos chamam o “company man”. Para ser o oposto de Mourinho, por exemplo. Para ser o oposto de Antonio Conte, com quem o United não quis sequer falar antes de ele se comprometer com o Tottenham, temendo que ele viesse com exigências de mais e mais jogadores. Não que a administração não estivesse disposta a dar-lhos, como já os deu a Mourinho ou até a Solskjaer, resultando no encarecimento brutal do plantel. Só que a administração quer fazer isso quando e como deseja, mantendo a ideia burocrática de que tudo se decide no momento do telefonema do vice-presidente executivo Ed Woodward para Joel Glazer, o “mano” responsável pela gestão da franchise de “soccer” da família.
No fundo, a ideia de gestão do Manchester United passa por glorificar o “star system”, porque é isso que é vendável. A ideia assenta num erro que teria sido evitável se alguém tivesse aprendido a lição da “Última Dança”. Sim, os adeptos compram camisolas dos jogadores, não os fatos dos seus treinadores. Assinam serviços de streaming que lhes mostrem a vida dos jogadores, quanto mais estrelares melhor. Mas, quando mais estrelares, mais os jogadores precisam de alguém que mostre um rumo firme a eles e que, se for caso disso, enfrente a administração e faça as ondas necessárias. Como fez Phil Jackson nos Bulls. E como fazia Alex Ferguson, talvez o mais polémico e casmurro treinador da história do United e seguramente o mais bem sucedido.
A referência aos Bulls talvez fosse precisa para explicar a ideia a americanos. Mas para nós, que somos europeus e nos lembramos do Manchester United como clube ganhador, ela nem seria necessária. O problema do United é querer exatamente o oposto daquilo que sempre lhe permitiu ter sucesso. E achar que é assim que vai ganhar seja o que for a não ser dinheiro para a família Glazer ir cumprindo o plano de pagamento do empréstimo que lhe permitiu tar conta de um dos clubes mais bem sucedidos do Mundo.
Excelente artigo...Aprendi imenso