A tragédia de Pogba
A carreira de Pogba pode ter acabado com o teste anti-doping positivo de Udine. A ser assim, é um ponto final emblemático para o maior talento desperdiçado do futebol no século XXI.
Paul Pogba é um inadaptado e faz gala disso. Aquele que chegou a ser o jogador mais caro do Mundo, quando o Manchester United deu 105 milhões de euros para o recuperar à Juventus, em 2016, ainda no fim-de-semana passado tinha dito em entrevista à Al-Jazeera que gostava de não ter dinheiro. “Quero estar com pessoas normais, que gostem de mim por mim mesmo, não pela fama ou pelo dinheiro”, explicou, dias antes de saber que tinha testado positivo à testosterona sintética. Pogba arrisca uma suspensão de quatro épocas que, somada aos seus 30 anos de idade e às lesões repetidas que o têm afastado do onze da Juventus desde que voltou a Itália, pode bem implicar um final prematuro de carreira. É muito fora da caixa que Pogba se tenha dopado num jogo em que nem saiu do banco, a visita à Udinese, mas a questão é que tudo em Pogba é fora da caixa. Ele já era um médio fora da caixa na Juventus de Conte, aos 21 anos, quando se impôs como gémeo de Vidal na guarda e no complemento ao talento do já veterano Pirlo. Não é justo que se diga que ele atingiu o pico da produção aos 23, após a final do Europeu de 2016, quando levou o Manchester United a bater o recorde mundial de transferências, dando os tais 105 milhões de euros por um médio que tinha dispensado quatro anos antes. Pogba, que não desprezava a fama ou o alto rendimento, não escondia que aspirava à Bola de Ouro, sem medo da concorrência ainda avassaladora de Messi ou Ronaldo. Mas a carreira dele entrava em declínio, um declínio que só foi interrompido por um mês, quando Didier Deschamps conseguiu tê-lo focado e fez dele peça importante na equipa de França que ganhou o Mundial de 2018. Em Manchester, ainda fez uma boa temporada no plano individual (16 golos e onze assistências em 2018/19), mas o que saltava à vista era mesmo a sua condição de inadaptado. “Afinal, onde é que joga Pogba? É um médio-defensivo? É médio-ofensivo?”, perguntavam os ingleses. A mesma indefinição que o tornara imprescindível e irrepetível na Juventus era a cruz que carregava em Old Trafford. E Pogba nunca esteve à altura da pressão que tinha nos ombros, enquanto jogador mais caro do Mundo. Começaram os problemas. Em 2019/20 foi a articulação do tornozelo. Em 2020/21 juntou-lhe questões musculares. Solskjaer desistiu dele, Rangnick não quis dar-se ao desgaste de o recuperar e Ten Hag deu o visto bom à sua saída para a Juventus, a custo zero. Apesar do salário elevado – quatro milhões de euros por ano –, só começou um jogo como titular em toda a temporada de 2022/23: foi a 14 de Maio, a receção à Cremonese, e saiu lesionado aos 24’. Por essa altura já era questionada a sua índole de jogador fora da caixa. É que, tendo-se magoado num joelho logo na pré-época, em Julho, começou por recusar a intervenção cirúrgica, alegadamente depois de ouvir um conselheiro espiritual da sua confiança. Toda a época foi um regabofe. Em Março já tinha sido raptado por um grupo do qual faziam parte alguns dos seus amigos de infância. Mais tarde foi alvo de extorsão por parte do próprio irmão Mathias, que insatisfeito com o facto de ele não ter cedido começou a libertar vídeos nas redes sociais acusando-o, por exemplo, de recorrer a um feiticeiro para, entre outras coisas, lançar uma maldição a Mbappé. Lesionou-se em quase todos os pontos do corpo: depois do joelho foram os músculos da coxa, mais tarde os adutores. “Quando não estás bem na cabeça, o corpo vai atrás. Todas estas lesões... penso que nasceram na minha mente”, reconheceu Pogba no final da época. Mas fez reset? Nem por isso. Agora vem uma coisa nova: o doping. Se a carreira de Pogba acabar aqui – e ainda há a contra-análise e a defesa, que pode reduzir a pena – estaremos face a um caso flagrante de talento desperdiçado, mas também ao cumprimento de um desígnio: o de fazer sempre o contrário daquilo que se espera dele.
O ressalto da Alemanha. No primeiro jogo depois de se ver livre de Hansi Flick, a Alemanha ganhou, em particular, a uma França sem algumas estrelas – Mbappé, por exemplo, nem entrou em campo – e mandou dizer que estava de volta. Esta equipa alemã tem talentos que podem fazer sonhar, Musiala acima de todos, mas gera muitas dúvidas em seu redor. É certo que, historicamente, o poder dos jogadores foi sempre algo a ter em conta no futebol alemão – basta recordar o que aconteceu no Mundial de 1974, ganho sem o talento de Netzer, sempre no banco porque o grupo do Bayern não gostava dele –, mas não deixa de ser um problema se ninguém lhe puser limites razoáveis. Ninguém a não ser quem estava em campo poderá atestar da veracidade dos relatos que por aí andam, de que os 4-1 encaixados contra o Japão foram propositados para motivar o despedimento de Flick – há até vídeos a pretender provar que os jogadores nem corriam – mas a transformação de futebolistas com consciência de classe em tiranetes terá os seus riscos, a começar pelo de depois não haver quem os queira liderar. Quem vai agora pegar na seleção alemã? Julian Nagelsmann? Improvável, seja porque ganha mais parado, a cumprir o contrato com o Bayern, ou porque o poder dos jogadores já correu com ele do colosso bávaro. Thomas Tuchel? Não, que está no Bayern. Jürgen Klopp? Não, que está no Liverpool FC. Sobram nomes que já são de segunda linha, como o austríaco Oliver Glasner (Eintracht Frankfurt) ou até os homens de plantão da DFB, o pouco carismático Stefan Kuntz ou o ultrapassado Rudi Völler. Pode funcionar? Poderia, se a equipa fosse melhor do que os potenciais adversários. Como não é, tenho muitas dúvidas.
Um craque e o grupo. A vitória da Inglaterra em Glasgow num particular frente a uma Escócia que lidera o seu grupo de apuramento para o Europeu, só com vitórias, serviu para mostrar o craque que é Bellingham, autor de um golo e uma assistência nos 3-1, mas sobretudo a noção de grupo que tem Gareth Southgate, o selecionador inglês. O médio Kalvin Phillips, apenas seis minutos em campo esta época no Manchester City, foi titular ao lado de Rice – e esteve bem. O defesa-central Maguire, 23 minutos em campo esta época pelo Manchester United, não foi titular, porque o selecionador quis ver o já trintão Dunk, do Brighton, mas entrou ao intervalo para o lugar de Guehi, resistindo aos cânticos de gozo dos adeptos escoceses e ao autogolo infeliz com que pontuou a atuação. Southgate é um dos mais ferozes defensores da ideia do grupo-seleção face à fação que advoga a escolha dos que estão em melhor forma. E há tanta gente a pensar e a funcionar assim que se calhar antes de renegar a ideia mais vale tentar entendê-la.
O caso Adán. A anulação pelo Tribunal Arbitral do Desporto do castigo que impediu Adán de jogar o dérbi de Maio não me choca pelas mesmas razões que vão deixar o país desportivo a argumentar dias a fio. Não é por suspeitar de favorecimento a uns ou desfavorecimento a outros. Não é por, mesmo depois de levar o puxão de orelhas e a reguada na palma da mão, o Conselho de Disciplina vir lembrar que mesmo que o recurso fosse apreciado ele estaria destinado a ser derrotado em nome de uma “doutrina do campo de jogo” que o VAR já devia ter posto pelo menos um pouco em causa. Não é sequer por incompetência de quem vem agora dizer que não poderia saber que tinha o recurso na pasta de spam do Mail, quando na verdade deve fazer tudo para evitar que isso suceda e verificar regularmente se aconteceu. O que me choca, ali, é que os distintos membros do Conselho de Disciplina tenham feito saber que o recurso não tinha sido apreciado porque não tinha sido entregue pelas vias corretas, que devia ter sido colocado na plataforma existente para estes casos. Afinal, o Mail não só é regulamentarmente previsto, como no início da época houve até endereços validados, presumivelmente para que ao que deles chega não possam acontecer coisas como a entrada na pasta de spam. À justiça podemos perdoar uma desatenção, que um mau dia acontece a qualquer um. Podemos perdoar a incompetência, que não temos todos a mesma capacidade. A única coisa que não deve perdoar-se para que o sistema funcione é a desonestidade.
"Crônica de uma morte anunciada"