A responsabilidade e a revolta
O dérbi coloca frente a frente uma equipa a sentir a responsabilidade da defesa muito complicada do título e outra a canalizar para a revolta a vontade de mostrar que é melhor do que diz a tabela.
No momento em que os jogadores de Sporting e Benfica subirem ao relvado de Alvalade para pôr um ponto final no domingo de Páscoa com mais um dérbi lisboeta, vamos ter de um lado o peso da responsabilidade e do outro a crença da revolta. É altamente provável que, naquele momento, ao Benfica já não reste sequer a possibilidade matemática de vir a ser campeão e, para ser honesto, mesmo o segundo lugar depende de demasiados fatores alheios para poder ser encarado como um objetivo imediato, pelo que a Nélson Veríssimo pouco mais restará do que apelar à revolta dos seus jogadores, à vontade que inegavelmente terão de demonstrar que valem mais do que este terceiro lugar. Do outro lado, o Sporting ainda encara o jogo com o peso da responsabilidade da defesa cada vez mais complicada do título: para os jogadores de Rúben Amorim este é um desafio de ganhar ou ganhar se querem ter uma esperança – ínfima, é certo – de poderem vir a capitalizar com eventuais desaires do FC Porto nas difíceis saídas a Braga e à Luz.
É nestes jogos – também – que se vê quem são os campeões. É verdade que, nos últimos anos, eles se fizeram quase sempre ao contrário: as águias na luta por títulos, os leões a ver se ganhavam, pelo menos, o chamado “campeonato da segunda circular”. E não há muitos relatos de festas estragadas ou de fins de linha para quem ainda lutava por objetivos. Mas o dérbi de domingo vai ser muito diferente, por exemplo, dos dois da época passada. No da segunda volta, que o Benfica venceu, na Luz, por 4-3, os leões tinham acabado de celebrar a conquista do título. O primeiro, em Alvalade, foi um jogo tenso, resolvido a favor do Sporting com um golo de Matheus Nunes já em período de compensações (1-0), mas no qual ficou sempre a ideia de que as duas equipas assinariam por baixo a possibilidade de empatar. Na penúltima ronda da primeira volta, a equipa de Rúben Amorim liderava a Liga, tinha quatro pontos de avanço sobre o FC Porto e seis sobre o Benfica, mas ainda não mostrava esse “instinto assassino” de que se fazem os campeões e, mais do que acabar com um os rivais, parecia ficar feliz por poder gerir a vantagem para ambos.
Ora desta vez os leões não podem empatar. A margem até final da Liga é curta – depois deste jogo são quatro jornadas. E se isso pode funcionar como um alívio para os que ali olhem para trás – mesmo perdendo por mais de dois golos, os leões ficariam a duas vitórias e um empate de garantir a segunda entrada direta consecutiva na Liga dos Campeões – vai certamente ser um empecilho para os que olham para a frente e ainda sonham com a revalidação do título. E a questão é que o Sporting não tem ganho assim tanto para ter adeptos habituados a olhar mais para a frente do que para trás. Foram nove campeonatos nos últimos 60 anos, o máximo que pode alcançar a memória dos adeptos mais velhos – para recordar nove Ligas ganhas, os portistas só precisam de recuar 16 anos e os benfiquistas 31. É adepto do Sporting e quer saber em que grupo se encontra? É fácil. Se já lamentou o facto de ter de jogar com o Benfica antes de o FC Porto o fazer – será na 33ª jornada – é dos que olha para trás; se isso lhe for absolutamente indiferente e pensa “é para ganhar e pronto” faz parte do grupo dos que olha para a frente. A questão é a de se perceber em que grupo se encontram os jogadores, porque são eles que vão decidir tudo.
Do lado do Benfica, o objetivo já não é a conquista do título. Basta que o FC Porto pontue no sábado, na receção ao Portimonense, para que o campeonato seja impossível, mesmo de um ponto de vista matemático, para os encarnados. Realisticamente, mesmo o segundo lugar se tornou muito complicado com a recente derrota em Braga: a equipa está neste momento a nove pontos do rival e, mesmo ganhando, ficaria a seis, com doze por disputar. Ganhando os jogos todos daqui até final – e no lote estão a receção ao FC Porto e visitas complicadas, ao Marítimo e ao FC Paços de Ferreira – o Benfica ainda teria de esperar que o Sporting fizesse menos de seis pontos nas quatro partidas que lhe restam para aceder diretamente à Liga dos Campeões. Se olharmos para o que tem sido este campeonato, é verdade que o Benfica até já encarrilou sete vitórias seguidas – nas primeiras sete jornadas desta época – e que os leões também já tiveram um segmento de quatro jornadas com seis pontos – as duas derrotas da época, com Santa Cara e SC Braga, surgiram separadas por quinze dias – mas só a repetição do melhor Benfica e do pior Sporting poderia dar ultrapassagem sobre o risco de meta. Claro que é possível, mas será muito difícil.
O objetivo, para os encarnados, é a reposição da honra, é a possibilidade de dar corpo à revolta que sentem por acharem que são melhor equipa do que a pontuação atual dá a entender. É ganhar todos os jogos para poderem acabar a Liga com 79 pontos, mais três do que na época passada e mais dois do que há dois anos – mas menos oito do que no ano do título com Bruno Lage. E esse objetivo pode até ter sido ajudado pela recente demonstração de qualidade em Anfield Road, ainda que contra um Liverpool FC a gerir – o esforço até mais do que os titulares –, porque empatar ali ajuda qualquer equipa a acreditar mais no processo e no trabalho que está a desenvolver. O Benfica pode até ir mudar muita coisa a partir do Verão, com novo treinador, novos conceitos e um plantel revolucionado de acordo com uma política desportiva diferente, mas para estes jogadores nada disso importa. O que importa é perceber quão duramente querem mostrar que são melhores do que mostra a classificação.
Claramente, eu como Benfiquista acho que pode jogar a nosso favor o facto de a equipa ir jogar sem qualquer pressão. E espero uma equipa com coragem e a jogar claramente pela honra, dar uma boa imagem e mostrar o porquê de terem chegado aos quartos da LDC. Espero um jogo bem disputado, espectacular e que o meu Benfica ganhe é claro 😅
Cumprimentos
Creio que o campeonato está resolvido, mas que o peso da responsabilidade daquela réstia de esperança poderá tolher a equipa do Sporting. É campeã, está mais adulta, mas o clube ainda vive sob o estigma de anos e anos de insucesso, do quase que chegamos lá. O Benfica pode aproveitar isso e o embalo da boa prestação em Anfield, embora também seja preciso esperar para ver que face vai apresentar a equipa, que ao longo da época oscilou entre o bom e muito mau, muitas vezes de forma perfeitamente incompreensível. Mas estou convicto que em matéria de campeonato o dérbi pouco decidirá, porque o Porto vai resolvê-lo com uma vitória hoje sobre o Portimonense.