A renovação de Grimaldo
Grimaldo é o mais difícil de substituir em toda a equipa do Benfica, mas quererá isso dizer também que deve ser o mais bem pago do plantel? É que nem sempre uma coisa tem que ver com a outra.
Dizia a anedota que sempre que o Governo queria fazer passar uma medida impopular era só esperar por uma alegria do Benfica, porque ela anestesiava o povo e o preparava para o pior. Hoje, a olhar para a primeira página de A Bola, os mais anestesiáveis já estarão a pensar em que é que o clube vai gastar os 340 milhões de euros resultantes das esperadas vendas de António Silva (100 milhões), Florentino e Gonçalo Ramos (120 milhões cada um). E, porém, o jogador mais difícil de substituir no atual plantel de Roger Schmidt não é nenhum dos três – nem era Enzo Fernández, como se tem visto desde que o argentino saiu para o Chelsea e a equipa continuou a carburar. O jogador mais difícil de substituir no atual plantel de Schmidt é Grimaldo, o lateral-esquerdo que acaba contrato no Verão e com o qual tem sido impossível renovar. Ainda no jogo com um FC Famalicão muito fechado atrás, na sexta-feira, se viu como o espanhol foi o abre-latas de que a equipa precisava quando já se via que não conseguia ser brilhante ou avassaladora no ritmo e na pressão. Se não é pelos livres é pelos remates de longe, como aquele em cuja recarga Gonçalo Ramos fez o 2-0, ou pelas subidas seguidas de cruzamentos certeiros, como os dois seguidos que valeram o primeiro golo ao avançado. Foi notável como conseguiu, primeiro, coordenar o ataque à profundidade com o momento do passe de Otamendi e, sobretudo, como recebeu e meteu a bola redondinha para a finalização. Grimaldo, cujas costas eram uma vulnerabilidade tal para o Benfica que levaram Jorge Jesus a mudar o sistema, passando na altura a jogar com três centrais, voltou a sentir-se à vontade numa linha de quatro, porque à sua frente mudou toda a resposta coletiva à perda de bola. E tornou-se o maior desequilibrador desta equipa, sobretudo contra adversários que jogam tão baixo no campo como fez o último. Ristic pode até ser um bom lateral, mas não é Grimaldo – se fosse jogava mais vezes e o espanhol não seria o jogador de campo mais utilizado da época, com mais 460 minutos do que Florentino, que é quem se segue. São cinco jogos inteiros – mais uns pozinhos – de diferença... E, antes de se saber se consegue fazê-lo, a questão que se coloca é esta: deverá o Benfica fazer um esforço para segurar o jogador? Ou, dito de outra forma, se Grimaldo é o jogador mais difícil de substituir, fará sentido torná-lo também o mais bem pago do plantel para o convencer a renovar contrato? A resposta não é linear e não é sequer porque os 28 anos que o lateral espanhol completa em Setembro tornam difícil que ele venha a justificar manchetes em que se juntam o nome dele e quantias próximas dos 100 milhões de euros, como acontece com as jovens promessas de quem se fala hoje. Ou por não se saber se a vontade dele não é mesmo a de experimentar uma Liga mais atrativa e exigente do que a nossa. Ou, finalmente, porque, vista a questão de uma forma fria e racional, aquilo que se vai gastar a contratar um jogador para o substituir será sempre mais do que aquilo que ele quererá para ficar. É porque um balneário tem regras. E uma delas é que não se conjuga equipa rigorosa e competitiva com grandes diferenças salariais. O Benfica até pode ter o dinheiro para duplicar o salário de Grimaldo – e até já é, de longe, o clube que gasta mais em salários em toda a Liga Portuguesa – mas isso não quer dizer que deva fazê-lo, pelo menos enquanto não conseguir garantir receita que lhe permita acompanhar o incremento salarial que permitiria manter Grimaldo de aumentos significativos para os outros elementos importantes no grupo. É que 20 milhões gastos no mercado num novo lateral-esquerdo não são tão difíceis de justificar internamente como cinco ou seis milhões dados de prémio de assinatura a um que já lá está.
Amorim e os pontas-de-lança. O Sporting viu-se aflito para marcar um golo em Portimão e foi salvo por Paulinho, que transformou em três pontos praticamente a primeira bola em que tocou, depois de ter saltado do banco. Não foi um jogo em que os leões tenham jogado mal. Pelo contrário: a prová-lo está o índice de golos esperados (xG) da partida, em que se mostra que o resultado normal seria de 0-4. Mais do que em qualquer outro jogo dos leões este ano, este foi um desafio em que colhe a conversa da eficácia. Não fazem nenhum sentido, contudo, as narrativas que, volta-não-volta, regressam, da falta de um verdadeiro ponta-de-lança ou da necessidade de passar a jogar com dois homens na frente, em 4x4x2. A começar porque, mesmo que haja quem defenda as duas, elas se contradizem. Então se, de acordo com essa ideia, o Sporting não tem nenhum bom ponta-de-lança, o que tem a fazer é meter lá dois? Então se, de acordo com o que também se vê e lê por aí, “Inácio é jogador de seleção”, “Saint Juste é o melhor central do Sporting”, “Coates é um patrão” e o “Diomande é um diamante”, o melhor que o Sporting tem a fazer é abdicar dos três atrás e colocar a jogar só dois destes quatro? O problema do Sporting não é o sistema de que, bem, Amorim raramente abdica, porque a equipa está a melhorar de forma consolidada na saída de trás e porque é sempre possível mudar pela troca de jogadores – e ele fê-lo em Portimão. Vou dar-vos uma novidade: as dinâmicas vistas com a acumulação de Paulinho e Chermiti podem ser replicadas com quaisquer outros jogadores da frente de ataque leonina, que não é por estes dois terem um post-it colado na testa a dizer “ponta-de-lança” que aparecem em zonas de finalização. O jogo de Portimão é um péssimo jogo para se lembrarem de que o sistema não serve, porque mesmo contra uma linha defensiva de seis homens, o Sporting criou mais de uma mão-cheia de oportunidades flagrantes de golo e devia ter ganho tranquilamente. O jogo de Portimão, somado ao facto de o melhor marcador do Sporting em 2020/21 ter sido Pedro Gonçalves, que jogava a partir da direita, e de o melhor marcador do Sporting em 2021/22 ter sido Sarabia, que jogava a partir da direita, mostra que a questão não é de falta de pontas-de-lança. Porque tanto em Portimão como nos 85 pontos feitos em 2020/21 e em 2021/22 se vê que a equipa funciona assim, mesmo que não haja ninguém com o tal post-it colado na testa. O problema é que muita gente continua a ver o futebol colocando o individual à frente do coletivo. E, deixem-me dar-vos outra notícia: a coisa funciona ao contrário.
O Liverpool FC e os pontas-de-lança. Quem é que trazia o post-it a dizer “ponta-de-lança” na equipa do Liverpool FC que ontem aviou o Manchester United por 7-0? Todos, mas todos, os três da frente, preferem jogar a partir da faixa lateral – e fizeram-no em boa parte do jogo – mas cada um deles marcou dois golos. Porque, lá está, não é preciso ter o tal post-it colado na testa para marcar golos. O que é preciso é ter uma boa relação com a finalização e saber aproveitar as situações quando elas aparecem. Não concordo nada com aquele lugar-comum que se diz quando não se ganha um jogo em que se foi melhor, segundo o qual “preocupante era se a equipa não criasse situações de golo”. Não: é igualmente preocupante que as crie e as não finalize bem. Nem acredito no outro chavão, que se usa quando se ganha um jogo com um golo feito em meia oportunidade, que diz que se venceu com sorte ou com “estrelinha”. Não: se se marcou um golo em meia oportunidade é porque se teve muito mérito. Criação e finalização são dois processos ligados mas independentes e tanto um como o outro têm de ser aprimorados. Se o Liverpool FC fez sete golos ao Manchester United num jogo em que teve um xG de 2,9 foi porque Gakpo, Darwin Nuñez e Salah mudaram tudo com o acerto face às redes de De Gea, transformando um meio-campo que tinha sido ridículo no 2-5 contra o Real Madrid numa combinação vencedora – ontem, é certo, estava Elliott em vez de Bajcetic, mas não há-de-ter sido por aí que o jogo foi ganho. Jürgen Klopp começa a ver a vaga na próxima Champions como possível, inclinando para um dos lados a luta entre a desistência e a vontade de reconstrução da equipa, mas só tem de fazer uma coisa, que é ser fiel às suas ideias. Da mesma forma que Erik Ten Hag viu o número sete regressar para o assombrar – a coincidência entre o resultado e o número de Ronaldo já tirou muita gente da caverna para onde tinha hibernado quando o Manchester United começou a ganhar jogos e se aproximou dos da frente –, mas terá mais coisas com que se preocupar. A começar pelo comportamento entre o ausente e o birrento de alguns jogadores em campo. Porque é quando estas coisas começam a correr mal que os líderes têm de se mostrar e isso não se viu na equipa do United. Nem em Bruno Fernandes, nem em Casemiro nem em Rashford, por exemplo.
Para mim, Grimaldo precisa mais do Benfica, que o contrário.
O Benfica com o dinheiro que Grimaldo pede, pode ir ao mercado buscar outro lateral e mais novo com outros objectivos de futuro rendimento.
Já Grimaldo não terá a certeza assentar tão bem noutro campeonato e equipa, como a que tem no Benfica.