A realidade paralela
Na realidade de Schmidt, o Benfica fez um bom jogo contra o Rangers. Não fez. Fez umas coisas bem, outras muito bem, podia e devia ter ganho, mas fez muitas coisas mal – e foi por isso que não ganhou.
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Já vos disse ontem que não me parece nada que Roger Schmidt tenha de pedir desculpa pelos maus resultados do Benfica – da mesma forma que eu também não tenho de pedir desculpa por não ter sido agraciado com o talento do Martin Amis para a escrita. Mas seria estranho que eu de repente olhasse para o que escrevo e visse o London Fields ou o Money, as obras-primas do escritor britânico. Ontem, após a terceira partida consecutiva do Benfica sem ganhar (com duas derrotas e um empate), Roger Schmidt olhou retrospetivamente para o que se passou e disse que a equipa tinha feito um “bom jogo”. Mais à frente foi mais específico e declarou que a equipa fez “muitas coisas boas” – e aqui não há como contrariá-lo. Contra o Rangers, o Benfica fez coisas boas, mostrou até coisas muito boas, mas fez demasiadas coisas mal e foi por isso que não ganhou a um adversário ao qual é incomparavelmente superior. O Benfica entrou a 200 à hora – e isso foi bom. Mostrou vontade de pressionar com intensidade desde o início e isso também foi bom, porque revela que a equipa quer sair do período negro que atravessa e que nem está assim tão afetada pela sequência de maus resultados. Teve em João Neves um dínamo dotado de uma energia e de uma clarividência impressionantes e isso foi excelente. Mostrou, a espaços, uma boa dinâmica ofensiva na esquerda entre Aursnes e Neres, como no lance da primeira situação de golo que criou, aos 14’, e isso também foi interessante. Mas permitiu que a energia global para a pressão se extinguisse nos jogadores da frente bem antes do meio da primeira parte e isso é mau. Demonstrou falta de harmonia coletiva nos momentos de pressão mais alta, deixando sempre via de saída pelo meio do campo, o que é bizarro, tendo em conta que a pressão é a escola do treinador. Voltou a definir mal em vários lances de contra-ataque em campo aberto, o que ou revela falta de talento ou falta de trabalho daquelas situações em específico, o que é estranho, considerando que essa também é a sua forma predileta de ferir os adversários. E aceitou durante todo o jogo que os quatro homens da frente abdicassem de voltar para trás e de ajudar atrás da linha da bola em organização defensiva, o que é de todo incompatível com a possibilidade de se ganharem jogos ao mais alto nível. Admito que haja aqui uma correlação entre as apreciações que dizem que este Benfica de 2023/24 é uma soma de talentos individuais sem trabalho coletivo e esta admissão de que alguns desses talentos individuais não devem baixar para defender, mas a questão é se isso permite fazer uma equipa de sucesso. Permitirá em muitos jogos, quando os adversários são mais fracos – e a prova de que o Rangers não é assim tão forte é que ontem podia perfeitamente ter chegado para levar vantagem para Ibrox. Mas julgo que acabará por tolher a equipa em muitos outros, sempre que os adversários tirarem Schmidt dessa realidade paralela em que que as outras equipas não lhe exploram a imensidão de espaço entre linhas para avançar com bola e, chegados perto da área de Trubin, não envolvem gente das linhas mais recuadas na largura para tornar impossível a tarefa dos jogadores metidos no processo defensivo a proteger as suas redes. O Benfica continua em três frentes – e isso também é bom. Estou convencido de que pode perfeitamente ir ganhar a Glasgow, o que é excelente. Mas para passar mais patamares na Liga Europa e, sobretudo, para se impor a Sporting e FC Porto no panorama nacional, tem de olhar para o jogo de outra forma. A entrada de Florentino no onze ajuda, mas pode não ser suficiente para tirar a equipa desta realidade paralela em que se deixou cair.
O que dá uma manita. Sérgio Conceição esteve muito bem a travar a euforia dos jogadores que, na sequência da goleada (5-0) ao Benfica, posaram para uma fotografia, à mesa de um restaurante, com os cinco dedos de uma mão bem abertos e um sorriso rasgado. Não foram Evanilson, Galeno, Wendell ou Pepê que publicaram a foto, é verdade, mas não deixaram de colaborar com a brincadeira, que de resto também serviu de mote a Fábio Silva, ex-jogador dos dragões, que ontem reagiu aos assobios com que foi brindado ao deixar o relvado da Luz mostrando os mesmos cinco dedos àqueles que o apuparam. A questão, aqui, não é tanto de respeito devido aos vencidos – mas também é... – como de respeito por si mesmo. Porque o FC Porto ganhou por cinco golos, mas continua seis pontos atrás do Benfica – e sete atrás do Sporting. E isso, num clube como o FC Porto, não é motivo nem de orgulho nem muito menos de satisfação ou galhofa. É normal que Conceição tenha de explicar isso aos jogadores que ali chegaram há pouco tempo. Não é tão normal assim que precise de o dizer também a Pinto da Costa, que fez uma brincadeira parecida quando foi entregar as rosetas de ouro aos sócios com 50 anos de afiliação. “Até julguei que o número 50 estava ali por causa dos 5-0”, gozou o presidente-candidato. Todos se riram, como é evidente, mas a mim a coisa soou-me como se Pinto da Costa se deixasse fotografar à mesa com cinco dedos abertos.
Os problemas do Chelsea. O Chelsea declarou ontem um prejuízo antes de impostos de 105,4 milhões de euros no exercício entre Julho de 2022 e Junho de 2023. Todd Boehly e os donos da Clearlake Capital, Behgdad Eghbali e José Feliciano, podem até estar interessados em deitar mais notas para alimentar a fogueira que são as contas do clube e em fazer mais contratos de oito anos com jogadores, a magia contabilística que permite espaçar perdas por mais tempo, mas estes números, somados aos 142 milhões de euros negativos registados em 2021/22, são um problema, tanto para o fair-play financeiro da UEFA, como sobretudo para as regras de lucro e sustentabilidade da Premier League, que limitam as perdas a 122 milhões de euros num período de três anos. É por isso que sempre que vejo notícias acerca da interesse do Chelsea em mais e mais jogadores fico à espera que aconteça... mas sentado, para não me cansar muito. Nos jornais de hoje, é Diomande que está no radar. Mas não só o Sporting terá de encarar o próximo mercado de vendas com um nível de exigência acima daquilo a que está habituado – são tantos os jogadores aparentemente na porta de saída, que dá para esticar as condições das vendas – como, no caso do Chelsea, até pela ausência das provas europeias e pela drástica diminuição do valor recebido pelos direitos televisivos que corresponde ao meio da tabela que ocupa na Premier League, parece mais do que evidente que antes de contratar seja quem for, o clube terá de vender bastante.
Vamos decidir o que fazer. Aproveitei o meu aniversário, na semana passada, e a promoção que faço sempre nessa data aqui no meu Substack, para fazer um balanço da minha atividade como jornalista profissional independente dos grandes grupos de media. Sim, para o caso de ter vindo aqui parar um pouco ao calhas, estranhamente enviado pelo algoritmo de uma das redes sociais que ainda promovem o que não é a busca da polémica estéril, isto aqui é a minha atividade profissional. O meu trabalho. De 1 de Março de 2023 a 1 de Março de 2024, o total de subscritores gratuitos do meu Substack cresceu 30 por cento. São já quase seis mil os que decidem receber o meu trabalho diretamente na caixa de Mail, sem depender do humor do Facebook ou do Twitter. Em contrapartida, nesse mesmo período, o total de subscritores Premium do meu Substack cresceu apenas 0,4 por cento, para um total que não chega sequer aos 250. Quero que entendam muito bem o que vou escrever a seguir: a responsabilidade é minha e de mais ninguém. Desde o início desta aventura, em Outubro de 2021, deixei sempre claro que há dois tipos válidos de apoio ao meu trabalho: a subscrição gratuita e a subscrição Premium. Ninguém é obrigado a tornar-se Premium, seja porque não pode – e sim, a vida vai custando cada vez mais a todos –, seja simplesmente porque não quer, ou por entender que o meu trabalho não justifica os 4,06 euros mensais (mais IVA) que custa a subscrição ou por achar que tem mais onde gastar o dinheiro do que em jornalismo. Por um lado, compreendo. É que, fazendo a minha reflexão anual, admito que possa ter em certa medida descurado nos últimos 12 meses o que ofereço a quem paga para eu poder continuar a fazer jornalismo. O Último Passe, que é gratuito, passou a cobrir quatro temas em vez de um, o que me leva as manhãs quase inteiras. O Futebol de Verdade, no YouTube, que também é gratuito, passou a ter quase uma hora por dia, levando-me boa parte das tardes entre preparação, gravação, edição e publicação. Sobra cada vez menos tempo para trabalhar para quem me apoia – e é isso que pretendo corrigir. Tenho ideias muito claras acerca do que quero fazer e vou explicar tudo hoje, às 18h, na edição Live do Futebol de Verdade, no meu canal de YouTube (se ainda não me seguem lá, têm aqui o link). Apareçam mais logo se querem deixar uma opinião acerca da matéria. Estarei lá para vos ouvir.