A prova real
Numa altura decisiva da época, o Sporting tem uma terceira oportunidade contra a equipa que mais desconforto lhe causou, a Atalanta de Gasperini. Terá de gerir o efetivo, mas sabe que erros cometeu.
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O jogo com a Atalanta (Sport TV 1, 17h45) será uma boa medida para se ver em que ponto de evolução está o Sporting de 2023/24. Pela frente, em Alvalade, a equipa de Rúben Amorim terá o adversário que mais desconforto lhe causou em toda a época, a Atalanta que Gianpiero Gasperini transformou num modelo de um determinado tipo de futebol – e um tipo do qual os leões, curiosamente, até importaram algumas facetas. Na primeira parte do desafio da fase de grupos, naquele estádio, o Sporting foi trucidado pelo jogo feito de marcações individuais, de poder físico, de atração à pressão seguida de verticalização, de saída constante dos centrais exteriores para zonas de criação e até de finalização. Aos 0-2, Amorim mudou. Meteu no jogo o um-para-um de Edwards e Catamo, fundamental para desencaixar das marcações, e deu ao meio-campo o poder criativo de Pedro Gonçalves, abdicando de um jogador que a temporada veio a provar ser uma das suas principais armas para sair da pressão, que foi Hjulmand. Nessa tarde os leões já só conseguiram reduzir para 1-2. No jogo de Bergamo, em que voltou a sair para o intervalo a perder, Amorim repetiu a receita; chamou Edwards e Catamo e o Sporting foi muito melhor. Empatou, devia ter ganho, mas ficou a sobrar-lhe a dúvida acerca do que teria sucedido se a Atalanta precisasse mesmo de vencer. É que com aquele empate, a uma ronda do final, os italianos asseguraram desde logo o primeiro lugar na fase de grupos, o que os isentou do play-off a que o Sporting ficou condenado. As duas equipas voltam a defrontar-se agora e ambas se queixam do mesmo – de um calendário atrofiado, no caso leonino por conta da Taça de Portugal e do tal play-off com os Young Boys, no caso italiano por terem tido de defrontar o Inter em recuperação de uma partida que ficara adiada devido à participação nerazzurra na Supertaça, na Arábia Saudita. E se o facto de este ser um confronto repetido vem de certa forma atenuar a necessidade de tempo de preparação da eliminatória – tanto Amorim como Gasperini reconheceram que não puderam preparar condignamente o jogo de hoje – isso já não tem os mesmos reflexos na gestão de recursos humanos a que ambos se têm visto obrigados. Se para o Sporting o objetivo número um é a Liga, a conquista do título e de uma vaga na próxima Liga dos Campeões, a Atalanta entra com a ideia na recuperação do quarto lugar que lhe permita também voltar à Champions depois do Verão. Ambos terão de gerir o efetivo, o que no caso do Sporting deve implicar a ausência do passe progressivo de Inácio desde a linha de trás, a impossibilidade de meter a criatividade entrelinhas de Pedro Gonçalves e até, talvez, a necessidade de abdicar de um dos seus dois dínamos de meio-campo, Hjulmand ou Morita. E não é só nem fundamentalmente porque domingo há um jogo fulcral em Arouca – é porque não estarão em condições de dar o que a partida pede hoje. Há erros, contudo, que o Sporting não pode repetir. E um deles passa pela adequação estratégica ao que pede o futebol desta Atalanta: pede posses prolongadas, citação aos duelos individuais através da exploração da condução de bola, desmantelamento da organização defensiva pela circulação baixa. Tudo isso está identificado. E é na resposta a esse desafio, tanto como no modo de encarar o jogo físico da Atalanta e o bloqueio mental que implica defrontar um adversário que já lhe causou tantos problemas que está a prova real ao que vale neste mês de Março o Sporting de 2023/24.
Tudo normal como antes. A Liga dos Campeões propõe-nos hoje mais dois confrontos assim meio desiguais, os de hoje entre o Manchester City e o FC Copenhaga e entre o Real Madrid e o RB Leipzig, como os de ontem o foram, entre o Bayern Munique e a Lazio e entre o Paris Saint-Germain e a Real Sociedad. Não se enganem, que não vos falo de equipas fracas. A Real Sociedad já deu duas lições ao Benfica, a Lazio joga a Serie A, o RB Leipzig vem da Bundesliga, mas os adversários são do nível dos colossos aos quais nem as crises trazem dúvidas nestas alturas. Mbappé está em desagregação com o resto da equipa, assumida a sua saída a partir do final da época? Está bem, mas entretanto mete dois golaços, a acabar com as esperanças dos bascos em repetir a saga anti-francesa narrada na canção de Rolando, o primeiro depois de uma finta magistral sobre Zubeldia, vou, não vou, afinal vou mesmo, e o segundo com um tiraço ao poste mais próximo, a aproveitar a fixação do pé de apoio do guarda-redes Remiro. Este Bayern não ganha a ninguém, não sabe o que há-de fazer com o treinador e está apenas à espera do final da época para recomeçar tudo de novo? Está bem, mas continua a ter Kane, avançado capaz de transformar um raro remate de pé direito de Guerreiro num golo e de se manter em jogo para recargar um tiro de Sané para mais outro. A Liga dos Campeões tem esta coisa: não deixa cair aqueles que lhe dão o nome. Esses mesmo. Os campeões.
O destino de Djaló. A história de Álvaro Djaló, jovem craque que despontou no SC Braga em ano e meio com Artur Jorge, merece ser contada. Filho de um guineense, nasceu no bairro popular de Vallecas, em Madrid, mas cedo foi viver para o País Basco. Jogava no modestíssimo SD Begoña e, em 2017, quando estava prestes a fazer 18 anos, anunciou que vinha a Portugal ver a avó. Passou o Verão e no clube estranharam que não se apresentasse para o início dos trabalhos, mas só quando o viram em imagens que tinham sido publicadas nas redes sociais do Benfica, onde ele tinha ido prestar provas, é que alertaram o Athletic Bilbau, clube com o qual têm um convénio. Já era tarde. Djaló não ficou no Benfica, não ficou no Sporting, mas foi aceite no SC Braga, que fez tudo para ficar com ele e o integrou na equipa de sub19 de que faziam parte Moura, Vitinha, Samu ou David Carmo. Passou pelos sub23 e pela equipa B antes de se estrear na principal, pela mão de Artur Jorge. Na estreia, contra o Sporting, em Braga, entrou a cinco minutos do fim, a tempo de partir Esgaio com uma mudança de velocidade após a qual deu a Ruiz o golo do empate (3-3). Nas jornadas seguintes, mais duas assistências, para Banza em Famalicão e outra vez para Ruiz contra o Marítimo. E se a primeira época foi boa, com cinco golos e cinco assistências, a segunda está a ser melhor, pois Djaló acompanhou o aumento do peso específico no equilíbrio global do balneário com o crescimento da sua conta goleadora. Já lá vão 14 golos, 12 deles até ao fim de Novembro. Os três últimos meses trouxeram-lhe uma quebra de rendimento relacionada com o mercado. A transferência para o Athletic, onde joga o primo – Adu Ares – mostra que terá sido mais forte o desejo de voltar a reunir-se à família. Djaló teve a sorte de passar por Braga, onde fizeram dele futebolista de alto rendimento. E o SC Braga não só sai recompensado com 15 milhões de euros como já tem Roger em linha para lhe suceder.
E o azar de Pedri. Se Djaló só fez o primeiro jogo de alta competição – na I Liga – uma semana antes de completar 23 anos, tendo-lhe sido dado todo o tempo do Mundo para maturar física e mentalmente – e possivelmente levando-o a lamentar o que pode ter sido tempo perdido – há quem veja acelerado o processo de chegada à alta competição e depois disso se arrependa. Pedri ainda só tem tem 21 anos e um historial de problemas que envergonharia um veterano. Tudo começou na temporada de 2020/21, a que veio depois da pandemia e se transformou numa epopeia. Pedri só fez 18 anos a meio dessa época e já vinha de um exercício na UD Las Palmas, na II Liga, por empréstimo do FC Barcelona, mas depressa se tornou fundamental no meio-campo do Barça de Koeman. Ao todo, entre 3 de Setembro de 2020, data de uma partida da seleção de sub21 na Macedónia, e 7 de Agosto de 2021, dia da derrota contra o Brasil na final dos Jogos Olímpicos, fez 72 jogos. Foram 52 pelo clube, mais quatro na seleção de “esperanças”, dez na seleção principal e seis na seleção olímpica. Jogou a fase final do Europeu itinerante e dos Jogos Olímpicos – e vá lá não se terem lembrado de o levar também à fase final do Europeu de sub21, que decorreu ao mesmo tempo do estágio dos AA. Ainda assim, nesse ano não teve tempo para férias nem pré-época. Uma semana exata depois da final olímpica, Pedri começava nova Liga espanhola como titular, contra a Real Sociedad. E nessa temporada vieram as primeiras três lesões musculares na coxa. Já só fez 24 jogos, 22 no clube, dois pela seleção. Em 2022/23 ainda aguentou até Fevereiro sem se lesionar, mas mais dois problemas musculares tiraram-lhe o final da época, na qual ainda jogou 41 partidas, 35 pelo clube e seis na seleção. Esta época vai em 24 jogos – todos no clube – e três lesões musculares, a mais recente das quais sofrida no domingo, a meio do jogo em Bilbau. Ao todo, em três anos fez apenas mais 17 partidas do que naquela época descomunal de arranque. O que fizeram a Pedri, dizendo-lhe que estavam a lançá-lo, foi acabar com ele.