A primeira regra do Amorinismo
O afastamento de Rashford e Garnacho do dérbi com o City mostra a primeira regra do Amorinismo – a exorcização de um grupo com histórico de resultados que o torna tóxico. Com um sorriso nos lábios.
Palavras: 1251. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
Sabem quantos jogadores do primeiro onze de Ruben Amorim no Sporting, o da vitória sobre o CD Aves, em Março de 2020, estavam no plantel que ganhou o campeonato seguinte, em Maio de 2021? Dois: Coates e Luís Maximiano – e mesmo este foi relegado para o banco após a chegada de Adán. Tinham passado apenas 14 meses e toda uma equipa se desfez. Quando, após a derrota com o Nottingham Forest, a segunda consecutiva, disse que já passara pelo mesmo – “e por pior” – no início no Sporting, Amorim não estava a ser verdadeiro, que à chegada a Alvalade só perdeu ao nono desafio, mas não deixa de haver pontos de contacto da atualidade com aquilo que ele fez em Alvalade, por exemplo, no processo de separação de alguns elementos de um grupo que pelo histórico de derrotas acumuladas no passado recente pode tornar-se tóxico e exige a rápida exorcização. O tão mediático afastamento de Rashford e Garnacho do dérbi com o City podia ter mil e uma razões para acontecer, da indisciplina ao fraco rendimento nos treinos ou até à necessidade de fazer receita no mercado de Janeiro para ir a correr buscar reforços, mas a mais própria do Amorinismo é a necessidade urgente de encontrar exemplos punitivos para encorajar as mudanças de comportamento e convencer os sobreviventes de que não têm nada que ver com o que estava mal. E, de todas, é essa a fundamental.
O facto de a tendência se repetir, de Amorim estar a preparar-se para fazer em Old Trafford o que fez em Alvalade, deve levar-nos a olhar para os acontecimentos numa perspetiva que não seja a imediatista, a que nos conduz para a dinâmica ação-reação. Treinou mal? Não é convocado! Comeu mal? Fica de fora! Vestiu mal? Vê o jogo na televisão! Não é isso que está em causa. Como não será a necessidade de mudar o plantel já em Janeiro. As contas de merceeiro que podemos fazer do lado de cá, porque não estamos na posse dos números todos, dizem-nos que o Manchester United estará atado de pés e mãos no mercado de Janeiro, porque o que já gastou esta época o impedirá de ir buscar mais reforços sem infringir as regras de lucro e sustentabilidade da Premier League a não ser que venda jogadores para equilibrar a balança. Mas isso não é relevante. Dificilmente Amorim será julgado pelos resultados de um ano do qual já nem adeptos nem administração esperariam grande coisa. O que está ali em causa não é a necessidade de ser campeão em 2025 – e ainda bem, porque isso não vai acontecer. Da mesma forma que me parece que, mesmo sem reforços, este plantel até pode chegar para ser quinto classificado, que é onde se colocará a barreira de entrada na Liga dos Campeões, pois a Inglaterra será uma das duas primeiras nações no ranking deste ano e garantirá uma vaga suplementar em 2025/26. Mas, mesmo depois de ter chegado a estar em lugar de apuramento, que era o terceiro, Amorim falhou a Champions na primeira meia época de Sporting, batido na reta final pelo SC Braga que ele deixara a Artur Jorge. E isso não o impediu de seguir em frente.
Em Inglaterra, anda toda a gente muito entretida com esta dimensão punitiva da decisão de afastar Rashford e Garnacho, a ponto de se ter tornado assunto o facto de haver uma fuga de informação recorrente a permitir que os onzes do United venham sendo sempre partilhados, um dia antes dos jogos, no Twitter. Vou dar-vos uma novidade – na época passada, um grupo de Whatsapp em que eu também estava teve, até Abril, todos os onzes do Sporting, sempre de véspera. Ruben Amorim saberia disso, terá até tentado limitar a fuga – e no final conseguiu mesmo fazê-lo... –, mas não deixou de ser campeão por causa disso. E é por isso também que ele desvalorizou a questão da fuga, atribuída nas redes sociais a Garnacho. O “entorno” dos jogadores de hoje torna mais ou menos inevitáveis essas fugas, que há agentes, namoradas, família, amigos, fisioterapeutas, treinadores pessoais, cozinheiros, todo um vasto conjunto de “chegam’issos” impossíveis de controlar... E não é um problema tão grave assim. Como o não será a presença além de Janeiro de Rashford, estrela que dificilmente encaixará no 3x4x3 de Amorim, porque não lhe dá o que ele quer de um ponta-de-lança, não tem o jogo entrelinhas dos avançados interiores nem a capacidade defensiva dos homens de faixa e, ainda por cima, recebe 450 mil euros por semana. Mas, mais do que ao treinador, é à mesma administração que despediu funcionários e cortou a “avença” de embaixador a Alex Ferguson que interessará a saída rápida do jogador, de maneira a poupar nos gastos e ainda realizar alguma coisa com a sua transferência – e não necessariamente para reinvestir em Janeiro. Também Amorim quererá ver Rashford sair? Provavelmente. Mas não precisa que seja já.
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A Amorim, no fundo, o que interessa é olhar para o grupo, ver quem é o Coates, isto é, quem encaixa naquilo que ele quer em termos de comportamento exemplar e liderança, e depois quem pode dar-lhe o que ele pretende futebolisticamente e encontrar forma de fazer da saída de todos os outros ao mesmo tempo um exemplo e um exorcismo. Não é tanto o “se-não-te-portas-bem-vais-de-vela” como é o “se-ficaste-é-porque-a-culpa-não-era-tua”. Mas são as duas coisas ao mesmo tempo. É essa a diferença maior entre esta faceta de Amorim e o que dizem os manuais de liderança “escritos”, por exemplo, por José Mourinho, que ganhava os grupos atirando à cabeça do elemento mais forte que ele não julgasse tão relevante assim para a produção futebolística, dessa forma puxando para o lado dele todos os outros. Mourinho, pelo menos o jovem Mourinho, fazia isso com um charme que o tornava especial. Amorim acrescenta à medida a desresponsabilização imediata do prevaricador, feita a sorrir – e já disse que para quinta-feira, contra o Tottenham, na Taça da Liga, contará com os dois elementos que agora afastou. Como escreveu James Ducker, numa notável análise, no Telegraph de hoje, o técnico “dá-lhes o pau e a cenoura”, num exercício de “presença sem ego”. E isso ele já sabe como se faz. Foi por ver no Manchester United de hoje os mesmos problemas que via no Sporting de 2020 que Amorim quis especificamente aquele clube, aquele contexto. Porque para recuperar aquele clube, naquele contexto, ele já tinha as medidas definidas, já sabia o que resulta. E nem vale a pena dizerem que o plantel deste Manchester United é melhor do que era o do Sporting em 2020, porque não é isso que está em causa – antes de mais porque a concorrência também é mais forte.
Não podemos saber, hoje, quantos jogadores do primeiro onze de Ruben Amorim, o que foi empatar a Ipswich, estarão no Manchester United em Maio de 2026. Não serão mais de três ou quatro – isso é seguro. Talvez sejam menos. Mas o importante é que se entenda que a purga, feita a sorrir, será o ponto de partida para a criação de uma equipa. E que, mais do que em qualquer outra coisa, é nela que está o motor de arranque de qualquer trabalho de recuperação, porque é dela que nasce o carisma do líder nos manuais do Amorinismo.
Eu entendo que um jogador diga que e, casa, à namorada, "eu vou jogar a titular", já acho estranho que diga todo o 11 inicial, entendo ainda menos a quebra de confiança ao dizer ao Mundo o 11 inicial. Seria altura de os clubes imporem uma clausula de confidencialidade, porque assim é inadmissível.