A panela de pressão
A vitória do SC Braga no Bessa teve que ver com os regressos de Banza e Horta e com a clarificação do plano de jogo. E o futuro nos dirá até que ponto se explica com o destapar da panela de pressão.
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A clara vitória do SC Braga no Bessa, ontem, sobre o Boavista, por 4-0, demonstra na perfeição os milagres que faz por uma equipa o destapar da panela de pressão. Não vou negligenciar fatores como os regressos de Banza e Ricardo Horta ou a clarificação do plano de jogo por parte de Artur Jorge, mas aquilo que mais se destacou no SC Braga foi mesmo a forma como a equipa se libertou da obrigação de justificar o epíteto de candidato ao título e, igualmente fora da Taça de Portugal e das competições europeias, se sentiu livre para encarar o desafio como um fim em si. Um dos 12 que tinha para fazer até às férias – e agora são 11. Depois, é claro que os regressos de Banza e Ricardo Horta lhe conferiram um poder que ela não tinha. O congolês traz golo – fez dois – e a presença na frente que o futebol mais associativo de Abel Ruiz não garante, ao mesmo tempo que liberta este para fazer associações com o jogo mais inteligente e ao mesmo tempo técnico de Horta. A forma como os dois combinaram para o lance do segundo golo, o único que não teve uma participação ativa de Banza, é prova disso mesmo. Fundamental é igualmente a clarificação do plano tático por parte de Artur Jorge, que ainda pareceu preso a uma série de ideias algo contraditórias no Azerbaijão mas encontrou a estabilidade em bases bem diferentes das do início de época. No Bessa, o SC Braga assumiu mais o 4x4x2, única forma de validar a escolha de médios mais conservadores como são Vítor Carvalho e João Moutinho. Já se percebera pelas vendas de Al Musrati e André Horta que o perfil de centrocampista desta equipa ia ser o securitário, o de menos risco e mais posse, que é representado pelos dois titulares de ontem. Ora para isso vir a fazer sentido é preciso depois associar os dois avançados mais por dentro, juntando-lhes um extremo mais largo e profundo e um jogador livre para sair do corredor para o meio, como foram Roger e Ricardo Horta. É um plano bem diferente do do início de época, que continha ao mesmo tempo dois extremos claros (Bruma e Djaló), exigia a Horta mais presença no espaço interior e encontrava a Zalazar o papel em que ele pode ser ofensivamente mais útil – como segundo médio – mas no qual a sua escolha expõe demasiado a equipa, sobretudo em face dos defesas-centrais que ela tem. A primeira resposta de Artur Jorge, quando começou a perceber que a Liga se lhe escapava e quis garantir um troféu, na final four da Taça da Liga, foi a radicalização da vertente defensiva, com as marcações individuais a aprisionarem o potencial atacante. Isso resultou – com sorte, é verdade – nos jogos de Leiria, mas não era maneira para esta equipa jogar. Seguiu-se uma tentativa tosca de ter o melhor dos dois mundos, sem sucesso. Até que neste 4x4x2 o técnico parece ter encontrado uma via de saída para a crise de descaraterização em que deixara cair a equipa. Tem agora dois problemas. O primeiro, é que o plantel não foi construído para esta ideia. Só tem aqueles dois pontas-de-lança, por exemplo – e a coisa tem ar de só funcionar com Pizzi, Horta ou Zalazar como segundo avançado em contextos muito especiais, como se já estiver à frente no marcador, por exemplo. Depois, sobram-lhe extremos puros para uma só vaga (há Roger, mas também Bruma, Djaló e Ronny Lopes). E não poderá recorrer a Pizzi, Zalazar ou até Ndour para a dupla de meio-campo na maior parte dos jogos. E o segundo é que do sucesso vai voltar a pressão. Depois de ganhar ontem ao Boavista, o SC Braga ficou a três pontos do FC Porto e cinco à frente do Vitória SC. No sábado, receberá o Estrela da Amadora sabendo que um sucesso o deixará em cima dos dragões, um dia antes de estes receberem o Benfica. Até final da época se verá se esta equipa é capaz de jogar com o pipo da panela de pressão posto no sítio.
Por onde a queres? Todos passámos pela mesma situação nos baldios da nossa meninice, um momento em que nos tocava bater um penalti e, frente à baliza feita de duas pedras ou de um par de mochilas da escola e ao amigo subitamente transformado em guarda-redes com aspirações a herói, fazíamos do nervosismo bravata e perguntávamos-lhe: “Para que lado a queres?” A verdade é que não havia uma regra que garantisse sucesso. A escolha de um lado não só não deve ser imposta por ninguém como é sempre proativa nas boas equipas. Ainda ontem aqui escrevi um pouco sobre o Rio Ave de Luís Freire e a forma como, estrategicamente, quis explorar as costas de Catamo, mantendo o ala esquerdo, Vrousai, mais baixo, para esticar em Úmaro Embaló. Não era uma equipa simétrica e fez da assimetria a forma de surpreender. No Sporting, que no início da época inclinava o jogo para um lado ou para o outro consoante a escolha de alas – ora fechava a quatro atrás com Matheus Reis se do lado contrário estivesse Catamo, ora o fazia com Esgaio se no corredor oposto alinhasse Nuno Santos –, a definição do jogo começa hoje através dos centrais. Coates é o ponto central de uma arrumação que pode soltar mais um ala ou o outro dependendo de quem está ao lado do capitão. E com a entrada na equação de Eduardo Quaresma, a fazer aquilo que Saint Juste não chegou a poder oferecer à equipa, Rúben Amorim voltou a ter um par de opções diferenciadas de cada lado, das quais depende a escolha da saída. Quaresma, à direita, e Matheus Reis, à esquerda, sobem mais com bola nos pés. Diomande, pela direita, e Inácio, pela esquerda, fazem a equipa crescer no campo pelo passe progressivo. O regresso de Diomande, que já foi titular – mesmo com Inácio – em Vila do Conde, significa uma opção pela segurança de ter em campo os que conquistaram estatuto de titular, mas torna a equipa mais previsível e tira a Rúben Amorim a possibilidade de transformar o nervosismo em bravata e de perguntar ao adversário: “Por onde a queres?”
As contra-medidas de Schmidt. No ambiente de pré-derbi que marca esta semana, quem está mais perto de poder surpreender até é Roger Schmidt, que sempre desprezou a dimensão estratégica do jogo em benefício da manutenção de uma identidade férrea e teve sempre dificuldades para contrariar o 3x4x3 de Amorim e a linha de cinco que os leões metem na frente no momento ofensivo, mas está em condições de poder vir a determinar aquilo que vai ser este jogo. Do Sporting, já se sabe como vai jogar. No Benfica, não. Haverá ponta-de-lança? Tengstedt, para poder condicionar melhor a saída de bola do Sporting? Cabral, mais capaz de aguentar a bola e servir de referência frontal às acelerações de Rafa pelas entrelinhas? Ou o próprio Rafa, em busca de diagonais e da profundidade nas costas dos alas adversários? E quem jogará logo atrás desse homem? Rafa, na que é a sua posição natural? Kokçu, cujo recuo para ver o jogo de trás tanto pode servir como fator de desequilíbrio pelo passe de rotura que tem no cérebro como de momento equilibrador, dando à equipa a necessária compensação de um terceiro médio, fundamental no caso de acumular Neres e Di María à frente? Schmidt não perdeu nenhum jogo com o Sporting de Amorim – soma dois empates e uma vitória –, mas em 270 minutos com a sua identidade natural passou 116 em desvantagem e só um na frente do marcador, acabando pelo menos duas vezes (no 2-2 de Alvalade na época passada e no 2-1 na Luz, em Novembro) salvo pela dimensão individual dos seus jogadores e pelo peso cénico das camisolas, que lhe valeu três golos nas compensações. Desta vez, cabe-lhe a ele compor a partitura.
Das coisas que não fazem nenhum sentido. Bem sei que é dos regulamentos e que terá de ser assim, mas que sentido faz duas equipas formadas a 7 de Fevereiro voltarem ao campo 22 dias depois para terminar um jogo que na altura começaram e foi interrompido pela chuva? Qualquer mente com um pingo de bom-senso vos dirá que nenhum. As escolhas feitas pelos treinadores do Santa Clara e do FC Porto tiveram em conta o momento vivido pelos jogadores há três semanas, as condições atmosféricas e do relvado naquele dia, a gestão dos microciclos de treino e da carga de esforço de cada um naquele contexto, mas terão agora de ser mantidas três semanas mais tarde, dentro de um plano completamente diferente. O que está aqui em causa é sobretudo a passagem às meias-finais da Taça de Portugal, mas não é só isso. Trata-se também da gestão coletiva dos grupos, do nivelamento dos seus integrantes e até da gestão individual de jogadores como Pepe, 41 anos feitos esta semana, já com cartão amarelo na primeira porção do jogo, e fundamental para o desafio que aí vem, da Liga, contra o Benfica – o que leva a que não me surpreenda que Conceição aproveite para o substituir bem cedo no jogo de quinta-feira. Se o jogo fosse hoje, Pepe jogaria? Muito provavelmente não. É verdade que tanto o Santa Clara como o FC Porto estão mais ou menos estáveis no campeonato, os açorianos bem lançados para a subida de divisão, os portistas mais ou menos desenganados acerca da possibilidade de serem campeões, mas nem isso justifica que os minutos que irão jogar na quinta-feira possam pôr em causa os meses que faltam até ao final da temporada.