A montanha mais alta
O FC Porto enfrenta hoje a montanha mais alta que já teve de escalar esta época. O Arsenal é forte, está num bom momento e quer muito o sucesso na Champions. Mas não há melhor altura para o desafio.
Palavras: 1675. Tempo de leitura: 8 minutos
A vitória do Dragão foi uma surpresa. Durante 90 minutos, impondo uma estratégia de cariz mais defensivo e beneficiando do ritmo lento das ligações feitas pelo adversário, o FC Porto conseguiu garantir a vantagem sobre o Arsenal que lhe permite entrar hoje no Emirates (20h, TVI e Eleven 1) com opções reais de atingir os quartos-de-final da Liga dos Campeões. Não é favorito, porque o adversário continua a ser mais poderoso e, inexplicavelmente, Mikel Arteta até disse ontem que “agora” já conhece “melhor” a equipa portuguesa. Não creio que o espanhol tenha sido tão negligente a ponto de não preparar bem o confronto da primeira mão, mas acredito que terá explicado mal aquilo que queria dizer – e que foi o que Conceição explicou ontem, que hoje é provável que o Arsenal queira “chegar de forma mais rápida ao último terço”. O que quereria dizer Arteta, em suma, era que a experiência do Dragão lhe permitira perceber na prática que a abordagem que escolheu falhou, porque à exceção das dificuldades que lhe criou nas bolas paradas, o FCPorto esteve sempre confortável com a aproximação apoiada e mais pausada do Arsenal à área de Diogo Costa. Hoje será seguramente diferente. E é isso, tanto como o poderio dos londrinos ou o facto de eles terem ganho os três jogos desde a primeira mão, que transforma este jogo na montanha mais alta que os dragões tiveram de escalar esta época. Mais alta que aquelas em que tropeçou contra o FC Barcelona (duas vezes, na Champions), o Benfica (duas vezes, na Supertaça e na Liga, na Luz) ou o Sporting (em Alvalade). Mais alta também do que a apresentada pelo Benfica no Dragão, na noite em que acabou por golear, ou do que a do jogo da primeira mão, em que o Arsenal optou pela tal abordagem mais apoiada. É com essas duas que o desafio de hoje traz uma coincidência: o FC Porto enfrentou ambas depois de ter encontrado a identidade certa. O 4x3x3 posto em campo por Sérgio Conceição após o empate no Bessa, no primeiro jogo de 2024, e a partida de Taremi para a Taça da Ásia permitiu que se visse consolidadamente o melhor FC Porto da época, um FC Porto com largura dada pelos dois extremos, em movimentações para fora ou para dentro articuladas com as diagonais ou as saídas dos laterais, um FC Porto em que o critério de Alan Varela na distribuição é sempre complementado pela presença criativa desde trás de Nico González, um FC Porto onde a rapidez de Otávio permite subir linhas e afastar mais o jogo da sua baliza. É verdade que houve percalços pelo caminho – a derrota em Arouca e os empates com o Rio Ave e o Gil Vicente – mas em parte justificados pelo técnico através de uma redução do foco competitivo por parte dos jogadores no campeonato que ele não deixou de considerar inaceitável. Nas nove vitórias somadas desde a alteração, o onze só teve três alterações e oito jogadores foram sempre titulares: Diogo Costa, João Mário, Pepe, Alan Varela, Pepê, Conceição, Evanilson e Galeno. De resto, Fábio Cardoso começou a série (fez quatro jogos) porque Otávio acabara de chegar de Famalicão, Zaidu jogou uma vez por castigo de Wendell e Eustáquio jogou outra por suspensão de Nico. Este já é um FC Porto que joga de cor e por isso mesmo vai certamente entrar hoje com o onze da primeira mão – enquanto que o Arsenal, que precisa de atacar mais, deve trocar um avançado – o lesionado Martinelli – por mais um médio – Jorginho –, convidando Havertz a passar do meio-campo para a frente. O FC Porto não é favorito para hoje, mas nas três semanas que passaram desde o golaço de Galeno, a valer o 1-0 do Dragão, conseguiu uma coisa: a montanha já sabe o que aí vem.
O que está em causa em Galeno. Sérgio Conceição ainda há dias disse, para atenuar o que lhe diziam ser a influência brasileira na sua equipa, que “Galeno é português”. E é, de pleno direito. Mas também há-de ser brasileiro, de coração, porque nasceu no Maranhão, cresceu a jogar futebol em Goiás e, tal como o próprio reconheceu ontem, em publicação nas redes sociais, representar o Escrete era, para ele, “um sonho de criança”. Galeno tinha quatro anos quando Ronaldo carregou o Brasil até ao título mundial no Japão, em 2002, e talvez ainda se lembre de alguma coisa, do orgulho que certamente sentiu nessa altura. Tinha 16 e já deixara a família para trás, a mais de 1500 quilómetros, na busca do sonho de ser profissional aquando da destruição da canarinha (1-7) pela Alemanha, na meia-final de 2014. Já tinha 18 quando viajou para Portugal, onde assinou pelo FC Porto e foi integrado na equipa B, por empréstimo do clube-entreposto que é o Grêmio Anápolis. Neste momento, por muito que custe a quem ainda vê os jogos de seleções como manifestação do orgulho-pátrio, não é isso que está em causa. Galeno já fez 26 anos e uma Champions muito acima da média levou a que ele tenha sido chamado por Dorival Júnior para substituir o lesionado Martinelli na seleção que o Brasil montou para os particulares deste mês. Não tivesse sido esta jogada de antecipação e ele seria também convocado por Roberto Martínez para a seleção assim meio experimental que Portugal levará ao campo nos próximos desafios – assim sendo, creio que só será convocado se da sua parte vier a mensagem de que aceitará a chamada. O que deve escolher Galeno? As origens ou a vida atual? E em nome do que deve fazer essa escolha? Por amor ou gratidão? Deve ele fazer uma avaliação prévia a perceber onde tem mais condições para vingar? Isso não é fácil, porque apesar de termos a noção, de fora, que ele será sempre alternativa, tanto no Brasil como em Portugal, conheço futebolistas suficientes para saber que todos os que atingem um patamar mínimo de excelência se acham o Messi ou o Ronaldo. Deve ele decidir em função da noção de que terá a vida e a carreira muito mais facilitadas se optar pela solução europeia? Galeno fará o que entender. E o importante neste momento é entendermos que, decida ele o que decidir, terá sempre total legitimidade para escolher.
Tanto dinheiro em jogo. O FC Barcelona-SSC Nápoles de hoje e o Atlético Madrid-Inter Milão de amanhã apurarão duas equipas para os quartos-de-final da Liga dos Campeões e têm uma boa possibilidade de qualificar também outras duas para o Mundial de clubes que, no final de 2024/25, distribuirá um mínimo de 50 milhões de euros por participante. É que a FIFA limitou as presenças a dois clubes por país e duas das três vagas europeias ainda por determinar são precisamente as do acompanhante espanhol do Real Madrid e a do parceiro italiano do Inter. Em Itália, o SSC Nápoles sabe que precisa de mais duas vitórias – pelo menos uma hoje e outra nos quartos-de-final – para superar a Juventus no ranking a quatro anos que ditará a lista final. Em Espanha, o Barça estará a torcer para que o Inter afaste o Atlético no dia seguinte, mas antes tem de fazer a sua parte. E nem assim terá contas fáceis, porque dependendo de como se der esse afastamento – uma coisa é acontecer nos penaltis, depois de vitória colchonera em Madrid, outra é assistirmos a mais um sucesso nerazzurro nos 90 minutos – deve precisar de chegar às meias-finais da Champions para anular os pontos de desvantagem que tem neste momento. Em jogo, hoje e amanhã, não estão só os 10 milhões de euros de bónus por entrada nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Estão pelo menos mais 50. É muito dinheiro para se encarar as partidas de ânimo leve.
Uma questão semiótica. A medida “revolucionária” que permitiu aos árbitros passarem a utilizar a instalação sonora dos estádios para anunciar aos espectadores as decisões que tomam após a consulta ao VAR está a ser, para já, um total fracasso e uma perda de tempo. E não é por causa do nervosismo, bem evidente na face de Fábio Veríssimo quando este disse que anulara o golo de Banza em Vila do Conde, porque o jogador atacante estava em posição de fora-de-jogo e interferira com a ação do defesa. O nervosismo passará quando a coisa se banalizar. A questão é que, para dizer isso, ou para dizer, como disse dois dias depois Manuel Oliveira no Benfica-Estoril, que na opinião dele, depois de rever as imagens, Mangala não tinha feito falta sobre Marcos Leonardo, bastava fazer a sinalética correspondente. No fundo, esta é uma medida meramente semiótica, que nos traz a substituição da sinalética pela oralidade. E não é disso que o futebol precisa. O que estava em causa não é a incapacidade do público para entender a sinalética, mas sim a incapacidade do público para compreender – e muitas vezes aceitar – as decisões. Do que o futebol precisa não é que o árbitro anuncie alto e bom som que foi falta, que para isso tem lá o apito e siga jogo. Também não é que, após a tomada de decisão, ele no-la tente fazer entender de forma detalhada e demorada, que as paragens já estão suficientemente longas assim. Do que o futebol precisa é de transparência na tomada de decisão e isso só se consegue quando o que estiver acessível ao público for o diálogo entre o árbitro de campo e o VAR. É transformar a coisa num Big Brother que expõe aquele que tiver de tomar uma decisão impopular? Talvez seja. Pessoalmente não tenho nada contra – e a coisa funciona bem no rugby, talvez porque aí haja mais respeito dos adeptos e dos jogadores pelas decisões – mas se não estamos preparados para isso vale mais estarmos quietinhos e ficarmos pela sinalética.