A Liga dos jogadores
Espanha e França já tiveram dois 0-0, mas em Portugal os sinais têm sido bons. A Liga começou com golos e bons espetáculos, mesmo que pareçamos mais interessados em discutir os bilhetes do Continente.
Foram, para já, 26 golos em sete jogos, o que ao fim de três dias nos deixa com uma média de 3,71 por partida, naturalmente impossível de manter mas que é um excelente começo. A Liga portuguesa abriu com espetáculos emocionantes, desafios resolvidos nos descontos, vitórias de elevada componente dramática, surpresas e reforços a corresponderem ao esperado. Não é tudo perfeito – longe disso. Continuamos a ter assembleias inaceitáveis à volta dos árbitros sempre que estes tomam uma decisão mais fraturante ou esperam por uma indicação do VAR. Ainda vemos bancadas muito mais vazias do que cheias, em virtude dos horários ajustados às necessidades do operador televisivo e dos limites à livre expressão e circulação de adeptos. Não sou partidário de um positivismo tóxico que nos leve a ignorar a existência de problemas, mas sei que perdemos mais do que ganhamos em centrar-nos apenas neles ou em achar que eles são um exclusivo nosso. Pelo contrário, essa é a retórica que convém aos que fazem do populismo negativista a sua forma de sobrevivência através da confusão. A Liga que arrancou na sexta-feira em Braga não é a do líder da claque que se vangloria nas redes sociais de ter 500 bilhetes para o jogo de um rival – bilhetes para o público em geral, que estiveram sempre acessíveis a quem quisesse comprá-los. A Liga que arrancou na sexta-feira em Braga é a do excelente Aranda, atacante que alia a capacidade de manter a bola colada a qualquer dos pés, em movimento, com a visão e entendimento do jogo que lhe permite tomar boas decisões. É a Liga de Nuno Moreira, Tomás Silva, Francisco Moura ou Afonso Rodrigues, que mostraram dignidade e qualidade no regresso com outras cores às casas que os formaram. É a Liga de Gyökeres, o avançado que contraria com potência e qualidade técnica o paradigma nacional que manda cair com a deslocação do ar à sua volta. É a Liga do cerebral Fujimoto ou de um Tiba de passo largo, que domina o campo pela amplitude de movimentos. É a Liga onde Luís Freire e Filipe Martins estão a mostrar que é possível consolidar processos e ideias, no caso do segundo mesmo sem ter casa onde estabelecer uma base. É a Liga do Jota que parece querer recuperar os hábitos goleadores de há dois anos, um patamar abaixo, de um FC Arouca capaz de meter dois pontas-de-lança dentro do campo em simultâneo, rompendo com o paradigma da equipa pequena que tem de jogar em 4x5x1 e bloco baixo. Ainda não jogaram os dois primeiros da época passada, mas os sete jogos desta Liga já nos deixaram excelentes indicações. Não sei se as manterão quando passar a pica do Verão – e é provável que não... – mas sei que o que já vimos vale bem mais do que 500 bilhetes comprados com o cartão do Continente.
Pote, Moreno e a vitória dos xungas. O Mundo não está fácil e Pedro Gonçalves e Moreno tiveram neste fim-de-semana um lembrete a esse propósito. O médio (e depois atacante) do Sporting esqueceu uma coisa que até eu, com mil vezes menos projeção do que ele, já interiorizei, assim uma espécie de décimo-primeiro mandamento de quem tem exposição pública: “não lerás o que escrevem sobre ti nas redes sociais”. Há gente que é tão pequenina que só se sente bem se tentar rebaixar os outros até à sua dimensão insignificante, não percebendo que ao fazê-lo só está a afundar-se ainda mais na sua pequenez. Como diz o filósofo, “é lidar!” – e foi isso que Pote entendeu (ou lhe fizeram entender) e o levou a apagar a publicação magoada que tinha feito depois do jogo de sábado. Grave mesmo, ainda assim, é quando a interiorização desta brutificação geral da sociedade leva àquilo que aconteceu a Moreno no Vitória SC. O treinador minhoto demitiu-se, contra a vontade da administração, porque sabia que após o falhanço na pré-eliminatória da Liga Conferência não iria ter clima para continuar a trabalhar em condições. Não acho que Moreno tenha feito um trabalho extraordinário em Guimarães na época passada, pois a dimensão do clube justifica mais do que ficar atrás do FC Arouca, mas é preciso contar na equação com os méritos de Armando Evangelista na construção da sua equipa. Sim, é verdade que a eliminação aos pés do NK Celje foi um falhanço clamoroso, do qual é importante tirar ilações. Mas o que nos deve fazer refletir é que Moreno queria continuar – e a emoção, tanto dele como dos membros da sua equipa técnica, mostra-o – e o clube queria que ele continuasse. No entanto, isso não vai acontecer. Em Guimarães, ganharam os xungas. E esta facilidade com que se dão voltas de 180 graus na gestão das equipas ao fim de um mês de trabalho é uma das coisas que está mal na nossa Liga.
O adeus de Mancini. Moreno não foi o mais notável dos renunciantes deste fim-de-semana, pois em Itália a Federação foi surpreendida com um mail enviado por Roberto Mancini a demitir-se do cargo de selecionador nacional. Não o fez em 2017, quando foi eliminado do Mundial pela Suécia. Não o fez em 2022, quando voltou a ficar fora de mais um Mundial, desta vez afastado pela Macedónia. O problema de Mancini não é aquilo que pensam os adeptos, não são as críticas ou o clima geral à volta do seu trabalho, porque as décadas de experiência como figura pública o hão-de ter já imunizado contra isso, através da aplicação do tal 11º mandamento. Demitiu-se agora, em pleno Agosto, a dias da convocatória para uma jornada dupla da qualificação para o Europeu e um par de meses depois de a Federação lhe ter mesmo alargado as responsabilidades, nomeando-o supervisor dos sub20 e dos sub21. Arrigo Sacchi, antigo selecionador italiano e campeão europeu pelo Milan, já disse na Gazzetta dello Sport de hoje que “é preciso ver se há alguma coisa mais”, mas que “o dinheiro conta mais do que tudo”. Do que se fala é da passagem direta de Mancini da seleção de Itália para a da Arábia Saudita. E isto, sim, é estranho.
Na liga deste ano parece-me que vamos ver equipas mais atrevidas do que nos tem habituados.