A incerteza do segundo ato
A Liga Portuguesa volta para um segundo ato com mais perguntas por responder do que certezas absolutas. O Benfica entra como favorito evidente, mas ainda terá 21 jogos para confirmar esse estatuto.
A Liga portuguesa entra hoje no segundo ato, de que o Rio Ave-Marítimo pré-natalício não foi mais do que um simples prelúdio. Há muitas teorias acerca do que esta interrupção de um mês e meio pode provocar, incrementando as hipóteses de uns e diminuindo as de outros, mas as certezas dependerão sempre daquilo que virmos de hoje em diante. Há mais de meio campeonato por jogar e tudo está por decidir – e estranho seria que não estivesse. O Benfica parte como favorito natural, mais ainda por ter dois campeões do Mundo nas suas fileiras, o que reforça a confiança que os oito pontos de avanço para o segundo já provocarão, mas vai precisar de manter o nível que mostrou no primeiro ato se quer garantir que o guião prossiga sem sobressaltos de maneira a encarar os aplausos no final da peça.
As incertezas em torno do Benfica, de certa forma avolumadas pela eliminação na Taça da Liga, aos pés do secundário Moreirense, têm que ver com detalhes tão simples como a capacidade de Roger Schmidt para manter o futebol da equipa tão irresistível como até aqui, tanto física como taticamente, ou a incapacidade dos adversários encontrarem formas de o contrariar. Nesse aspeto, a visita a Braga, já na sexta-feira, ou a receção ao Sporting, a meio de Janeiro, serão certamente definidoras. Aí entra um segundo fator de incerteza: o mercado. Como reagirão ao mercado os jogadores que saíram valorizados do Mundial? Serão Enzo Fernández e, em certa medida, Gonçalo Ramos, capazes de entender que as transferências e a chegada a outros campeonatos decorrem em paralelo com o que forem fazendo na Liga? Será a apetência dos clubes mais ricos pelo seu talento suficiente para os motivar ainda mais? Ou, pelo contrário, deixá-los-á de cabeça virada do avesso? E terá o Benfica capacidade para os segurar até final da época? Ou deixará que as necessidades financeiras de curto prazo atrapalhem as vantagens desportivas de os manter, como sucedeu no ano passado com o FC Porto e Luís Díaz, vendido em Janeiro ao Liverpool FC?
Quando falamos de pessoas não há maneira de garantir uma fórmula para definir o que pode suceder sempre que um jovem jogador é motivo de sondagem por parte de clubes ricos. Vai subir de rendimento? Ou vai baixar? Ou até se é possível a outros elementos, como Rafa, por exemplo, manterem o rendimento invulgar que vinham mostrando depois de mês e meio sem competição. Ou como vai reagir o SC Braga à goleada encaixada em Alvalade face ao Sporting no jogo da Taça da Liga. Vai encolher-se? Ou, pelo contrário, vai dar largas à indignação, de maneira a tentar fazer com que o adversário seguinte pague a fatura? Em condições normais, o Benfica da primeira metade da época ganharia ao SC Braga da primeira metade da época. Mas, lá está, passou mês e meio. Será a chegada de novo período de mercado suficiente para deixar Ricardo Horta outra vez inquieto? Ou, pelo contrário, irá ele mostrar ao Benfica o que perdeu ao não insistir na sua contratação? Voltarão Al Musrati, Banza ou Vitinha a mostrar o rendimento extraordinário do início de época? E como reagirá a equipa ao momento menos feliz do treinador, Artur Jorge? Estarão os jogadores prontos a fazer tudo pelo comandante? Ou estarão já prontos a deixá-lo caminhar sozinho para o cadafalso, de forma a poder dar a vez a outro, que eles vejam com mais condições de os conduzir a uma vaga na Liga dos Campeões de 2023/24?
Porque o que está em causa neste segundo ato da Liga não é só a luta pelo título. Há também a questão da Liga dos Campeões – provavelmente pela última vez, duas vagas diretas e uma na pré-eliminatória. O FC Porto, que surge como principal ameaça à reconquista do título por parte do Benfica, passou um defeso invulgarmente tranquilo. Sem notícias de vendas ou de compras – é o que dá ter um grupo recentemente constituído, com jogadores experientes como principais figuras e, exceção feita a Diogo Costa, que ainda por cima não valorizou neste Mundial, sem jovens que possam levar o mercado a virar a cabeça. Poderá Sérgio Conceição aproveitar esta estranha “tranquilidade” para construir uma ameaça séria ao Benfica? Ou ele é dos que precisa de agitação para poder agigantar-se? Descontando as dúvidas com Pepe – veremos até que ponto o excelente Mundial que fez foi um fogacho num físico cada vez mais incerto – o FC Porto tem um onze estabilizado, com tudo para poder começar a jogar de cor. O primeiro adversário, o FC Arouca, não é dos mais fáceis – esta época só perdeu quatro de 20 jogos e só uma vez nos últimos três meses. E ainda que possa defender-se que o de hoje será um jogo fulcral para o FC Porto manter a pressão sobre o Benfica, não há como lembrar o que sucedeu em 2020, depois da interrupção motivada pela pandemia. Os dragões tinham acabado de ultrapassar o Benfica e jogavam primeiro, em Famalicão. Perderam, deixando no ar a possibilidade de nova ultrapassagem, que não se consumou porque no dia seguinte o CD Tondela foi empatar à Luz.
E o Sporting? A doze pontos do Benfica, parece impossível que possa sonhar com o título, como esperançosamente veio sugerir Trincão. Mas a paragem parece ter feito bem aos leões, que a terão aproveitado para trabalhar no campo, para que os jogadores novos pudessem assimilar o futebol de Rúben Amorim. A Taça da Liga foi extraordinária: quatro jogos, quatro vitórias, 18 golos marcados e zero sofridos. Mas será esta segunda pré-época tática suficiente para se ver um Sporting ao nível dos últimos dois anos? Dificilmente. Tanto no título ganho em 2020/21 como no segundo lugar de 2021/22, os leões fizeram 85 pontos, perdendo 17. Nas primeiras 13 jornadas de 2022/23 já deixaram pelo caminho 13 pontos, o que os obrigaria a um percurso praticamente sem faltas até final da época – precisariam de 19 vitórias e dois empates nos 21 jogos que faltam para igualar a performance anterior. O primeiro adversário, já amanhã, é o FC Paços de Ferreira que neste momento está entre treinadores. Mas Janeiro levará o Sporting à Luz para defrontar o Benfica. E Fevereiro trar-lhe-á o SC Braga e o FC Porto a Alvalade. Por esses jogos se perceberá muita coisa.
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