A importância do caso-Slimani
Que Amorim se enganou com Slimani, está à vista. Que o caso não foi bem gerido, é claro. Resta aproveitá-lo para ver o que é o Sporting e se o clube quer voltar ao tempo das narrativas carnavalescas.
A contratação de Slimani, que foi vista como a maior aposta do Sporting na tentativa de revalidar o título de campeão, corre sérios riscos de se transformar em foco de discórdia no momento em que se percebe que os esforços feitos foram insuficientes para atingir o objetivo. O dossier Slimani resultou de um erro de apreciação, não tem sido bem gerido – pelo contrário –, mas ao mesmo tempo é uma oportunidade de crescimento para os leões e a ocasião perfeita para Rúben Amorim ver com o que conta. Dentro do grupo, na estrutura e nas bancadas.
Sempre fui algo cético em relação aos efeitos que Slimani poderia vir a ter neste Sporting. E não fundava a opinião apenas no rendimento do argelino nos últimos anos – desde que saiu de Alvalade, em 2017, nunca chegou aos dez golos numa época, por exemplo, acumulando empréstimos e tornando-se sucessivamente dispensável no Leicester City, no Fenerbahçe, no AS Mónaco e no Olympique Lyon. Mas aquilo que mais atrapalhava a ideia de recuperação da influência do ponta-de-lança argelino na equipa era o facto de esta ser bastante diferente do que era quando ele saiu. Como expliquei aqui, este Sporting não contemplava um ponta-de-lança com as caraterísticas de Slimani, que tão bem encaixava naquele outro, o de Jorge Jesus. E aos que resolviam isso da forma mais fácil – “então, é só mudar a forma de jogar! Qual é a dúvida!?” – convém recordar que este Sporting ganha e aquele não ganhava. E isso não é de todo um pormenor.
Acredito que a ideia da contratação de Slimani pode ter sido motivada, sobretudo, pela ideia de o ponta-de-lança argelino vir acrescentar valor, na tentativa de o clube ganhar o primeiro bicampeonato em 68 anos. Não creio que a operação se tenha devido a razões eleitoralistas, pois dificilmente Frederico Varandas sentiria que precisava disso. O que houve foi uma avaliação errada do risco que a coisa comportava. Porque se um jogador consagrado, dos mais caros do plantel, não encaixa na forma de jogar da equipa, o mais normal é que seja mais vezes suplente do que titular. E se é mais vezes suplente do que titular, o mais normal é que acabe por se desmotivar e por treinar pior – aos 33 anos já não é propriamente um miúdo sedento de afirmação. E se treina pior, o mais normal é que acabe por se tornar ainda menos regular nas escolhas. O círculo vicioso fica assim montado e há elevadas probabilidade de acabar na ostracização do jogador.
No momento da contratação, alguém terá achado que Slimani teria o estofo mental para entender e, aparentemente, aceitar esta realidade. O argelino até fez quatro golos nas cinco vezes em que foi titular desde que chegou, em finais de Janeiro – mais vezes do que eu estava à espera, confesso –, mas essa nem sequer é a questão. Por um lado porque também ele se tornou irrelevante nas últimas vezes que esteve em campo. Por outro porque uma equipa não é melhor ou pior se o seu ponta-de-lança marca mais ou menos golos. Cristiano Ronaldo tem mais cinco golos do que o melhor marcador do Manchester City na Premier League e isso não significa que o United jogue mais do que o rival citadino. A questão é que Slimani acabou por cair das opções do treinador e a coisa azedou. Podia ter sido evitado, este publicitar da coisa? Creio que sim. Que devia, até. Mas essa acaba por ser a forma de Rúben Amorim ver com o que pode contar.
Contratar a peso de ouro – o salário, que ele veio a custo zero – um jogador só para fazer dele exemplo seria absolutamente idiota, o que afasta a tese da premeditação. Da mesma forma que é preciso uma mente muito retorcida para achar que o caso nasce da tentativa de fazer do argelino bode expiatório, pois ele nunca chegou a ter verdadeira influência na equipa para se considerar que esta falhou o bicampeonato por culpa dele. Acredito, por isso, que Amorim achava mesmo que podia tirar frutos desta operação e percebe agora duas coisas. Primeiro, que errou. Depois, que mais não lhe resta do que aproveitar para fixar limites, para manter o resto do plantel alerta, para lembrar que não há contemplações com quem falha reiteradamente. Não será bem o apontar à cabeça do líder do grupo, que José Mourinho fez com Vítor Baía no FC Porto, em 2003, por exemplo, para mostrar quem manda, porque a influência de Slimani no plantel não seria assim tão grande. Onde Slimani tem influência é nos adeptos. E é aí que pode estar o risco e o teste que Amorim quer fazer.
O Sporting é hoje um clube muito diferente da generalidade dos grandes, por uma razão: não está habituado a ganhar. Só isso explica alguns fenómenos de culto tão enraizados entre os adeptos leoninos ou que, depois de conquistar quatro troféus em dois anos – uma Liga, duas Taças da Liga e uma Supertaça – e a quatro pontos de assegurar a segunda qualificação direta seguida para a Liga dos Campeões – algo que o clube não obtém desde 2008 – o treinador possa ser hoje contestado só porque prefere um avançado mais associativo, como Paulinho, a um mais finalizador, como Slimani. Com o caso, Amorim pode perceber até que ponto esse grupo de adeptos é ou não significativo no Sporting. E, porque um clube é sempre aquilo que quiserem os seus adeptos, se o clube quer seguir o caminho que ele preconiza ou regressar ao passado recente, de vitórias morais e narrativas carnavalescas.
Não deixa de ser curioso que, confrontado com eleições e a necessidade de congregar uma vasta maioria, para se legitimar enquanto líder, Frederico Varandas até tenha feito concessões a esta fação, por exemplo no caso com Pinto da Costa. Amorim seguiu outro caminho e cortou a direito. Nos próximos dias se verá que resposta vai obter.
Não acreditando na tese da imposição, creio que Amorim deu o benefício da dúvida à hipótese slimani. Não tinha nenhum jogador similar no plantel, oferecia uma solução mais adequada do que mandar Coates para a frente em desespero, e do clube com certeza falaram-lhe do efeito motivador, incluindo das bancadas, que o jogador poderia ter. Não resultou. Slimani é bom jogador, mas não é nem nunca foi um craque decisivo, e mesmo na galvanização dos adeptos não é um Iordanov (que ainda há dias foi tão bem recordado nesta plataforma). Creio que Amorim tem o crédito das competições que já ganhou e de ter recolocado o Sporting a lutar por títulos com regularidade (dois anos seguidos, para o Sporting, já significa muito). A gestão do caso não foi a melhor, mas o próprio jogador contribuiu, com as publicações nas redes sociais. A vitimização dos atletas, via redes sociais, nunca me pareceu grande caminho. Por outro lado, saúdo a frontalidade com que Amorim abordou o assunto. Não veio chorar que eram os jornalistas a tentar desestabilizar, que não havia problemas e que só não pedia slimani em casamento porque não podia... Dentro da má gestão do processo, a transparência das declarações foi positiva. O percurso de Slimani no Sporting estará feito, cabe-lhe também a ele pensar na imagem que quer deixar no clube.
Acho que RA deixou impolar este caso demasiado.
Todos sabemos que o treinador do SCP tem uma maneira muito sui generis de estar, não foge a questão nenhuma e tem uma frontalidade e fluência a falar que não é normal no nosso futebol mas neste assunto específico devia ter lidado com outra coerência até porque acontece numa altura complicada da época, quer para a equipa quer para o jogador.
Recorde-se que Slimani atravessa o Ramadão ao mesmo tempo que vê a sua seleção ser eliminada do Mundial e isso, psicologicamente deixa marcas.
O jogador mesmo tendo reagido mal devia ter sido protegido pelo seu líder, como o mal amado Paulinho foi tantas vezes durante a época.
Passar uma imagem apaziguadora para o exterior e actuar internamente.
Slimani tem 33 anos mas continua a ser um activo do clube que tem que ser tratado como tal.
Além disso RA não ganha nada em ter uma guerra com um jogador que é tão querido dos adeptos.
Já que falei em Ramadão, só deixar uma pequena nota.
Absolutamente surreal e desumano o árbitro da partida Porto - Sporting ter recusado a paragem do jogo para os jogadores que atravessam o Ramadão puderem hidratar e comer alguma coisa rápida.
Num campeonato de fitas e fitinhas em que os jogadores passam o tempo no chão sem terem lesão nenhuma achei simplesmente desumano e sem qualquer noção.
Obvio que aqui no UK os jogos são interrompidos uns minutos para os jogadores puderem comer alguma coisa.
Não é com atitudes destas que vendemos bem o nosso produto mas...Quem liga mesmo ao futebol português?