A história interminável
Foram 146 minutos de jogo antes de se decidir a Liga Europa e uma vaga na Liga dos Campeões em sete penaltis. Não é a melhor maneira de resolver as coisas. E há tantos culpados para isso...
Se houvesse um título para a final da Liga Europa, ontem ganha pelo Sevilha FC à AS Roma no desempate por grandes penalidades, ele seria emprestado da “História Interminável”, o livro de Michael Ende que deu origem ao filme de Wolfgang Petersen e – esta não escapou a quem nasceu nos anos 70... – à canção escrita por Giorgio Moroder para Limahl. Foram 146 minutos de bola a rolar antes de tudo se decidir em sete penaltis. Ou oito, porque o VAR viu Rui Patrício sair da linha antes de defender o sétimo, aquele que manteria os italianos na luta, e mandou Montiel tentar novo remate, o que o argentino aproveitou para repetir o que já conseguira na final do Mundial e dar a vitória à sua equipa. A segunda parte do prolongamento, que durou 26 minutos, os 15 normais mais onze de compensação, foi o mais próximo de uma tortura que alguma vez terão possibilidade de ver num campo de futebol, a ponto de eu ter sentido inveja de quem assistiu ao jogo em diferido e pôde colocar as imagens em fast-forward. É certo que nesse período ainda houve um cabeceamento de Smalling à barra, que podia ter mudado a história da final, e isso parece contradizer o que vou escrever a seguir, mas a verdade é que desde que Anthony Taylor apitou para se começar a jogar a meia-hora adicional que se viu que não ia acontecer rigorosamente nada em campo a não ser cãibras, lesões e esgotamento dos protagonistas. Ver Matic, Gudelj e Fernando saírem a mancar do relvado de Budapeste – e falo-vos de três atletas, não daqueles “tísicos” que metem arte na profissão mas fraquejam no físico – foi o melhor resumo não só desta final mas daquilo em que estamos a transformar o futebol, da pescadinha de rabo na boca que é a realidade dos calendários internacionais. Jogam-se prolongamentos que são condenações ao aborrecimento eterno porque já não há datas para jogos de repetição. Não há datas para jogos de repetição porque já há jogos a mais no calendário. Como há jogos a mais no calendário, os jogadores defendem-se, sobretudo se estão na ponta final das épocas. E se os jogadores se defendem, os espetáculos pioram e há uma tendência maior para os empates, que os conduzem aos tais prolongamentos, porque não há datas para jogos de repetição. Uma vez, a propósito de uma final qualquer, já lembrei aqui a frase de Mário Moniz Pereira acerca das finais de 10 mil metros, que o antigo treinador de atletismo dizia que se haviam transformado numa corrida de 400 metros com 24 voltas de aquecimento – e isso não refletia a verdade da competição, porque transformava uma prova de fundo numa corrida de sprint. O princípio aqui é o mesmo: os melhores desenvolveram de tal forma a capacidade de resistência que, se quiserem, igualam os argumentos naquilo que devia interessar, que é o jogo, e deixam tudo para decidir depois, nos detalhes. É provável que após a final de ontem voltem a surgir argumentos a decretar a inutilidade dos prolongamentos e a defender que mais vale resolver logo tudo nos penaltis, sem aquela meia-hora que ontem foram 43 minutos de jogo adicional. Não acho nada que os penaltis sejam uma lotaria – isso seria desprezar o trabalho de todos os que contribuem para o sucesso dos vencedores. Mas não são, de todo, a melhor forma de decidir o vencedor de uma competição. A questão é a de perceber onde se coloca o ponto de disrupção que nos permita mudar isto.
Os serviços mínimos. Já perceberam pela conversa que aquilo que eu gostava que sucedesse era que estas decisões fossem adiadas para novo jogo – mas isso é impossível, porque pediria um calendário internacional mais espaçado, algo que nunca vai suceder. O jogo é negócio e o negócio pede mais exibições, para gerar receita, e sobretudo exige planificação e não pode ter os calendários das diferentes competições dependentes da necessidade de uma delas vir a organizar um jogo de repetição. E não queiram de repente culpar os executivos, porque eles fazem-se pagar bem, é verdade, mas já passámos há muito o ponto sem regresso em que os próprios jogadores são vítimas da necessidade de ganharem mais e mais dinheiro. Sim, menos jogos, menos receita, implicava também que as grandes estrelas viessem a ganhar menos – e ainda não vi a FIFPRO abordar o tema dos calendários a partir dessa perspetiva. Por aí, já se vê, estamos a chover no molhado. Resta o outro caminho. O dos treinadores. Por aquilo que se viu no seu início de jogo inesperadamente positivo, a AS Roma tinha meios para ganhar a uma equipa que, é preciso dizê-lo, nem é nada de especial. Enquanto defendeu à frente, a AS Roma mandou no relvado, pôs-se em vantagem e parecia encaminhada para nova conquista europeia. E depois aconteceram duas coisas. Mendilibar mandou para o campo Lamela e Suso e aumentou o seu potencial criativo e atacante, sobretudo em cima de Spinazzola. E, esgotado aquilo que tinha para lhe dar Dybala, a equipa de José Mourinho mostrou uma falta de talento absolutamente confrangedora. Quanto mais o jogo avançava, mais baixo defendia a AS Roma e menos gente tinha em campo para lhe dar algo de positivo. No final, quando falou sobre a sua continuidade em Roma, José Mourinho disse que “sim, mas”. Que merece mais. É verdade que a AS Roma precisa de mais. O que falta perceber é se ele quer mais. Isto é: se a equipa relativamente banal que é o Sevilha FC ganhou a Liga Europa porque à AS Roma faltaram os meios para fazer melhor ou se isso aconteceu porque o treinador do outro lado se recusou a libertá-los.
Grimaldo e o empoderamento. Grimaldo deu uma entrevista de despedida à BTV e, entre juras de amor eterno ao Benfica que agora deixa – lá está, vai ganhar muito mais dinheiro... – veio mostrar compreensão face à forma como alguns benfiquistas ficaram desiludidos por vê-lo ser anunciado em Leverkusen quando a época ainda não tinha acabado e havia um objetivo por conquistar. “Também não me agradou. Não entendi como se tornou público”, afirmou. A Grimaldo só faltou explicar o papel que ele próprio desempenhou, posando nas fotos ao lado de Xabi Alonso e Simon Rolfes, treinador e diretor desportivo do clube alemão. Estava à espera que lhe perguntassem se podiam usar aquelas fotos no Instagram, como fazem os membros de qualquer casal moderno e empoderado? E, assim sendo, vai expressar o seu desagrado à chegada a Leverkusen? Claro que não. É evidente que o timing do anúncio da contratação do espanhol pelo clube alemão foi absolutamente errado, mas a culpa maior aqui não é de quem tirou a foto. É e será sempre de quem se pôs à frente da câmara porque achou que aquilo que estavam a pagar-lhe compensava esse e outros incómodos.
Esta foi talvez a pior final em jogo jogado a que já assisti.