A contradição de Budapeste
Hoje, das duas uma: ou ganha a AS Roma de Mourinho, ou ganha o Sevilha FC. Suceda o que suceder, a final de Budapeste trará uma contradição insanável entre serial-winners que são underdogs.
Já me ri hoje bastante, com a BD que David Squires publica todas as quartas-feiras nas páginas de desporto do The Guardian, e que esta semana brinca com uma hipotética cerimónia de entrega de prémios aos melhores da época no futebol inglês. Frank Lampard, demitido de um Everton a caminho da despromoção e depois incapaz de transformar a manta de retalhos em que se tornara o Chelsea multibilionário numa verdadeira equipa, recebia o “Prémio de alta performance para a auto-confiança inabalável face a evidências esmagadoras” e era mesmo colocado pela NASA aos comandos da primeira missão tripulada a Marte. A auto-confiança é algo que Lampard pode ter aprendido de José Mourinho, quando trabalhou com ele em Stamford Bridge, porque ela é uma das facetas fundamentais no sucesso de um dos mais experientes “serial winners” do futebol mundial. É, basicamente, o que permite a Mourinho simplificar as tarefas que vai desempenhando e levar as suas equipas a ocasiões como a final da Liga Europa, que a AS Roma vai discutir hoje com o Sevilha FC, em Budapeste. Ali, suceda o que suceder, estaremos perante uma contradição insanável: se ganhar a AS Roma, ganha um treinador habituado aos sucessos, se ganhar o Sevilha FC ganha a equipa que mais vezes venceu esta competição, mas ao mesmo tempo, ganhe quem ganhar, esta será a vitória do inesperado. Porque a AS Roma não era, de todo, um dos favoritos para a prova – o próprio Mourinho disse há tempos que a sua equipa entrar na próxima edição da Liga dos Campeões seria o equivalente à segunda vinda de Jesus Cristo à Terra – e o Sevilha FC estava há um par de meses mais preocupado em evitar a descida de divisão do que em proezas europeias. E é aqui que entra o segundo protagonista desta história. José Luís Mendilibar, o treinador basco que substituiu Jorge Sampaoli em finais de Março, com a equipa dois pontos acima da linha de água, e está a uma jornada do fim da Liga espanhola a um ponto da sétima posição e numa final europeia. O que fez Mendilibar? Simplificou. O próprio presidente do Sevilha FC, José Castro Carmona, disse após a sua entrada em funções que o que era necessário era apenas “que os jogadores joguem nas suas posições e façam coisas normais” – algo difícil de pôr em prática por Sampaoli, que tem a tendência oposta, para querer transformar o futebol em aeronáutica. “Alguns de vós podem achar que sou uma escolha estranha”, dizia Lampard na BD de Squires, de fato de astronauta vestido e a caminho do planeta vermelho. “Mas deixo-vos falar e vou focar-me na missão”, completava o antigo centrocampista do Chelsea, que uns quadrados mais à frente estampava a nave e era escolhido para liderar o Banco Mundial. A auto-confiança, na verdade, não basta. É preciso ter a noção, também.
As duas faces do espelho. Em campo, é fácil olhar para as duas equipas e ver uma que ataca e outra que defende, mas a realidade aí já não é tão simples. “A AS Roma não tem problemas em defender e nós queremos atacar”, afirmou ontem Mendilibar. Sim, é certo que os romanos chegaram a esta final com um empate a zero em Leverkusen, no qual só tiveram 30 por cento da bola e só remataram uma vez, e que os espanhóis o fizeram num excitante 2-1 à Juventus, no qual visaram por 30 vezes a baliza de Szczesny, acertando 11, mas os números são influenciados pelo facto de os primeiros terem jogado fora e os segundos em casa e, ainda mais, porque enquanto os romanos estiveram sempre em vantagem, os andaluzes a dada altura precisavam de golos para marcar a presença na final. Dos dois lados há muito talento – e mesmo que não seja previsível que vejamos Dybala ou Lamela de início, haverá sempre um Pellegrini ou um Bryan Gil para alimentar um Abraham ou um En-Nesyri e compensar o facto de tanto de um como do outro lado do espelho haver muita gente a pensar em equilíbrios e na anulação dos adversários.
De Laurentiis refaz argumento. De repente, Aurelio De Laurentiis, o produtor cinematográfico que é dono do SSC Nápoles, recém-coroado campeão de Itália, veio refazer o argumento do filme que vai rodar no Verão a propósito do carrossel de treinadores. Disse o homem que não se dá bem com Luciano Spalletti que não consegue contratar Luis Enrique, porque o espanhol ainda está à espera da Premier League. O que quer dizer duas coisas. Primeiro, que se abre a porta da Serie A ao mais italiano dos nossos treinadores, Sérgio Conceição, agora colocado a par de Vincenzo Italiano e Thiago Motta como favorito ao lugar em Nápoles. Segundo, que se fecha ainda mais a porta da Premier League – e do Tottenham, que é o que está em aberto – a gente como Rúben Amorim, que os media ingleses continuam a dar como um dos outsiders à posição nos Spurs. Eu continuo a achar que eles ficam os dois. Mas eu sou um fanático da estabilidade e das coisas simples.