A guerra da FIFA aos agentes
Jonathan Barnett deu uma alfinetada na intenção da FIFA limitar as percentagens das comissões dos agentes. "Não sabem verdadeiramente o que faz um agente", disse. É verdade. E esse é o problema.
O inglês Jonathan Barnett, que forma o triunvirato dos empresários mais influentes do futebol mundial com Jorge Mendes e, aparentemente, Rafaela Pimenta, a brasileira que parece estar melhor colocada para pegar no império do recentemente falecido Mino Raiola, abriu sede do ICM Stellar Sports no Porto e pontuou a ocasião com críticas à FIFA. Em causa estava a medida – popularucha, é certo… – que já foi anunciada por Gianni Infantino, o líder da organização que tutela o jogo em todo o Mundo, no sentido de limitar a 10 por cento o máximo das comissões a receber pelos agentes numa transferência. “Ninguém da FIFA esteve nos nossos escritórios para ver o que realmente faz um agente”, acusou Barnett. A frase, a mim, motivou-me um sorriso. Porque essa é a raiz do problema. Também eu gostava de passar algum tempo naquele ambiente para, como afirmou o inglês, perceber aquilo “que realmente faz um agente”. É que, vamos ser francos, na maior parte dos casos, se nos limitarmos àquilo que pode ser do conhecimento público, não há-de ser nada de assim tão exigente e capaz de justificar as comissões milionárias que recebem.
Ainda recentemente, quando se soube que o grupo Raiola ia faturar 40 milhões de euros de comissão pela transferência de Haaland do Borussia Dortmund para o Manchester City – valor a acrescer aos 75 milhões que os ingleses iam pagar pelo avançado norueguês – houve quem gritasse “escândalo”. Estamos a falar de uma comissão que suplanta os 30 por cento e que pode até chegar aos 40 – porque ainda não há consenso público em relação ao montante que vai cair na conta do clube alemão. Há quem fale de 75 milhões, mas também há quem diga que são só 60. Esse, porém, foi um caso em que não precisei de “passar uns dias” no escritório do agente italiano para entender o que ele fez. Quando pegou em Haaland e o levou para o Red Bull Salzburgo, o italiano traçou um caminho, sempre em defesa do futuro do jogador, e nunca se desviou dele. Quando o transferiu de Salzburgo para Dortmund, Mino Raiola não deixou o jogador assinar pelo Manchester United porque o clube inglês, com quem chegou a estar reunido, não quis incluir no contrato uma cláusula de rescisão relativamente baixa, como aceitou fazer o Borussia. Porque, no plano que Raiola tinha traçado, os dois anos seguintes, de 2020 a 2022, eram de evolução e pressupunham um movimento mais definitivo, digamos assim, neste Verão. O que foi feito neste caso foi gestão de carreira ao mais alto nível – e nem é preciso incluir a “Raiola-Haaland Tour”, a digressão mais folclórica do que efetiva que o empresário fez, de carro, com Alfie, o pai do jogador, visitando publicamente vários clubes em Espanha, no ano passado.
A questão é que não é possível fazer isto com toda a gente. O próprio Raiola não foi, de todo, um exemplo na gestão de carreira de Paul Pogba, que acumulou transferências milionárias entre Manchester e Turim e foi ficando pior a cada vez que se mexia. A gestão de Barnett não impediu Gareth Bale de se transformar no melhor “ex-jogador” do Mundo no ativo, rico, mas de qualquer modo a maior concentração de talento desperdiçado do futebol deste século. É certo que boa parte destes falhanços desportivos deve ser assacada aos jogadores, que têm um papel a desempenhar e nem sempre o fazem com o profissionalismo e a inteligência necessários, mas bastou-me andar com as seleções nacionais para aqui e para ali – coisa que deixei de fazer desde que chegou a Covid’19, mas que fiz entre 2006 e 2020 – para perceber o ciúme de muitos dos nossos melhores relativamente ao tratamento preferencial que Jorge Mendes sempre foi dando a Cristiano Ronaldo, o ás de trunfo da sua mão. No entendimento de alguns dos seus outros agenciados, essa seria uma forma de os negligenciar. Os grandes agentes têm muita gente nas suas estruturas, mas na maior parte dos casos esses acréscimos destinam-se sobretudo à captação de talento cada vez mais prematuro, de modo a evitar a chatice que surge quando têm de se atravessar no caminho de colegas para lhes sacar as mais jovens revelações que estes adicionaram às suas carteiras, porque investiram tempo a rondar os mais promissores sub17 das suas áreas.
Por alguma razão, Barnett soltou a piada a propósito da proximidade da sua sede no Porto em relação à da Gestifute: “Vou ali ver a lista de talentos do Jorge Mendes e vou buscá-los”. A frase foi uma brincadeira e não deve ser entendida como mais do que isso, até porque a lista de talentos de Mendes – como a de qualquer agente de topo – é relativamente pública. E os talentos que vale a pena “roubar” estão muitas vezes presos aos tais agentes periféricos, que nem site na internet têm e que, além disso, têm uma grande limitação: não se sentam à mesa com os grandes clubes e, portanto, a partir de determinada altura deixam de dar jeito aos jogadores e até aos clubes que eles representam e que esperam conseguir uma mais-valia interessante, só ao alcance dos grandes empresários. Aceito de bom grado que isto é próprio de qualquer área da economia moderna: se eu tenho uma pequena oficina de esquina, não espero certamente poder fazer a revisão ao Mercedes do Lewis Hamilton. No futebol é igual. O que já não me parece depois minimamente saudável é que, atualmente, mais até do que o valor de um jogador, os clubes paguem pelos favores do empresário que o representa. É que os clubes sejam muitas vezes cúmplices no pagamento de transferências inflacionadas e o façam porque da parte do intermediário lhes chega a garantia tácita de que depois também lhes vai tocar a eles estar do outro lado da “pipeline”. É que este inflacionamento artificial da economia do futebol continue a privilegiar sempre os mesmos: aqueles que construíram uma rede de contactos que lhes permite jogar com influências e manipular o mercado a seu bel-prazer, tirando riqueza das contas dos verdadeiros artistas e encaminhando muitos clubes para uma situação de dependência absoluta.
Era isso que eu gostava de apreciar se pudesse, como diz Barnett, passar uns dias por dentro da atividade de um grande grupo de empresários como o Stellar Sports. E era nisso, bem mais do que em limitações percentuais às comissões – nisso concordo... – que a FIFA devia centrar atenções. Inchados de orgulho incontido quando os seus clubes do coração conseguem uma venda imponente, alguns dos que me dão o privilégio de estar nas emissões em direto do Futebol de Verdade (de segunda a sexta, às 12h30, no meu canal de YouTube) dizem-me que “um jogador vale aquilo que o mercado der por ele”. Mas isso não é verdade. Se eu pagar dez milhões de euros por umas sapatilhas furadas que vocês têm aí em casa, elas não passam a valer dez milhões de euros. E, das duas uma: ou eu estou louco ou já vos convenci a comprar umas calças rotas por onze milhões.
Quando falamos de pessoas, a transação torna-se naturalmente mais delicada.
Como agente de futebol, teria todo o gosto em explicar o trabalho que um agente faz no seu dia a dia tanto em prol dos jogadores como em prol dos clubes. Mas o erro que não se pode cometer é pensar que todos os agentes são Jorges Mendes ou Jonathan Barnetts e que apenas operam na estratosfera aqui descrita no artigo. Existem muitos outros (que também operam a um nível alto mas nao no nível aqui descrito) que trabalham de uma forma honesta, profissional, e valem cada cêntimo que recebem por potenciarem jogadores e negócios que de outra forma dificilmente aconteceriam. Mas claro, quando esses negócios acontecem o mérito é sempre do Presidente ou do director desportivo, misteriosamente o papel do agente nessas ocasiões é "esquecido". Um abraço
Os "agentes" são o maior cancro que apareceu no futebol. Se um clube tem o passe de um jogador e outro o quiser comprar, deviam ser esses mesmo clubes a negociar. O jogador só deveria ter o apoio de um agente ou advogado para discutir o seu salário e prémio de assinatura e daí pagava então ao empresário pelos seus serviços..........